segunda-feira, 28 de junho de 2010

| OS LIMITES DA POLÍTICA OU REGRESSÃO DEMOCRÁTICA NO CONSULADO DE JOSÉ MARIA NEVES

Recebi algumas mensagens e e-mails dando nota de que José Neves, filho do Primeiro Ministro José Maria Neves acabou os estudos e seguiu de Lisboa para ir trabalhar na Bolsa de Valores de Cabo Verde. As mensagens estão eivadas de críticas acintosas, e fariam sentido se o jovem José Neves não tivesse formação bastante, o que não é o caso; pois se uma licenciatura e um mestrado não são qualificações para se ser Estagiário na referida instituição, o que poderá ser? O facto de ser filho do Primeiro Ministro não deve(rá) ser razão para o discriminar e lançá-lo no desemprego como grande parte da juventude cabo-verdiana. Partir-se do princípio de que foi beneficiado é que me parece inadequado.

Conheço casos, demasiados, de favorecimento pessoal e/ou em razão de proximidade com pessoas detentoras de cargos públicos – o que é uma espécie de tradição nacional – que bradam aos céus. (Em Portugal não oiço ninguém a bradar o que todos sabem e ninguém se atreve a dizer em público: Rui Soares, o famoso jovem Administrador da Portugal Telecom é sobrinho do ex-Presidente da República Mário Soares.) E casos, que me foram narrados, de prejuízos em razão de se ser membro da família de detentores do poder. A título de exemplo: um bom cidadão – muito próximo do chefe do Governo – dizia-me no outro dia que, segundo a sua convicção pessoal, a irmã do Primeiro Ministro José Neves morreu porque não foi evacuada a tempo de Cabo Verde quando teve uma crise renal grave, e que só não o foi porque era familiar do Primeiro Ministro.

A ser verdade, boas razões teria e/ou terá o Primeiro Ministro para se queixar no facebook de ser vítima de injúria, ódio e vingança contra ele e a família; mas não é legítimo opor essas coisas à oposição, nomeadamente ao seu líder, para não debater o Estado da Nação. Não se pode ter tempo para comunicação cidadã… e não ter tempo para debates exigidos pelo sistema político da República, o tal «sistema de partidos» de Mário Matos falava há poucos meses no jornal ASemana.

Agora, também se coloca a jeito em muitas questões e momentos. A oposição é que continua desatenta, e, como notam observadores atentos, demasiado reactiva. Por exemplo, e ainda sobre o favorecimento pessoal, a Administração de António Neves a frente dos TACV tem sido pouco menos do que desastrosa, muito aquém do que se esperava. Na altura da nomeação não me pareceu mal que Primeiro Ministro tivesse nomeado o irmão para tal função, pois acreditava que este tinha competências funcionais para tanto. Hoje, tenho a dizer que a cada dia que passa a sua manutenção com PCA dos TACV é um prejuízo para o Governo e para a marca nacional TACV.

A política partidária tem de ter, naturalmente, ligações umbilicais de solidariedade análogas às familiares, mas estas relações não podem prejudicar o Estado e os cidadãos; não se pode agir na governação e na oposição como se se estivesse num campo de batalha. Sun Tzu é importante, sim; mas há um mutatis mutandis histórico e temporal a ser considerado... Existem limites na acção política, e os limites são de ordem ética e moral; e não se pode permitir acintes como os de uma cidadã que num comentário indigno de uma Senhora chama o Primeiro Ministro de gay (uma arma muito usada, e conhecida!, por mulheres despeitadas ou não desejadas: se um homem é mulherengo, não presta porque é mulherengo; se não dá bola à dada dama, é tido publicamente como namorado imaginário com todos os defeitos de homem, desde mau k’medor a gay).

Mas estas coisas acontecem porque o nosso Cabo Verde ainda não é tão democrático como pensamos; ainda estamos longe de uma cultura baseada nos valores democráticos, nomeadamente da responsabilização das pessoas pelas suas acções, nomeadamente pelo que sai das suas bocas e que contamina o Mundo e o outro seu semelhante. E a estratégia de constante e excessiva exposição mediática do Primeiro Ministro José Maria Neves dá azo à situações desta natureza, e outras mais.

