sexta-feira, 31 de dezembro de 2010


NOTA PRÉVIA | Ouvia o Primeiro Ministro José Maria Neves a falar na RTC (13-12-2010) sobre energias renováveis e não pude deixar de lembrar um dos muitos artigos que escrevi, ao longos dos ultimos anos, sobre energias renováveis e a agenda verde, nomeadmente o infra represtinado, e publicado no Liberal(i) e na Revista AUTOR. É um exercício de memória… espero que útil.

O Governo de José Maria Neves parece, por vezes, autista... e por vezes é, quando não tarda a fazer o que é necessário ou aje de forma reactiva ou politicamente oportunista. "Mais vale tarde do que nunca", é vox populi; e seria nunca, para o actual Governo seria nunca... não fosse o programa Millenium Challenge Account II e a necessidade de Cabo Verde ter mais valias neste plano das energias renováveis para aceder à mesma... 
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  • A SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA EM CABO VERDE. QUE FUTURO? 
A saída da EDP da ELECTRA foi, em termos estratégicos, um erro do Governo – poderia ter negociado com a empresa (certamente que não desconhecia (?) o interesse da EDP na HORIZON WIND) uma outra alternativa energética para o país no quadro societário então existente. Agora, procura-se trazer para Cabo Verde o Instituto para as energias renováveis no quadro da CEDEAO – coisa boa e bem-vinda, desde que traga uma mais valia prática ao país no quadro de uma política estrutural para esse tipo de energia.

Mas que perdemos uma grande oportunidade de haver um investimento considerável no país em energia eólica no quadro da ELECTRA e do seu parceiro luso, lá isso perdemos... Foram-se os dedos, não ficaram nem os anéis – não. Ficou foi tudo na mesma: uma mão cheia de noites escuras, de Praia ao Paul, passando pelo Porto Novo, etc…

O problema maior que as sociedades em desenvolvimento enfrentam é o da produção de energia necessária e capaz de sustentar o seu tecido económico produtivo e, ao mesmo tempo, satisfazer as necessidades das populações num quadro de sustentabilidade económica e ecológica. É, claramente, uma das facetas da(s) crise(s) de desenvolvimento. Muitos países procuram, hoje, o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e humano e a sustentabilidade ecológica num quadro económico equilibrado e minimamente previsível face às oscilações dos mercados cambiais e de energia.

Cabo Verde, por razões endógenas e exógenas, tem de procurar, além destes aspectos, a sustentabilidade económica da satisfação energética que, a meu ver, passa(rá) necessariamente pelas energias renováveis. E tal deve ser assim não somente por razões ambientais ou ecológicas – que são também direitos fundamentais dos cidadãos (direitos humanos de terceira geração) – mas também por razões económicas estruturais e de futuro. E é porque os governos de Cabo Verde não curaram, de uma forma ou perspectiva estrutural, sobre esta matéria que temos o «problema» da ELECTRA, as suas infinitas “prendas” de noites escuras e a sua manifesta incapacidade de satisfazer as necessidades energéticas do país. Na verdade, se ela – ELECTRA – o tivesse feito, o problema financeiro e/ou económico de base que faz com os cidadãos, os da capital em particular, passem noites à luz de candeeiro (com custos sociais de difícil contabilização), teria uma dimensão ainda maior. É que o problema, além de ser essencialmente de natureza económica e financeira, é também uma questão de gestão racional de meios e recursos – de todos e não somente de alguns por serem mais evidentes, tradicionais e não consubstanciarem riscos para os decisores políticos nem rupturas com o status quo.

Há que ter consciência de que o país – além da questão da sustentabilidade ecológica – não poderá continuar, no futuro imediato, a importar a quantidade de energia que faz hoje. É económica e socialmente insustentável – isso é uma evidência que se tornará um problema cada vez mais grave se não for resolvido. E não creio que o diagnóstico desta matéria não esteja feito da forma correcta e que os governantes da nação não tenham consciência de que caminhamos, principalmente os mais pobres da sociedade cabo-verdiana, para o estrangulamento económico por via dos custos da energia; e não são custos somente económicos.

