segunda-feira, 14 de junho de 2010

  • HUMANIDADE PRISIONEIRA: DE FUKUYAMA A DAWKINS

Acabei de seguir as eleições na Bélgica, e relia Ibn Al Arabi e Francis Fukuyama. E concordo com Fukuyama quando afirma que não existe uma relação causal e indefectível entre desenvolvimento e democracia, ainda que exista uma correlação positiva entre estas duas variáveis da existência humana. Já não concordo com o mesmo quando defende que «liberal democracy may constitute the "end point of mankind's ideological evolution" and the "final form of human government," and as such constituted the "end of history".» É uma ideia recorrente, que Fukuyama defende com brilhantismo em The End of History and the Last Man; ainda que equívoca, pois a sua premissa fundamental, do meu ponto de vista, é falha de sentido; mas isto é matéria para outro foro. Lembrei-me, então, de um outro sentido desta questão, e lavro aqui uma breve nota.

G.N. Clark, no seu discurso inaugural em Cambridge, disse: "Não há segredo ou plano na História que reste para descobrir". É claro que este juízo tem uma premissa dogmática que fere a sua validade ab ibnitio, mas admitamos que tal asserção, ainda assim, seja de considerar.

Mas, mais do que isso, tomemos outra asserção dogmática e finalista, esta de Dawkins. Richard Dawkins, diz que não existem mistérios da vida, que Darwin e Wallace os devendaram. Isto é, a história — no plano teleológico — chegou ao fim; isto segundo G.N. Clark, pois para Dawkins não existem mais mistérios a serem descobertos, o sentido da vida está desvendado e não nos resta nada mais que contemplar a vida e compreender o seu mecanismo (dir-se-á que Francis Fukuyama segue a mesma lógica, no plano da governação da Polis que teria, no actual estádio, chegado ao fim da história, cristalizando, assim, o sistema democrático liberal — o que é um equívoco).

Se é assim, devemos seguir o conselho de um epitáfio deixado há séculos numa Villa romana do norte de África (precede, cronologicamente, o condicional "comamos e bebamos que amanhã morreremos" que Paulo dizia aos helenos de Corinto):
Caçar, banhar-se,
Jogar, rir
— Isto é viver!
Mas não! A vida é mais, muito mais do que isso. O que eu pergunto é: e onde fica o amor e a humanidade que, em sim mesmos, são dos maiores mistérios da vida e os limites de toda a acção humana no devir da existência? A vida não se resume ao sentido biológico e naturalístico nem ao acervo de conhecimentos que o homem acumulou; a vida tem uma dimensão transcendente que impele a humanidade a ser humano, digno e um buscador da transcendência de si e do outro. E é isso que faz a grandeza da humanidade, e é isso a aproxima da essência das coisas, e dá sentido a vida; seja na dimensão biológica — que é condição e não fim da humanidade —, seja na psico-social, i.e., na percepção que temos da gestão da nossa sociedade e da história como devir crono-existencial da vida.

Não se deve querer uma humanidade prisioneira; pois a humanidade é essencialmente espírito. Por isso a humanidade tentará, sempre, compreender não somente o quem eu sou, de onde venho, para onde vou. Não existem mistérios na vida e na história? Chegamos ao fim do quê? O ponto de partida, e a perspectiva com que vemos o nosso objecto é que determina as nossas conclusões — nisso Descartes e Bertrand Russell estão de acordo —; sendo certo que há mais filosofia e verdade na mão do carpinteiro que fará o meu caixão e no beijo da minha amada do que em tudo isto que nós homens engendramos para explicar a mão de Deus escrevinhado um poema que seremos nós, a humanidade.

Imagem: Matéria — Umberto Boccioni (1912)

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