quinta-feira, 20 de março de 2008

REGIONALIZAÇÃO E IDEIAS NOVADAS

Li que os autarcas cabo-verdianos – durante as VII Jornadas Autárquicas das Regiões Ultraperiféricas – ficaram desagradados com a posição de Wladimir Brito sobre a regionalização (opinião cuja extensão não conheço na totalidade).

Este terá afirmado que ser «contra a regionalização porque entendo que o País não tem dimensão para ter regiões, por um lado, e por outro lado não tem recursos económicos, financeiros e humanos para ter regiões». Este juízo é quase tautológico; quase porque há quem não pense assim ou não tenha a noção real do que está em causa.

É uma posição que não agrada aos autarcas (não todos, certamente), pois trava a criação de uma nova classe política. Parece que as opiniões só são boas quando são do agrado de quem as escuta. As críticas às ideias, no entanto, são sempre bem vindas; desde que sejam, verdadeiramente, antíteses.
Discursar sobre ideias com base em lugares comuns não é, de forma alguma, o melhor caminho para a sociedade cabo-verdiana. É que não se trata de gosto, de escolher este ou aquele atavio – trata-se do bem comum e, em última análise, da vida e do bem-estar das pessoas.

Sobre esta matéria, há muito que me tenho pronunciado no mesmo sentido: pois a Regionalização não é, de forma alguma, o melhor caminho para o povo de Cabo Verde. Mas seria, certamente, para os políticos – pelo menos para alguns.
Não sei porque continuo a surpreender-me com o facto de passarmos a vida a discutir as mesmas coisas e não se ver frutos reais dessas discussões. Estamos, sempre, a voltar ao ponto de partida discursivo. A nação merece mais acção e menos retórica para entreter o povo com mera novação de ideias.

Segue, a titulo de exemplo, artigo que publiquei no Liberal on line em a 23 de Outubro de 2006.
  • REGIONALIZAÇÃO OU GESTÃO RACIONAL DO ESTADO?

O Governo anuncia a sua intenção de proceder à uma nova divisão administrativa país, propondo «ilhas-regiões» como forma de resolver o problema da «ausência» do Governo em parte substancial do país. A intenção, por si mesma, é boa, nem que seja porque consubstancia uma mea culpa do Governo ao admitir a sua – manifesta – ausência governativa na maioria do território nacional que, por via disso, prejudica o desenvolvimento harmonioso do país.

Admite o executivo, como «órgão superior da Administração Pública» (Artº.184º. CRCV), a sua falência nessa matéria; o que, na verdade, é de aplaudir tendo em conta a vontade manifestada de colmatar essa omissão. E não consigo deixar de invocar a memória de Juvenal que bem dizia que «O primeiro castigo do culpado consiste em que nem ele mesmo se absolveria, se se julgasse ante o seu próprio tribunal» (Juvenal, Sátiras, XIII.2).

Mas, auto censuras à parte, se o problema que quer resolver é o da ausência e do consequente entrave ao desenvolvimento que isso representa, o remédio político-administrativo elegido é, claramente, desadequado; pois uma coisa é a questão da «Regionalização», outra a ausência do Governo ou poder central nas ilhas – junto dos administrados. Este problema resolve-se com a descentralização de serviços e a desconcentração de competências e poderes administrativos no Governo e não com o estender desses poderes centralizadores às «ilhas-regiões» entendidos como extensões do Governo.

Uma coisa é a Regionalização – que implica um poder político regional autónomo e classicamente legitimado pelas pessoas residentes nessas regiões, e que não pode emergir da vontade do Governo mas da Assembleia Nacional (a Constituição, ainda que seja omissa sobre regiões político-administrativas, admite, em leitura clara, a sua criação (Artº.277º. CRCV) – e outra é a descentralização e a desconcentração de poderes que podem ser feitas sem recurso à uma reconfiguração da divisão política e administrativa do país, nomeadamente com a Regionalização que pode ter as suas virtualidades mas não é uma necessidade do país nem dos cidadãos.

O que está em causa, na verdade, é a gestão racional dos meios que o Estado de Cabo Verde tem ao seu dispor e como, efectivamente, os distribui; não é a «forma» como o país está dividido. E, neste sentido, a ideia de criar-se «estruturas de coordenação» em cada ilha não é, de facto, uma ideia descentralizadora; pelo contrário – é levar às ilhas, ainda que de forma mediata, o centro do poder governamental. Descentralizar implicar distribuir, retirar do centro de um dado facto, cometer a outrem poderes e/ou competências, e isso não parece resultar das ideias iniciais do executivo governamental.

Assim como parece resultar das palavras de Ulisses Correia e Silva, que o MpD está disposto a considerar a Regionalização como forma de (re)organização do país que, deste modo, passaria a ser um «Estado Regional» com um poder (a) Central, um poder (b) Regional e um poder (c) Local. Mas não me parece que essa seja a melhor solução para o país; ainda que, em termos teóricos, a regionalização seja a forma politica-administrativa de gerir a coisa pública que maiores poderes recebe do Estado central e, consequentemente, realiza em maior extensão a descentralização.
Mas do que falamos? De «Regionalização» como fim ou como meio de bem-estar do país e do seu desenvolvimento? Se é, como deve ser!, enquanto meio, a verdade é que é desnecessária; quer por existirem outros mecanismos, quer porque iria, certamente, ter o efeito «boomerang» quanto ao que o Governo pretende evitar ou solucionar.

