segunda-feira, 14 de julho de 2008

  • GRITOS DE SÉFORA

Eli, Eli…
É um grito compartilhado contigo
nazareno de eros
como eu – frutos.

A superfície frontal da mãe-terra
suporta as raias e os fundamentos
do mundo,
diz a margarida landa,
o grito silencioso na noite quente,
tu, na baía reconstruída
pelo chá.

Sabes que Eneias
gritou no funnus dos amigos
nas margens da minha outra mãe
banhada de lua
e crepitar de alma ardente
só para hoje me lembrar de ti?...

Que Calvino sentou em Genebra
uma orta cansada de Origenes,
Valentiniano e um Saulo alexandrino
para retirar uma seiva de sangue
a lavar rosas na assomada
do teu beijo?

E – maldito dia de comissões –
que Longino depois da hora nona
embalou o seu filho adulterino
e deu-lhe um nome semita e redentor
enquanto escutava,
e escutava como tu: Eli, Eli…

Que o segredo de Jefferson –
para contrariar a gramática com a vida –
não era negro, mas negra?

Dizem que era opulenta,
jorrava luz da pele
e manava sardónias na voz
quando sentia nas costas o algodão
que lhe calejou as mãos
nos dias que também gritava: Eli, Eli…

Dizia-lhe o Senhor para redimir-se
(estávamos lá para escutar):
«És uma Séfora dos dias,
filha dilecta e lado esquerdo de Deus
a ver-te
quando ainda sem nome
tua mãe era Mauritânia, Lybia,
Egipto, Numídia e Cartago…»

Sei, isto tudo és tu,
roda dia de ácido desoxirribonucleico,
minha pátria, dádiva mátria
que escutas sem voz o teu ventre antigo
gritar; ali, ali mesmo,
nas tardes intrigo do Sudão…
Lisboa, 13.06.2006

  • Boris Vallejo, Torch

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