- O «LA AMISTAD» E O MEMORÁVEL 9 DE MARÇO
Sobre o «La Amistad» escrevi, há dias, um apontamento. Já tinha, a 9 de Novembro de 2007, escrito aqui no blog sobre a saga de Sengbe Pieh (Joseph Cinquez foi o nome dado pelo «dono» espanhol) e os seus 52 companheiros.
Agora, ao comentar um texto, lembrei-me de um facto que passou desapercebido aquando da visita do «La Amistad» a Cabo Verde. Supostamente o que se pretendia era assinalar o fim do comércio internacional de escravos – o que é, histórica e juridicamente um rolo de equívocos.
Primeiro, o comércio de escravos não terminou com a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América – não. E não! Segundo, porque o «La Amistad» não é – nem deveria ser – o ponto histórico de viragem do comércio de escravos para os Estados Unidos, não.
É que, juridicamente, nunca houve comércio – pois as pessoas livres (estarará subjacente a ideia de que os não livres o possam ser, mas não atentemos nisso) não são objecto de negócio jurídico. É um palavreado histórico que tem peso considerável e que deveria ser revisto, pois pode ser historicamente desculpante à luz das luzes da época.
O ponto de viragem na actividade criminosa de rapto de africanos para o continente americano é algo mais palpável: a decisão dos Juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América no caso «United States v. The Amistad», de 9 de Março de 1841.
O Juiz Conselheiro (Senior Justice) Joseph Story foi o relator do acórdão e o Supremo Tribunal, decidindo, considerou que os africanos do «La Amistad» eram “pessoas livres que tinham sido raptadas e transportadas ilegalmente e que nunca tinham sido escravas”. Segundo o Juiz Joseph Story, «[…] it was the ultimate right of all human beings in extreme cases to resist oppression, and to apply force against ruinous injustice," the opinion in this case more narrowly asserted the Africans right to resist "unlawful" slavery.»
Decorria o dia 9 de Março de 1841.
Nessa data o «La Amistad» estava em Cabo Verde, não era? Pois estava: saiu nesse dia do país, de África. Se não me custa a crer que não houvessem verdadeiros cientistas da história a bordo, já me é penoso ter de verificar que no programa da viagem não tenha sido assinalado a data de de Março (o 8 até que ajudava...) e a decisão do Supremo Tribunal dos EUA analisado e discutido pelos académicos, politicos, juristas e homens de cultura do país.
Para isso temos a Universidade! Por isso somos uma terra pejada de muitos e ilustres juristas – o mesmo se diga de homens de História. Para isso temos o Ministério da Cultura! Mas parece que se preferiu o cinema de Spielberg (filme com as naturais imprecisões históricas, mas realista e que revejo também amiúdas vezes – cumpre o seu papel) a atentar na História, a analisar esse acontecimento e documento históricos nas suas várias vertentes…
Penso que, penso que sim… Mas o que fazer? Parece que vivemos numa terra de oportunidades perdidas – mas há de haver uma mea culpa qualquer por aí. O «La Amistad» sair do país no dia 9 de Março não lembraria nem ao Diabo! Bem, não lembra(ria) a quem não sabe aquilatar a importância e a dimensão seminal do 9 de Março para a história da jurisprudência norte-americana e da negritude que que se alastraria até aos nossos dias.
Quero crer que os tripulantes do «La Amistad», pararam – algures na nossa costa – e comemoraram esse dia com a dignidade merecida. Mas isso é só a minha fé natural nas pessoas a pensar que não foi falha da organização e que essas viagens da liberdade não passam de um mero negócio. Uma forma de exploração de afectos, de memórias, de raízes e dores perdidas.
Ah, não me esqueci, não! Verdadeiro herói, face de muitos esquecidos, não é a coisa - é o homem.
Transcrevo aqui excerto de um poema escrito por James Monroe Whitefield, um dos primeiros poetas afro-americanos, e dedicado a Sengbe Pieh (Cinque,1853).
- […]
Thy name shall stand on history’s page
And brighter, brighter, brighter glow
Throughout all time, through every age
Till bosoms cease to fell or know
“Created worth or human woe”
[…]
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