O país não pode, nem deve, desperdiçar recursos materiais e humanos; é La paliciano esta afirmação. Se se quer fazer uma verdadeira descentralização e desconcentração de poderes, porque não o fazer com o recurso ao reforço e alargamento das estruturas locais? Uma reforma administrativa consentânea com a nossa realidade, deve passar pelo fortalecimento do poder local autárquico, com desconcentração de poderes e competências que se encontram na esfera governamental que o bem governar exige que esteja mais próximo das pessoas.
À essa desconcentração deve-se seguir uma descentralização de serviços do Estado – o Provedor de Justiça (que tarda em ser instalado…), v.g., poderia muito bem ficar sedeado noutra ilha que não Santiago; assim como a gestão de serviços básicos para a população pode(riam) ser cometida(s) às autarquias.

O povo das ilhas não precisa da «presença» física do Governo, precisa de um Governo que governe e resolva os seus problemas; que venha ao encontro das suas necessidades e com realismo político, social e económico. A criação de um «coordenador governamental» nas «ilhas regiões» constitui, no plano politico, social e económico uma solução eivada de uma racionalidade que não descortino a utilidade para as populações.

Admito que, no limite e a par do reforço dos poderes e competências das autarquias, se criasse um Governador Civil ou um Ministro da República; mas isso no pressuposto de que o Governo tenha meios financeiros para um empreendimento dessa natureza. Mas isso iria, pela leitura do pensamento governamental, contra a ideia de equidade de administração e de desenvolvimento da ilhas, pois não seria possível ter essas instituições em cada uma das «ilhas-região».

No actual quadro legal e constitucional – e considerando aquilo que será verdadeiramente possível, a solução adequada, seguindo a lógica da «solução do problema», seria a de criar-se «autoridades administrativas independentes» (Artº.236º., nº.3 CRP) sob supervisão do Governo. Estar-se-ia, então, não perante entes com competências políticas mas sim meramente administrativas. Estruturas análogas às denominadas «Lojas do Cidadão» que aproximem a Administração central, isto é o Governo, dos administrados e ligados ao famigerado e-government e às autarquias são soluções simples e com uma utilidade há muito demonstrada.

Claro está que o Governo tem (terá) as suas soluções alicerçadas em estudos sustentados que demonstrarão que a estrutura de «ilha-região» como «a melhor solução» para o país. Por isso mesmo, deverá demonstrar aos cidadãos administrados que esta ideia pioneira – e contra natura em face da estrutura geográfica, demográfica, económica e social do país – tem um sustentáculo técnico bastante.

Deste modo, o temor manifestado pelo MpD na voz de Ulisses Correia e Silva, de que esta reforma putativa venha a ressuscitar figuras não gratas do passado não faria assim sentido, ainda que o perigo, a tentação, sempre exista; afinal, como dizia-me no outro dia um sacerdote amigo, «quem não gosta de maça?...» Neste contexto, o poder local deve ser considerado como parceira privilegiada para aproximar o poder central dos governados; pois no contexto social de cabo Verde estamos a falar de desenvolvimento.

Na verdade, uma reforma administrativa coerente e que considere as especificidades do país exige dos actores políticos um consenso alargado em volta de uma coisa simples: todos devem servir o país e encontrar a melhor solução para o bem estar dos cidadãos. O poder local não é contra poder da Administração central; é poder de proximidade, de gestão imediata da coisa pública e, nesse sentido, os Municípios podem e devem ser potenciados para exercerem essa função pública em particular. Nesse aspecto, podem e devem exercer poderes que são do Governo central, desde que haja o devido enquadramento legal.

É uma questão de racionalidade na gestão de meios, reitero. Não é uma questão de política partidária – de ganho e perda dos partidos; é da ordem do bem-estar de todos os cabo-verdianos. Em rigor e em última análise, não é de reformas administrativas que o povo precisa; o que demanda é eficácia governativa na administração da coisa pública. Sei que os meus concidadãos aí no Tarrafal de Montrigo, Paul, Assomada, Mindelo, Chã das Caldeira, Sal, Praia, Casas Velhas, Nova Sintra e em todos os recantos de Cabo Verde concordarão comigo e anseiam por essa eficácia necessária a repercutir-se no seu dia-a-dia.

Seja como for, a realidade é que o Governo e o MpD parecem estar de acordo quanto à regionalização – como fim ou objectivo, parece… Ora, se estão de acordo quanto ao fim, não vale a pena andarem a perder tempo com discussões; basta chamarem os técnicos competentes e perguntarem: «qual é a melhor forma de fazermos isto?» E ficar à espera da solução…
O problema é que a regionalização não é fim; é meio. E, certamente, não é o meio mais adequado à realidade cabo-verdiana. Como dizia Tagore, reinventando um velho ditado indiano, «devemos entender a perna de acordo com o tamanho do lençol.» E o nosso lençol, na verdade, não dá, pelo menos de momento, para uma Regionalização a sério, como aquela que defende o MpD; e a propugnada pelo Governo parece, à partida, falha de sentido. À partida, pois se os estudos técnicos existentes forem convincentes e existirem meios para os executar…

E como o tempo não é propício e a natureza é redonda, é natural que na Assembleia Nacional se levantem vozes altissonantes e, quais Ciceros contra Catilinas digam: «Oh tempos, oh costumes!»

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