O Estado, isto é a administração encarnada no Governo da República, tem de encontrar uma solução energética interna que satisfaça os interesses dos agentes económicos, das populações e seja susceptível de garantir um futuro ecologicamente equilibrado. Não é uma escolha entre outras, não – é um dever que se impõe pelas necessidades da nossa realidade. Mas como, se o país não tem reservas próprias de energia e depende das oscilações do mercado internacional da energia? Perguntar-me-ão.

O «como» é mais de ordem funcional que de procura de soluções – estas existem. É verdade que Cabo Verde não tem reservas de energias fósseis – tradicionais no mundo moderno – mas tem outras formas e fontes de obter energia que não explora de forma adequada e necessária, além de que não tem uma política de energia sustentada. E as características geomorfológicas e o clima do país são motivações naturais, para lá do aspecto económico, para que o faça.

É meu entendimento de que é possível e necessário partir-se de uma solução interna que seja susceptível de limitar a dependência externa de energias fósseis e, nalguns casos – como em pequenos centros urbanos ou zonas rurais, onde a energia chega mais cara por causa dos custos de transporte e da própria interioridade – ter-se uma autonomia plena. Isso para não falar, por exemplo, (a) na possibilidade legítima de responsabilização indirecta, por via de incentivos fiscais e/ou de parcerias, dos investidores pela produção de energia e que pode(rá) constituir uma mais valia de bem social para o Estado e os particulares ou até (b) na criação de uma taxa ecológica a reverter para a protecção da natureza ou zonas protegidas.

Não existe, salvo melhor opinião, nenhuma razão substancial para que os investidores em grandes empreendimentos não sejam obrigados a projectar os mesmos para serem autónomos em termos energéticos – até porque reverte em benefício próprio (uma arquitectura e uma engenharia ecológica precisa-se!). Por exemplo, na obrigatoriedade de pelo menos 50% da energia previsivelmente consumida fazer parte dos projectos – o que é possível através de painéis fotovoltaicos susceptíveis de armazenarem a luz solar e convertê-la em energia eléctrica ou, noutra perspectiva, do aproveitamento arquitectónico dos «espaços naturais» e seu ciclo de razão em relação à rotação da terra para poupar energia.

Os hotéis e outros grandes empreendimentos poderiam, assim, canalizar essa energia para iluminação própria, aquecimento de águas, refrigeração, etc. E, em caso de superávit de energia, ceder a mesma a terceiros – com ganhos evidentes. O mesmo é possível ao nível das construções de unidades de habitação particular que podem ter autonomia energética com recurso a energia solar que, aliado a equipamentos electrónicos de baixo consumo (desde lâmpadas, a frigoríficos, televisores, etc), ajudam a poupar energia e protegem o ambiente. Tem custos iniciais, é verdade, mas com retorno garantido para o investidor particular, os cidadãos e para a nação em geral no futuro.

Isso a título de mero exemplo, pois existem outras apostas – como na energia eólica que, conjugada com outras formas de energia ecológicas e economicamente sustentadas, como a solar, hidroeléctrica ou dos oceanos (que o país se encontra em situação privilegiada – pelo menos em zonas determinadas) – que, além de poderem ser produzidas no país, podem criar uma autonomia energética às zonas rurais e às cidades, desde que devidamente planeadas e executadas.

O que diminuiria, em parte substancial, a dependência nacional das oscilações do mercado internacional do petróleo e dos humores dos lideres dos países membros da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) e libertaria fundos económicos (emergentes dessa poupança) para a realização de outros fins estruturais do Estado.

Cabo Verde, no actual contexto do mercado de combustíveis fósseis (o petróleo passou, numa década, de cerca de $US 20 para os US $100 – com descida forçada no último mês), encontra-se em situação fragilizada e na periferia do circulo produção/consumo e tem custos acrescidos nas operações financeiras inerentes à compra e venda de combustível e de tudo o que é inerente à produção de energia eléctrica. Isso para não falar da situação em que se encontra a empresa nacional de gestão (importação e distribuição) da energia importada – ENACOL – que se encontra numa situação de dependência absoluta em termos externos. Isso porque 74,2 do capital social da ENACOL é titulada por empresas estrangeiras – a angolana SONANGOL e a portuguesa GALP.

O que nos dá uma ideia de como é (será) distribuído os rendimentos dessa sociedade comercial: ¾ para os accionistas maioritários com sede no exterior. E como é que é tributado esses rendimentos gerados em território cabo-verdiano? Ah, espero que o Estado não tenha prescindido de os tributar em Cabo Verde com qualquer acordo com vista a evitar a dupla tributação…

É uma dependência – a todos os níveis – excessiva; e não tem nem deve ser assim!

O arquipélago de Vanuatu, com características idênticas às de Cabo Verde, despende cerca de 90% do seu PIB (Produto Interno Bruto) na compra de energia – o que é um factor de empobrecimento do país. Cabo Verde não gasta tanto, mas depende quase exclusivamente do mercado internacional da energia e tem, necessariamente, de gastar muito. Os governantes de Vanuatu estão a resolver o problema com a aposta em energia alternativas, v.g., na energia hidroeléctrica.

Cabo Verde, em vez de pensar na opção nuclear – eventado não há muito, aquando de contactos do Governo cabo-verdiano com a administração do Governo da Rússia –, com todos os ricos inerentes a isso; e que não são somente para plataforma continental do país mas também para a sua zona económica exclusiva, deve trilhar outros caminhos. O nuclear não é nem deve ser solução para Cabo Verde – e não é somente por causa dos custos mas por ser ecologicamente insustentável.

Os custos do nuclear em termos ambientais, além dos eventualmente económicos – pois “não existem almoços de graça”, são imensos e consabidos. Até porque há que pensar que tal solução poderia influenciar os espaços de migração piscatória – o que é um dos recursos maiores do arquipélago e que é tão pouco aproveitado – e ter-se que pensar nos resíduos nucleares, no seu armazenamento futuro e efeitos nos ecossistemas nacionais. Há que dizer, como no famigerado slogan ecológico dos anos oitenta: «Nuclear? Não, obrigado!»

Notemos, no entanto, que – se a conjuntura energética mundial se agravar e não tivermos em Cabo Verde uma autonomia mínima a esse nível – o país pode ter de recorrer a esse meio, não por querer mas por necessidade imperiosa. Mas será por não curar, agora, do futuro, não ter sentido estratégico – não por ser uma inevitabilidade…

Além de uma busca de autonomia e independência energéticas – demandadas pela realidade do país – existem outras medidas complementares em que se deve atentar. A proibição de importação de veículos poluidores ou a sua redução ao mínimo indispensável – como para a indústria – seria uma boa medida para reduzir o consumo interno de combustíveis fósseis, desde que fosse acompanhada de incentivos a importação de veículos limpos ou amigos do ambiente, como os híbridos, eléctricos, hidroeléctricos ou a álcool.

Note-se que o país tem o problema ambiental da reciclagem dos veículos automóveis em face da ausência de industria transformadora capaz de absorver os materiais dos mesmos e os seus componentes – além de que a esmagadora maioria dos veículos importados para o país são em «segunda ou quinta mão» e poucos amigos do ambiente. A importação de veículos deveria ser limitada – com preferência para veículos ecológicos, reitero – e deixarmos de importar o “lixo industrial” indesejado nos países desenvolvidos. Veículos poluidores, sim – desde que sujeitas à uma taxa ecológica ou imposto ambiental.

É possível a aposta numa sociedade ecologicamente sustentada e com ganhos económicos e sociais consideráveis. Estamos num estádio de desenvolvimento em que podemos evitar os erros de outros países e seguir os exemplos positivos adaptados à nossa realidade económica e especificidade geomorfológicas. Pode levar tempo, o tempo da nossa realidade e possibilidades, mas é uma necessidade passível de ser realizada. Não deve ser sonho, deve(ria) ser propósito.

