terça-feira, 25 de agosto de 2009

  • AS PRESIDENCIAS DE ISAURA GOMES OU COISAS EXTRA ORDINÁRIAS
Há coisas extraordinárias, de todo. A última entrevista de Isaura Gomes ao Expresso das Ilhas de Cabo Verde (que tem coisas deliciosas, que só poderiam vir da edil Mindelense) é uma delas. Atentemos em duas perguntas/respostas.

EXI — Já falámos da candidatura de Carlos Veiga à liderança do MpD. Quem apoia nesta disputa?
ISAURA GOMES — Eu não apoio ninguém, porque eu sou a segunda pessoa da Comissão Política, que tem que aceitar todas as candidaturas. Eu ontem [6 de Agosto] não estive na apresentação do Dr. Carlos Veiga por outros motivos. Mas admito que foi uma surpresa para mim o anúncio dele, não estava mesmo à espera.

Espanta-me que tal anúncio tenha apanhado Isaura Gomes de surpresa, e não foi somente a Presidente da Câmara Municipal do Mindelo e vice-Presidente do MPD a ser apanhada de surpresa… não! O que torna, para mim, o facto ainda mais surpreendente, espantosamente surpreendente. Não se deixar surpreender por uma coisa destas, ser capaz de prevê-la, é, de todo, uma característica fundamental de aferição do perfil do Presidente da República e de uma pessoa que ambiciona a dirigir o MPD (sim, é ambição da edil Mindelense e já o disse – de forma mais ou menos clara e, subliminarmente, vai confirmando isso com as suas acções). E não dizer que se deixou surpreender, também…

Na verdade, bom seria que Isaura Gomes tivesse consciência de que foi a sua Conferência de Imprensa de Abril que projectou a necessidade de Carlos Veiga desistir do seu projecto presidencial (e note-se, é necessário, que o condicionamento moral de Carlos Veiga ao dizer que não se candidataria à primeiro Ministro para depois se candidatar à Presidência da República também se aplica ao Primeiro Ministro José Maria Neves… e isso é coisa de estratega político, de quem vê longe, para além do óbvio). Ao contrário de Isaura Gomes que, em Abril, deixou claro uma coisa: iria se candidatar à liderança do MPD – basta ler o texto da Conferência de Imprensa para se perceber isso. Jorge Santos tem agora o Carlos veiga como candidato ao seu lugar, mas se ele não tivesse avançado, Isaura Gomes teria avançado – esta é uma das "razões" dela não ter aparecido, naturalmente, na apresentação do candidato Carlos Veiga à liderança do MPD.

Ficou à edil Mindelense a candidatura à Presidência da Republica, e aprendeu, rapidamente, que não basta ser o mais inteligente, o mais forte, o mais capaz e ter a razão das coisas para se vencer seja o que for se a estratégia falha. E faleceu competência estratégica à Isaura Gomes no momento em que ela mais precisava dela, e precisava de estar calada sobre esta matéria. Terá, agora e necessariamente, de preparar uma moção à Convenção do MPD, ao lado de Jorge Santos ou sozinha – se a tese da lista única vingar (e Isaura Gomes tem noção disso, por isso prefere um debate aberto e com moções de estratégia discutidas e escrutinadas) – pois há que preparar o futuro que pode ser longo ou não.

Mas alguém terá dúvidas de que Isaura Gomes se colocou na posição de reserva moral e/ou política do MPD, a espera de um deslize do Carlos Veiga, caso a edil venha a falhar o seu projecto presidencial (e, sabiamente, tem percepção de que a escolha do Carlos Veiga neste plano é relativamente clara), para se candidatar a liderança do MPD? Por essa razão, acima de todas as demais, é que não apareceu na apresentação do Carlos Veiga e defende, naturalmente, a democracia interna no presente contexto. E tem razão, no plano dos princípios e da sustentabilidade das suas ambições.

O problema é que o MPD, e todos os seus militantes, têm, terão consciência de duas coisas. (i) Uma derrota do Carlos Veiga na Convenção seria a morte política deste, e o MPD não pode, de momento, dar-se a esse luxo; e, por outro lado, (ii) uma vitória de Carlos Veiga na Convenção do MPD – e não acredito que tenha avançado sem ter contado bem as suas espingardas e ter garantido a sua eleição – só será uma vitória a medida de um projecto de transformação social galvanizadora se for por aclamação da sua liderança; qualquer resultado que não este é-será uma derrota; o que Carlos Veiga e Comissão Politica Nacional do partido sabem.

