terça-feira, 14 de dezembro de 2010

  • AS PRESIDENCIAIS DE 2011 EM CABO VERDE OU O SÍNDROME DO LUGAR CATIVO E DA VICIAÇÃO ELEITORAL
Aristides Lima… assim como os demais putativos candidatos presidenciais (Amílcar Spencer Lopes, David Hopffer Almada, Manuel Inocêncio Sousa e Lídio Silva; não é caso de Jorge Carlos Fonseca, que não está engajado nas lides partidárias e só é candidato à Presidência da República) não devem, ou pelo menos não deveriam, ser candidatos nas próximas eleições legislativas. Se não têm intenção de exercer o mandato de deputado, não devem concorrer ao lugar! De outra forma estarão a ajudar a formar uma vontade popular de uma forma que, sendo legítima, constituirá uma fraude democrática, uma viciação artificiosa e mediata da vontade popular. O candidato apresenta-se ao povo com reserva mental: candidata-se e pede um voto para um mandato de Deputado que sabe que não irá cumprir porque não é essa a sua vontade. É o que se denominada na teoria geral dos negócios jurídicos (e o mandato outorgado via eleições tem esta natureza) de «vícios da vontade» mas que o povo, de forma mais liminar chama, de forma devida, de «enganos».

Usar o capital político pessoal (real ou putativo) em prol de um partido político para ajudá-lo a conseguir uma maioria parlamentar na Assembleia Nacional, da qual não se tem intenção de fazer parte, e um Governo – que deverão ser fiscalizados politicamente pelo Presidente da República – e depois candidatar-se à Presidência da República não é, no plano da ética política e do respeito que o povo cabo-verdiano merece dos políticos, nem ética, nem moral e juridicamente admissíveis. Mais: sendo a função presidencial não partidária, a tomada de posição em listas partidárias para as eleições legislativas desqualifica o cidadão, seja ele quem for, para o exercício arbitral da função presidencial.

Todos acusam Carlos Veiga de querer candidatar-se a Primeiro Ministro e depois, vencendo as eleições, às presidenciais… e quem não se lembra dos escritos de Mário Matos e de muitos outros sequazes do PAICV sobre esta matéria, a ponto do líder do MPD ter declarado que não é candidato às eleições Presidenciais mas sim às legislativas, a Deputado da nação e à Primeiro Ministro de Cabo Verde, caso ganhe as eleições marcadas para 6 de Fevereiro de 2011 encabeçando a liderança do MPD. É uma postura ética, aceitável nas condições e circunstâncias da afirmação; o que também vale para José Maria Neves. Mas será que, ao que parece, as máximas da ética e da moral, enquanto condicionantes da acção política, aplicam-se somente a Carlos Veiga? E aos demais candidatos? A regra não se aplica a Aristides Lima? A regra não se aplica a Lídio Silva? A regra não se aplica a David Hopffer Almada? A regra não se aplica a Manuel Inocêncio Sousa? A regra não se aplica a Amílcar Spencer Lopes?

Podem estes cidadãos presidenciáveis candidatar-se às eleições legislativas – para ajudarem os seus partidos a vencer as mesmas, a fazer o «combate» – usando a expressão do Presidente cessante da Assembleia Nacional, Aristides Lima – e depois candidatar-se às presidenciais? Não! Tal, reitero, é uma forma de viciar as eleições legislativas. Mais ainda, e salvo melhor opinião, a candidatura de cidadãos que já manifestaram a sua vontade de serem candidatos presidenciais e que só entrarão nas listas dos partidos para «ajudarem» estes a ganharam as eleições legislativas, é ilícita e passível fundamentar a impugnação das eleições nos respectivos círculos eleitorais.

Um cidadão não pode candidatar-se a Deputado sem intenção de exercer o mandato: não pode transformar a sua candidatura a Deputado, a representante da nação e do poder soberano do povo, em instrumento de facilitação dos objectivos partidários e em prejuízo da liberdade do povo escolher quem quer e pode exercer o mandato de representá-lo na Assembleia Nacional. E muito menos se for um cidadão que ambiciona ser Presidente da República meses depois. (Cá está, cabo-verdianos, homens e mulheres de boa vontade, uma das fundas razões partidárias para, na última revisão constitucional, se violar a Constituição neste matéria e se afastar as duas eleições.) Além de defraudar a lei e os princípios constitucionais inerentes à função de Deputado, também instrumentaliza essa candidatura numa espécie de campanha eleitoral prévia em prejuízo dos demais cidadãos que vierem a ser candidatos presidenciais.