Mas será que tais factos – com claro sentido de vitimização – são bastantes para justificar o facto de não querer debater com o líder da oposição? O que tem a oposição a ver com essas coisas? É urgente qualificar a política cabo-verdiana, e educar-se os cidadãos para a cidadania; e se calhar é preciso fazer-se algumas coisas que são politicamente incorrectas para um político. Mas o ano pré-eleitoral condiciona a cidadania, até a do líder do Governo.

Uma democracia sem debate é uma democracia coxa, como a cabo-verdiana. Como já tenho dito e reafirmo: ainda estamos em fase de transição para a democracia, e sem debate será ainda mais difícil consolidar o Estado de Direito Democrático e os seus valores. A crise na Europa é profunda, mais ainda nos valores do que na economia e nos mercados financeiros; e Cabo Verde segue de arrasto, mimetizando tiques políticos desnecessários. Ao contrário do que muitos pensam, a comunidade internacional inclusive, a democracia cabo-verdiana tem regredido, e muito!

Pode não ser, mas parece há muito que o Primeiro Ministro José Maria Neves não aprecia o debate político com a oposição. E o que parece por vezes é; e felizmente que é por vezes, pois pode-se elidir muitas aparências. Mas o debate com a oposição não está dependente de inferências subjectivas do Primeiro Ministro e líder do partido no poder, não; é um dever imposto pelo sistema democrático. O respeito pela oposição e a pluralidade discursiva e o debate de ideias são estruturais no Estado de Direito Democrático; e nisto estamos muito pobres, demasiado pobres, e não me importa o que dizem os observadores internacionais, pois sei como se observa; e, por vezes, só se vê o que importa ao fim e ao objectivo da observação ou para quem se observa.

A verdade é que, como diz o velho adágio, há quem veja o rato, mas não vê o elefante. A demos tem e é vítima destas coisas, e por isso a nossa terra vai sendo curada por uma classe de aristoi auto-promovida; e que chega e sai de mansinho.

Haja massa bruta, e nunca faltarão snobs fast food para gerir a terra da morabeza.

Imagem: René Magritte

9 comentários:

Anónimo disse...

Acabo de ler algo que me deixou com vontade de bloquear as paginas de certas pessoas que se dizem amantes de Cabo Verde, que isão contra os insultos pessoais na politica e, no entanto, na página de Facebook que não se sabe se é do cidadão José Maria Neves, se é do Primeiro Ministro da Republica de Cabo Verde ou se é do Presidente do PAICV, chamam a pessoas, como eu que pertence ao Partido que está na Oposição, em Cabo Verde de: DIABOS! Para eles não deve existir o contraditório mas sim pensamento único, ou seja TOTALITARISMO e não democracia, porque democracia pressupõe a existência de diabos como eu! Por isso que eu digo é preciso lutar para derrubar esses arrogantes e prepotentes,lutar pela liberdade e pela democracia!
Nessa mesma pagina de Facebook certas jornalistas tomam posição, claro a favor do dono da página, emitem opiniões abanotárias, enfim uma tristeza, e depois dizem que são imparciais. É uma tristeza..Américo Silva

Amílcar Tavares disse...

Excelente post!

Virgilio Brandao disse...

Américo... a página parece, por vezes, ser da Dra. Helena Fontes. Esta democrata que arranja sempre uma forma de banir as pessoas que fazer perguntas incómodas ao Primeiro Ministro... e tem uma "malta" arregimentada em Lisboa para controlar as conferências e palestras dos membros de Governo de Cabo Verde em terras Lusa.

A nossademocracia ianda tem muito que crescer... e não te preocupes, ainda arranjarão uma maneira de bloqueares as ditas páginas oute bloquearão, pois assim ficarás sem saber o que dizem e não poderás reagir. Manobra política meu Caro... e não cais nessa!