Mas Carlos Veiga e os militantes do MPD que o apoiam terão de ter cuidado, muito cuidado, para não alcançarem uma vitória de Pirro. A verdade é que, no presente contexto político, Isaura Gomes não tem condições políticas objectivas para se candidatar à Presidência da República; porque no demais está como todos os cidadãos cabo-verdianos – tem o direito de se candidatar. Só que uma coisa é ter-se o direito subjectivo a seja o que for, e outro é poder-se, pelas condições objectivas de situação, exercer o mesmo. O Carlos Veiga, avisado, convoca a unidade do MPD.

Mas Isaura Gomes vai mais longe, na entrevista ao Expresso das Ilhas.

EXI — O nome apontado como possível candidato presidencial do PAICV é o actual primeiro-ministro, José Maria Neves. Como o avalia como eventual adversário?

ISAURA GOMES — Eu respeito todos os adversários. Mas se formos adversários na mesma corrida, farei tudo o que for preciso para ganhar. Ou seja, ele será um alvo a abater (risos).

Tudo, o que será tudo? Na verdade Isaura Gomes deveria estar atenta, pois há quem esteja disposto, há muito tempo, a fazer tudo (mas é tudo mesmo!) para acabar com a carreira política dela; corta-lhe as asas, como ela mesma disse, metaforicamente, na Conferência de Imprensa de Abril (quando manifestou as suas ambições presidenciais e a liderança do MPD). E o perigo vem de dentro, pois se o António Monteiro levar as suas palavras atém ao fim, em caso de se lograr provar as suspeitas de corrupção no Município, ainda teremos eleições intercalares na Câmara Municipal do Mindelo.

Isaura Gomes não é pessoa corrupta, e nem me parece que seja corruptível – e os seus adversários políticos sabem disso; pelo que o alvo não é ela, directamente, mas a Autarquia que ela gere e as pessoas que fazem parte da gestão do Município. As declarações de António Monteiro têm uma dimensão de demarcação de qualquer possível acto de corrupção na Autarquia, e Isaura Gomes deveria, há muito, ter uma posição de claro e inequívoco distanciamento das acusações e seus destinatários. A lealdade política e a amizade têm limites objectivos – principalmente quando se tem as ambições políticas da edil Mindelense. Ademais, o interesse publico e dos cidadãos está para além de tudo o mais. E, neste com momento, o alvo a abater chama-se Isaura Gomes e uma possível queda da Câmara Municipal de S. Vicente por corrupção de qualquer membro do executivo é/será desastroso para as ambições políticas de Isaura.

O jogo político, pelas suas particularidades, começa antes de se entrar em campo, e há muito que Isaura Gomes deveria ter convidado quem é suspeito de corrupção a colocar o lugar à disposição e, assim, salvar o seu executivo e o seu próprio futuro político pois, em última análise, quem responde pela Autarquia é a sua presidência (caso não se venham a provar as acusações públicas feitas ao executivo, estou certo que Isaura Gomes será implacável: assim, como ensina a Bíblia, se deve ser com os perversos). E tudo, tudo é uma coisa demais para ser dita para quem quer ser Presidente da República, árbitro do jogo político. E são coisas destas que, ao contrário do que pensa Isaura Gomes, que a desqualificam para a função de Presidente da República.

Lembro o que Cícero dizia à Catilina, em pleno Senado: em dada altura o Senado encarregou
[1] o Cônsul Lúcio Opimio (de quem Plínio o Velho dá notícia na História Natural e Salústio refere na Guerra de Jugurta) de cuidar da República para que esta não pudesse sofre mais danos do que sofrera até então, mas este, no seu zelo pelo bem público, acabaria por imolar o seu próprio filho (Cícero, Catilinárias, II). Tudo, é demais (o "by any means necessary", de Malcolm X é um minus, um desvalor no plano da ética política) e vitórias píricas são insustentáveis. É que, mesmo quando estão em causa interesses do Estado, existem valores que devem ser preservados; Antígona deixou isso bem claro a Creonte (Sófocles, Antigona, II).

Mas Isaura Gomes pode escolher o caminho mais óbvio e mais fácil: alinhar com Veiga, Santos e Livramento para, quais bombeiros, se prepararem para apagar o fogo doloroso da crise em que o país esta(rá). Mas o país está a precisar de bombeiros? É coisa que o jornalista não perguntou à Presidente da CM de S. Vicente, a que não quer imitar a águia do Mindelo e voar, mas voar mesmo!
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[1] O que os romanos chamavam de Ditadura.

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