quarta-feira, 23 de junho de 2010

  • LISBOA É «NOVA METRÓPOLE» DE CABO VERDE?
O Governo presidido por José Maria Neves tem um problema congénito de comunicação com o povo de Cabo Verde. Passa grande parte do seu tempo a viajar (nem sempre justificado e em tempo oportuno — v.g., a participação do Primeiro Ministro nas comemorações do 10 de Junho em Portugal me pareceu desadequado e politicamente saloio para não dizer mais. O mesmo se diga do Ministro Manuel Inocêncio Sousa participar numa Conferência paga a 20 euros! na Reitoria da Universidade de Lisboa e que desqualifica quer o membro do Governo quer o Governo a que pertence, além do potencial candidato presidencial ou a outra coisa. A emenda de que "não sabia desse facto" ficou-lhe pior que o soneto, pois demonstra que não cura com coisas que deveria curar.

Mas o Primeiro Ministro continua a dar sinais contrários aos cidadãos com algumas acções e omissões, como é o caso de não querer debater questões fundamentais com o líder da oposição, mas ter tempo para os dialogar com os thugs, para passar horas no facebook (já me perguntaram, com ou sem justiça e com algum acinte, se é essa a governação electrónica do Governo de Cabo Verde) e para debates espúrios e de puro exibicionismo como o de que se deu conta na Universidade Lusófona de Lisboa – que terá, ao nível da qualificação, penso, o mesmo empolamento que teve o encontro de Carlos Veiga com os estudantes no num tempo não muito longe.

Sobre os comentários menos abonatórios às cidadãs membros do Governo e atribuídas ao Primeiro Ministro, elas não ficam bem ao presidente de um Governo – pois este não deveria alimentar essa forma excessivamente descontraída de governar e de dizer as coisas. Pode até ser fora do contexto, admito tal possibilidade, mas a dimensão de Estado de um membro do Governo, em particular do primus inter pares, não permite determinadas afirmações, mesmo que a título de mera brincadeira. Assim, o discurso da igualdade de género e tudo o mais é desqualificado e o mérito se perde por traquinices de raposinhas. A média de mais de um Ministro do Governo de Cabo Verde — além de outras autoridades nacionais — em Lisboa durante o presente ano é, de todo, um exagero e a capital lusa parece e se sentirá com razão a Metrópole de outrora…

Por vezes fica-se com a ideia de que José Maria Neves diz e faz as coisas sem pensar, sem reflectir devidamente; e depois de dizer as coisas descobre que é tarde demais para retirar ou corrigir o que disse ou fez. O entusiasmo deve acompanhar a razão de qualquer político ou política. Mas não! Passado algum tempo volta ao mesmo. Tem sido recorrente algumas decisões pouco racionais, de difícil compreensão no plano político a não ser que se tenha a ideia abjecta de que o povo de Cabo Verde é o tal povo cego; o que não deverá pensar, certamente.

A seu tempo descobrirá que algumas estratégias de comunicação — ou a falta delas — custam muito mais do valem de verdade. O Mundo não é de desatentos, e nem toda a gente dorme — enquanto se dança tango em Buenos Aires e Nova Iorque, come-se kamoca com café na Ribeira das Patas, terra de gente feliz sem saber que o é e que merece mais de tudo.

E dou por mim a pensar que José Maria Neves já está com o pensamento nas presidenciais, e que a sua estratégia para a juventude — mesmo com o desaire de não ver aprovado as alterações à Lei da nacionalidade antes do recenseamento na diáspora — pode vir a embrulhar uma espécie de justiça poética. Afinal, a alteração mais desejada da constituição poderá não ter o efeito mais querido; o que faz muita diferença. A contagem de espingardas terá de ser feita de outra forma, ou o contador ficar como está.

A realidade é que a mesma juventude que, de repente, está menos desempregada na estatística, no papel, tem um papel fundamental a desempenhar com a velha e renovada Metrópole como retaguarda. Mas, parafraseando Aristides Lima: já nada surpreende(rá)… a não ser, parece-me e para os menos atentos, essa de termos governantes cabo-verdianos freudianamente lusos e que, mesmo os ateístas, estarão rezar para o Governo de José Sócrates se aguentar até as eleições em Cabo Verde.

O facto de ter-se numa semana dois candidatos a candidatos a Presidente da República de Cabo Verde em Lisboa a falar sobre as presidenciais é sintomático de que têm consciência de que poderão vir a começar a campanha mais cedo do que o calendário construído e forçado á revelia da Constituição? Pode ser, também; mas David Hopffer Almada aprendeu depressa com os erros do Manuel Inocêncio Sousa; e está-se a fazer tudo par se ter o Auditório da Lusófona a abarrotar para o escutar… e provavelmente ver-se-á quem nunca se viu, e ouvir-se-á o que nunca se ouviu, se o candidato for consequente com as razões que o levaram a candidatar-se em 2001 (o título da conferência a proferir assim o indica, mas duvido que vá tão longe neste momento).

Nunca deixamos de ser o que sempre fomos: colonizados; colonizados morais, ao caso. E a Metrópole ri-se. Mário Soares diz o que diz… porque tem as suas razões, razões que os nossos políticos passam a vida a dar-lhe. Até participamos nas comemorações do Dia da Raça (como os nacionalistas chamam ao 10 de Junho); fazendo uma espécie de assunção política do dia. E o orgulho fere a face de bofetadas de mão de luva branca, mas pensa-se que é uma brisa marinha perfumada, algo de único. A cadeia alimentar é assim; também se aplica ao grau de cegueira.

Imagem: Kai Fjell — Adorning the Bride (1952)

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