domingo, 2 de março de 2008

~ Vénus Adormecida, Giorgione (1510) ~

  • LÍNGUA MATERNA

    Quando todas as línguas nasceram
    nos pés da Babel edificada por migrante
    expurgado da verdade,
    o seu ventre primeiro
    era negro
    mater de mãe,
    sarcófago de vinho iniciático,
    maldição pós-dilúvio,
    segredos; sim,
    segredos como os que te afrontam
    na hora primeira.

    Negro, sim
    negro era o proto-segundo
    do universo logos parturiente
    e hoje coração-ideia de Deus
    quando sonhava companhia
    e te via,
    me via,
    nos via
    no saco amiótico do seu desejo…

    Negro. Oh, sim…
    Negro eram os rostos
    – por determinação democrática –
    que Agostinho via nas vias de Tagasta
    e como me concebia nas fraldas de Mindelo
    menino pé-descalço por vergonha
    e feliz por não ser diferente.

    Negro – Oh!, como os dias
    são tão plenos de luz
    vítrea, cortante, cega,
    intranquila… – escuta;
    mas fecha os olhos…

    Negro – sim, negro
    é também a cor da minha pele,
    a alma da bainha do meu puro
    adocicado de crepúsculo,
    o teu leito de sins e ais,
    a ausência de desejos nus
    – teus, meus, de Deus
    pois negro é, também,
    o fechar dos olhos
    e o início de ver.

    Oh!, sim – disse-me a Aurora boreal –,
    quando todas as línguas nasceram
    a raíz era negra,
    o ventre era negro,
    o sonho era negro
    e o filho chama-se ver,
    ou será Nimrod?...
    Virgílio Rodrigues Brandão

1 comentário:

Anónimo disse...

Está lindo o poema Brandão!
Força aí!
Abraços!