Agora que escrevo este texto, lembro-me que se está a ensaiar o ensino dos direitos humanos no sistema de ensino cabo-verdiano – iniciativa de aplaudir e que espero que seja implementada como disciplina obrigatória a todos os níveis e que nos curricula sejam incluídos os Direitos Humanos de «terceira geração», como são os casos do ambiente e da ecologia. Mais, a educação para a sustentabilidade ambiental deveria fazer parte de um programa nacional de educação nos planos ambientais e ecológicos (mantendo as nossas cidades e vilas limpas, de poluição emergente de combustíveis fósseis e dos lixos tão pródigos na capital, evitando as descargas poluentes para as nossas praias, não matando as nossas tartarugas, cagarras ou destruindo os nossos ecossistemas para se criar empreendimento turísticos para os estrangeiros e os afortunados), aliados a mecanismos legais aplicados com rigor e de forma a serem dissuasores de crimes ou danos ambientais.

O país não pode é continuar a viver de paliativos energéticos saídos da ginástica económica e financeira do Orçamento do Estado (diga-se, em abono da verdade, que os sucessivos Governos de Cabo Verde têm feito verdadeiros milagres em vários sectores – tenhamos consciência disso e sejamos justos!) e sem uma política estrutural a médio e longo prazo. É que Cabo Verde pode e deve ser pensado não somente na perspectiva imediata – que é necessária, como é resolver o problema estrutural da Electra e garantir a energia eléctrica a toda a população nacional – mas também na da sustentabilidade global para as gerações futuras.

A autonomia enérgica do país é, também, um factor de sustentabilidade da independência nacional e de afirmação de uma sociedade que pode aliar um desenvolvimento humano considerável – pelo menos ao nível dos números do PNUD e para o seu contexto histórico – com uma sociedade ecológica e economicamente mais racional na distribuição dos seus recursos económicos.

E não me venham os Velhos do Restelo da nação pregar as «dificuldades» da realização de tal empreendimento ou invocar putativas incapacidades políticas alheias e as «fragilidades económicas» do país para colocar no mais do que possível um indesejado «im». É, agora, evidente que no contexto do anterior quadro societário da ELECTRA essa realidade seria mais fácil de concretizar – até porque o anterior parceiro português (EDP) é, neste momento, um dos maiores investidores internacionais em energias renováveis tendo adquirido (a 2 de Julho de 2007), inclusive, a empresa americana HORIZON WIND tornando-se a 4ª (sim, quarta) maior produtora de energia eólica do mundo. Enquanto a capital de Cabo Verde minguava por luz eléctrica, aquela que foi a maior parceira do Estado na ELECTRA fazia um negócio estratégico em energia alternativa (eólica) de milhões.

A saída da EDP da ELECTRA foi, em termos estratégicos, um erro do Governo – poderia ter negociado com a empresa (certamente que não desconhecia (?) o interesse da EDP na HORIZON WIND) uma outra alternativa energética para o país no quadro societário então existente. Agora, procura-se trazer para Cabo Verde o Instituto para as energias renováveis no quadro da CEDEAO – coisa boa e bem-vinda, desde que traga uma mais valia prática ao país no quadro de uma política estrutural para esse tipo de energia. Mas que perdemos uma grande oportunidade de haver um investimento considerável no país em energia eólica no quadro da ELECTRA e do seu parceiro luso, lá isso perdemos... Foram-se os dedos, não ficaram nem os anéis – não. Ficou foi tudo na mesma: uma mão cheia de noites escuras, de Praia ao Paúl, passando pelo Porto Novo, etc…

Será caso para dizermos que pobre tem mesmo é azar? Ou será outra coisa?... Mas deixemos o passado e pensemos no futuro! Mas mais atentos, informados e com sentido estratégico do que é realmente importante para o país em termos estruturais. Não é uma questão de política de partidos; é uma questão de política para os cidadãos.

O povo de Cabo Verde merece um futuro melhor – mesmo nações com outros meios económicos e estabilidade económica sustentada já trilham este caminho; e não têm as condições naturais que existem em Cabo Verde. É, claramente, uma visão estrutural, a pensar no futuro das gerações vindouras. Não é um caminho isento de dificuldades, mas em 1975 muita coisa parecia impossível, não é?... Ouve quem, crendo, desse uns valentes pontapés no «im».

(Artigo publicado na edição de Liberal  a 5 Fevereiro de 2008 e na Revista Autor de 29 de Fevereiro de 2008).
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(i) A hiperligação no Liberal on line está descontinuada.

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