Do mesmo modo que não fica bem a um putativo ou assumido candidato presidencial candidatar-se a Deputado para, depois, suspender o mandato para concorrer a Presidente da República: deixa cativado, «guardado» o lugar o lugar de Deputado para a eventualidade de um revés eleitoral. É o sistema ad hoc de querer-se ter a mão na faca e no queijo; mas a faca do voto e o queijo do poder está nas mãos do povo cabo-verdiano, não estás nem pode estar nas mãos dos partidos políticos e dos servidores exclusivos dos seus interesses. Não é preciso muito para qualificar este tipo de comportamento dos anunciados candidatos presidenciais, inadmissível num sistema verdadeiramente democrático, num sistema em que se deve pensar nas pessoas, nas necessidades do povo, nos desígnios da nação cabo-verdiana e não nos interesses e nas ambições pessoais. Dizia o jurisconsulto Celso que «há sempre que atentar nos matrimónios não apenas ao que é lícito, mas ao que é honesto».

A demais, não é admissível, não fica bem a um candidato a Presidente da República, uma postura de subserviência aos interesses políticos partidários… pois veicula a ideia de o que se é será: um dependente dos interesses do Partido e não um servidor da nação cabo-verdiana e guardião da Constituição. «A mulher César – dizia o Imperador-filósofo Marco Aurélio a Faustina a Nova e à Annia Lucilla – não basta ser séria, também tem de parecer que é.»

E nesta senda de guardar lugares, de cativar funções e fazer jeitinhos (uma mão lava a outra, é a lógica partidária) partidários, compreender-se-à as razões da não instalação do Tribunal Constitucional e a da não eleição do Provedor de Justiça. O Tribunal Constitucional não foi instalado porque se vislumbra o destino do mesmo: ser ocupado por juristas que hoje são deputados ou membros do Governo… é a síndrome do lugar cativo, da República de meia dúzia que chamam de ilhas bem-afortunadas mas que é de bem-afortunados (alguns chamados de «legisladores» na Assembleia Nacional) do establishment que divide os lugares de acordo com as conjunturas e os interesses do Partido.

Aristides Lima tem condições a ser um bom candidato presidencial (aliás, já o disse várias vezes em público e em privado: tem qualidades para ajudar a elevar o nível dialéctico presidencial num possível, mas não certo, embate com Jorge Carlos Fonseca e Lídio Silva), mas essa de querer «ajudar o PAICV a ganhar as eleições» e depois candidatar-se a Presidente da República compromete esta aspiração. Admiro-me que, sendo jurista, não perceba este facto elementar: ajuda a formar uma vontade do povo, mas tal é uma vontade viciada: candidata-se a um mandato que não deseja desempenhar, e só o faz para ajudar o seu partido. E quem o elege(r) deputado? Não percebe(rá) Aristides Lima que isso é, objectivamente, enganar os eleitores e colocar o PAICV acima do povo soberano e eleitor? Não ajuda o país, não; ajuda o PAICV… mas sacrifica as suas ambições presidenciais. Segue as pisadas de Carlos Veiga em 2001; acção tão profusamente criticadas pelo PAICV mas que, agora, ao que parece, resolveu fazer a mesma coisa. Só que existe uma diferença de situação… e, numa análise empírica da sociedade política em especial emergiu uma consciência ética de que é um tort candidatar-se a uma coisa querendo se candidatar a outra. O que é interessante, pois tal percepção social plasma princípios gerais do direito civil.

Cabo Verde merece mais! Como cidadão cabo-verdiano sei que mereço mais, mais do que isto que vem e está acontecendo… e, ao que parece, vai continua a acontecer. Como dizia Rui Barbosa: «A política é uma ciência; e, como toda ciência, é crítica: engrandece-se pela negação.»

Imagem: Jorge Carlos Fonseca apresentando a sua candidatura às eleições presidenciais de 2011.

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