- A BOA GOVERNAÇÃO, O «BODO DOS NECESSITADOS» DO GOVERNO E COMO SE SACRIFICA UMA CIDADÃ
Ouvia, ontem, a Ministra da Juventude na Assembleia Nacional, respondendo a um deputado do MPD (Nelson Brito, se não me falha a memória) que perguntou-lhe porque há 10.000 US dólares – atribuídos por Despacho do Primeiro Ministro José Maria Neves – para uma ex-deputada do PAICV e não há 30 contos para um estudante de S. Nicolau continuar os estudos. A Ministra deu voltas, e mais voltas! Para dizer (na estratégica ausência do Ministro da Educação e do Primeiro Ministro) que o Governo tem ajudado e continuará a ajudar os jovens necessitados.
Acho bem que o Governo de Cabo Verde ajude os jovens necessitados – e que nunca deixe de o fazer! –, agora: (i) a ex-deputada é jovem? (ii) as «ajudas» que têm sido dadas são da mesma natureza que esta ajuda ad hoc do Primeiro Ministro e à margem das regras legais pré-estabelecidas em lei? (iii) Quais os critérios – objectivos – que o Primeiro Ministro utilizou para tal ajuda? É que o dinheiro é do povo, e não pode ser usado de forma casuística e ao bel-prazer do Primeiro Ministro, do Ministério da Educação e do Ministério da Juventude (que, segundo disse a Ministra Janira Hopffer Almada, também ajuda os jovens). É urgente uma Auditoria do Tribunal de Contas, uma Comissão Parlamentar de Inquérito e, porque não?, uma investigação do Ministério Público a este tipo de comportamento que tem o fummus iuris de ilicitude que, a bem da República e da própria imagem do Governo deve ser esclarecido.
A boa governação, a governação transparente assim o exige. O Governo não pode favorecer nenhum cidadão em razão de nenhum critério subjectivo; se o faz, incorre em ilicitude. Os cidadãos mais desfavorecidos devem ter prioridade; e o Governo tem o dever de justificar-se, de fazer a euthyna que o mandato do povo demanda sempre que, escrutinando os seus actos, exige uma resposta. Platão diz-nos em A Republica que (Platão, A Republica, VII):
«Numa cidade bem governada, só exercerão o comando os que sejam ricos, não de ouro, mas dessa riqueza de que o homem precisa para ser feliz – uma vida virtuosa e sábia. Se, pelo contrário, mendicantes, gente sequiosa de bens materiais, ascenderem aos negócios públicos, persuadidos de que aí satisfarão os seus interesses particulares, a cidade não será bem governada, porque se lutará para alcançar o poder, e essa guerra interna perderá, não apenas os que a travam, mas toda a cidade no seu conjunto. É preciso que os ambiciosos do poder a ele não ascendam, para evitar lutas entre pretendentes rivais. […] A guarda da cidade deverá caber apenas àqueles que se mostrem melhor esclarecidos quanto aos meios de governar e que, dispondo de outras dignidades e de uma condição superior à do homem público, teriam mesmo de ser obrigados a aceitar as funções de Governo, que não seriam por eles desejadas».
É assim uma sociedade bem governada. Pode-se dizer o que se disser, desencantar todas as obras que se quiser, mas uma sociedade fundada no nepotismo, no favorecimento pessoal e no tráfico de influência não é, nem pode ser!, uma sociedade bem governada. Os pobres merecem tanto como os ricos (na verdade merecem mais segundo a máxima da igualdade e o critério da desigualdade justa), e não pode um Estado ou um Governo justo dá a quem tem e não dar a quem precisa. A redistribuição da riqueza deve ser justa, e por isso terá de ter o critério de promover a igualdade e não sustentá-la.
E esta situação lembra-me a carta que Ofélio Macrino, de origens humildes e de uma Província africana do Império, escreveu ao Senado de Roma dizendo-lhe que tinha assumido a Toga púrpura de Imperador – o critério do bom nascimento ou da nobreza consular era critério objectivo para o exercicio da função – e, argumentava a seu favor, «de que serve uma origem nobre, se não a acompanha uma natureza íntegra e humanitária? Pois é: de que nos serve ter uma Constituição com belos princípios se a tratamos como se fóssemos Tarquínios e ela uma Lucrécia para a ser violada?
E no meio disto, uma cidadã – que legitimamente pediu um apoio do Estado – acaba por ver vituperada a sua vida privada. Por vezes não é o que se faz, é como se faz a acção devida (uma ex-Deputada deve merecer uma bolsa de formação, mesmo a título de excepção legal). E não fica bem ao Governo não esclarecer esta situação – que permite a infámia de algumas pessoas apodarem acitosamente a mesma cidadã de «amiga especial» do Primeiro Ministro – pois, como bem dizia Santo Agostinho, «a ignorância do Juiz é, com frequência, a desdita do inocente.» E, do meu ponto de vista, teria sido fácil esclarecer a situação... de forma satisfatória e eticamente sustentada.
A política tem limites imanentes; e não se pode dizer «as pessoas primeiro» – e depois sacrificá-las como cordeiros pascais. O Governo anda mal nesta questão, mas que da oposição tem falado não anda melhor: os fins não justificam os meios; todos os meios, como esta de difamar uma ex-representante do povo cabo-verdiano. |
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