segunda-feira, 31 de março de 2008

  • AS OMISSÕES SOBRE A LÍNGUA CABO-VERDIANA
Li «Comparar é preciso» do Mário Matos no «A Semana» on line e (na sequência de outro artigo que o articulista publicou no mesmo jornal) se concordo que não é líquido que o ALUPEC seja o fim da caminhada para a construção de uma escrita «oficial» da língua cabo-verdiana, existem outros aspectos bem mais prementes que a questão da comparação dos «criolos».

O caminho se faz caminhando, como diz o poeta. Não há que estar, constantemente, a estudar as coisas – é preciso agir, atentar no que está construído e ir construindo sobre a(s) base(s) existente(s) ou com outras matrizes que possam vir a ser eventadas. A ciência faz-se assim – caminhando, passo a passo. Com ou sem rupturas epistemológicas, é preciso caminhar em frente; não podemos, por questões de ilhismos, regionalismos ou preconceitos bafientos impedir caminhos necessários para a língua cabo-verdiana.

Por isso é que não entendo (para além da questão do estudo e da investigação comparativas) como é que, por exemplo, sejamos um país – eventualmente o único no mundo – que não tenha uma Constituição na sua língua materna, o cabo-verdiano. A boa vontade e as louvaveis intenções do Governo em 1998 não parecem ter sido bastantes para se fazer esse mínimo para qualquer Estado

Sobre este aspecto, está a ser pensado, aqui por Lisboa, a tradução da Constituição para o cabo-verdiano – quer no sistema do ALUPEC quer no cabo-verdiano que se fala em S. Vicente. É uma ideia, uma perspectiva cidadã de cumprir com a Constituição na ausência e omissão do Estado.

Note-se que não sou um defensor acérrimo do ALUPEC, não. Mas é um sistema com bases sustentadas que pode e é útil à construção da identidade linguista cabo-verdiana – logo, sou a favor da sua instauração. Não pode ser, como está na mente de muitos, nem é uma espécie de pinheiro que seque todas os outros «criolos» das demais ilhas e as deixe sem raízes.

A nossa mais valia linguística está, também, na nossa diversidade.

Assim, compartilho a ideia de que o «estudo do sucesso do ensino-aprendizagem da Língua Cabo-verdiana na nossa comunidade em Bóston. Que resultados práticos têm tido e porquê?» seria um instrumento importante para percebermos as implicações da convivência, ao nível do ensino, da das várias formas de entender a língua cabo-verdiana e no contexto de uma língua estrangeira tão diferente como é o inglês.

É que a experiência levada a cabo no Massachusetts, nomeadamente em Boston, é um autêntico balão de ensaio para a compreensão desta questão e mais uma luz na construção de uma forma de gravação normalizada da nossa língua materna.

Agora – tomando emprestadas as palavras de Mário Matos –, «Por isso é, no mínimo, intrigante, a ausência, entre nós, de estudos comparativos com os crioulos de base lexical portuguesa […]», mas mais do que isso: de, até agora, não se ter procedido a este estudo sobre o alcance, dimensão e efeitos do ensino da língua cabo-verdiana nos Estados Unidos da América.

A questão até que não está nos resultados em si, mas nos métodos utilizados e que, no futuro, poderão ser utilizados ou não noutras paragens da Diáspora cabo-verdiana e no ensino da língua materna em Cabo Verde.

Mais ainda: onde está o relatório com a «Avaliação Final» sobre o período experimental do ALUPEC (Artº.2 do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro)? Lembro aqui o que diz a lei:

«Findo o período experimental e ouvidas a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana e demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma, procederá o Governo a uma avaliação final do impacto do uso do ALUPEC e adoptará as medidas que se mostrarem convenientes» (Artº.4 do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro).
Que diz o Governo sobre isso?

A ausência deste(s) estudo(s) é mais uma omissão do Estado e que urge colmatar. A dimensão compreensiva e comparativa dos fenómenos sociais há muito que demandam estudos dessa natureza. Sendo um pouco Malthusiano, diria que a língua não pode ser deixada assim – a deriva. Tem de ser cientificamente domesticada, de outro modo estaremos sempre num patamar de menoridade linguística em relação ao observador externo.
Pode não parecer muito, mas é – também e essencialmente, no que a identidade diz respeito – uma questão de independência. A formalização da independência cultural não é coisa despicienda, não.

Tenho consciência que a «escolha» do ALUPEC é um problema socialmente fracturante e que tem uma dimensão política complexa e cujos custos não estão bem contabilizados; muito por culpa de não se ter cumprido com os objectivos de 1998. Mas, convenhamos, três décadas depois da independência e uma década depois de instituido a «experimentação» do ALUPEC, já é tempo do Estado passar à acção – Constituição em língua cabo-verdiana, Boletim Oficial bilingue, Convenções internacionais redigidos em cabo-verdiano, ensino da língua materna nas escolas (nomeadamente na formação de professores), etc, etc…

Não são luxos, são razões de Estado e de identidade; são necessidades imperiosas.

O ALUPEC é que está sistematicamente sustentado pelos cânones da linguística? Então, que seja o ALUPEC. Qual é o problema? Não se pode gostar ou deixar de gostar do ALUPEC – há que dizer e explicar bem as razões de tal assentimento ou da sua ausência. É que não é uma questão de gosto, é uma questão de razão de ciência.

Temos de caminhar, não depressa demais – mas também não precisamos de andar a passo de caracol. Se colocamos tanto esforço no Acordo Ortográfico sobre o português, porque não colocar a mesma energia, empenho, dedicação e coragem política ao serviço da língua cabo-verdiana? Isto é, da memória futura da nossa Pátria.

2 comentários:

Anónimo disse...

Completamente de acordo com a tua analises, irmao, devemos sobretudo usar de "bon sens" para deixar de querer "mettre la charrue avant les boeufs" como diz velho ditado francês. Nao é com complexados julgamentos de valores e afectos infectados pela ma fé que vamos poder por fim a esta guerra imbecil entre o kriolu do norte e aquele do sul!! ALUPEC é somente o inicio dos trabalhos, o ponto de partida que o tempo e sobretudo a pratica da lingua moldaram. O kriolu ja demostrou ter uma incrivel capacidade de criaçao e de adaptaçao que mesmo os cineastas de relevo, como o Pedro Costa, distinguam ha varios anos. Porque ficam sempre atras os principais protagonistas? Talvez acham como o Teixeira de Souza num dos seus ultimos artigos do Terra Nova, que o kriolu é lingua de quintal?!!

Anónimo disse...

Ariane,
há que ter paciência.

O cabo-verdiano (dito "criolo") vencerá! A seu tempo.

Dia bom