Eu, cansado de macaquices e de verboreia, tive de bloquear a Dra. Helena Fontes (que era o que ela queria, eu sei... pois para ela eu também sou um "diabo").
Abraço fraterno

Gracias Amílcar... e estou ansioso pelo TAL post! :-)
Preparar-te, pois vais arranjar alguns dissabores com isso.

Joshua disse...

A Helena Fontes exaspera qq um com esta visão binária das coisa: PAICV igual aos bons e MPD igual aos maus.
Justifica esta truculência política com o facto de se ter sentido perseguida durante o governo da agora oposição. Relata n caos de falta de disposição democrática do MPD para com ela, familiares e amigos a quem estiver com paciência para ouvir.
Logo não acredita em nada que venha desse lado.

Quanto à questão da página do Zema ela não é a única a publicar por lá. Outros tb o fazem no mesmo tom laudatório que roça mtas vezes o ridículo. No caso dela ultrapassa mesmo esse limite e já lho disse.
Mas o PM parece gostar porque lhe responde constantemente sempre em tom amigávelo que até não é de estranhar uma vez que são compadres...

Curioso, e se calhar ainda não tinhas pensado nisso Virgílio, é que por norma o PM só responde às interpelações da Helena Fontes e do Virgílio Brandão.
:-)

Quanto à questão do filho do PM, tb recebi e-mails, quem não recebeu?, e até pode ser o rato que todos vemos mas a verdade é que quando se criam vagas para estagiar essas vagas tb vão a concurso ou não? Ou a vaga foi criada só para ele?! E era sobre isto que o PM se referia quando dizia que se sentia vítima? Não percebi...Todas estas pequenas coisinhas das elites provocam-me algum desconforto pq todos os dias sou confrontada com as grandes questões do que é ser caboverdiano e não pertencer às elites pós-descolonização.
:(


PS:mau k´medor? Haverá limites para o que eu posso aprender em crioulo?
:)

Virgilio Brandao disse...

Joshua... Cabo Verde é Portugal em miniatura. Queres que diga mais?

A Helena Fontes (com o nome de Jessica e outros nomes) andou aqui pelo meu blog a assediar-me sexualmente... a telefonar-me a toda a hora e feitio, a querer que eu me alistasse na sua falange partidária e que conhecesse o seu oriente, mas eu… não! Nunca estive (nem estou!) à venda, por nada. A vida tem destas coisas, parece que estava a adivinhar ao escrever este post, não é?

O que dá não querer foder uma mulher!

Será que um homem tem o dever de comer todas as mulheres que nos aparecem pela frente e se oferecem? Eu acho que não! Os Lusíadas leio com quem amo, com seres humanos humanos; e ser irmã de Ministra, cunhada do Primeiro Ministro, dra., louca ou groguera não não é isso; e não levanta o meu chocolatinho.

O homem também tem os seus fardos.
:-)

Virgilio Brandao disse...

Ah, Joshua... analisa as coisas e chegas lá, aí se chegas. Aliás, já te tinha dito que...
:-)

Virgilio Brandao disse...

Américo, só agora percebi o sentido pleno do teu comentário, pois não consigo ler o que a dita Sra. escreve, pois está bloqueado por mim.

Mas consigui ler, agora.
Obrigado!

Joshua disse...

Foi de facto uma coincidência espantosa! Muito bom mesmo.
:-)

Mas estás zangado. De outra forma não serias tão gráfico.
Perder a paciência também pode ser uma virtude.
:-)
Agora com afirmações destas do caraças, como diria aquele teu amigo também banido por ela, vais ter mesmo que te prevenir...
Take care

Virgilio Brandao disse...

Como sabes, Joshua... eu não acredito em coincidências, e uma saduceia também não deveria, não é?

Quanto ao mais, não sei do que falas... Como dizes, por vezes eu... isto lembrando-me o Ritz Club (antes não era, nem foi, mas agora será).

O Jonas morreu, morte tecnológica! Como é que se sente saudades de um peixe? Diz-me, ó tu que fumas...

Besos, pois tenho de escrever um poema que migra e dentro de mim...