quinta-feira, 3 de julho de 2008

  • EXORTAÇÃO PÚBLICA A UM AMIGO
Meu amigo. Recebi a tua mensagem e percebo a tua angústia matinal; mas é injustificada se atentares no que és e não no que pensa e ou possa pensar a casta anónima, essa massa informe de ideias que te aflige a alma.

Uma pessoa inteligente, quando se deixa levar pelos boatos, rumores, ouvir dizer e quejandos empresta a sua inteligência à ralé da razão, a dita estupidez; isto é, estupidifica-se. E isso acontece de tal forma que acaba por não conseguir distinguir o trigo do joio, o espírito extravia-se e engendra mil caminhos de autodestruição.

Não te estribes no teu próprio conhecimento – aprendi do meu Mestre – mas na razão e na verdade. Mais je hay par sur tout un sçavoir pedantesque (detesto sobre todas as coisas o saber pedantesco), dizia Du Bellay com razão. Pior do que isso, podes estar certo, é o saber emergente do ouvir dizer... Mais, meu amigo, um ser inteligente - e isso és sem dúvida - procura encher o seu espírito de imagens nobres dos outros, não procura fantasmas de e sobre si mesmo mas construir um mundo melhor a partir de si mesmo, do que transporta na alma. Pode não conseguir, mas deve buscar isso como sentido de existência.

Meu amigo, atenta no juízo de Göethe: «quem tem muito dentro de si pouco ou nada precisa do exterior» e sê um pensador de possibilidades, mas das boas, das que constroem e não das que espalham.

Sim, não deves espalhar a tua energia, a tua zoe como se fosse pérola para porcos. E nunca te esqueças, meu amigo, de uma coisa muito importante: quem mexe em chiqueiro não pode esperar ter as vestes limpas. Já não digo ter as mãos limpas, o coração puro e saiba amar – pois isso é um grau separado de exigência ou existência. Sei que me entendes. Se procuras um abismo – coisa legítima e desejada por muitas boas almas –, procura um onde possas entrar e sair como Heimdall.

Ah, meu amigo, as manhãs são para coisas mais belas que dores de alma; como ler os Lusíadas de forma ansiada – para começar o dia de forma verdadeiramente poética.

Amici esse fortunae est. Nunca te esqueças, mesmo considerando a ingratidão e a maldade humana.
.
  • Bob Marley, Smoking

Sem comentários: