domingo, 31 de outubro de 2010

  • VOZES DE ATENTAR
O nosso próximo não é todo o nosso semelhante, mas aquele que vive e sofre mais junto de nós — Azeredo Perdigão (aquando da sua viagem a Cabo Verde em 1965).

Imagem: Holle — Dierick Bouts

[...]

Se és anjo que vem salvar-me
quero prostrado adorar-te!
Mas se não passas d'um sonho...
oh sonho! quero sonhar-te!...
----- Guilherme da Cunha Dantas

Imagem: Di Cavalcanti

sábado, 30 de outubro de 2010


  • EU E O MEU POETA
Estando os problemas de Cabo Verde identificados há décadas, porquê é que não estão resolvidos? — pergunta-me o meu poeta.

Imagem: Porto da Furna, Ilha da Brava (1929)

SESSÃO PLENÁRIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL DE OUTUBRO DE 2010

DECLARAÇÃO POLÍTICA

Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Senhoras e Senhores Deputados
Senhoras e Senhores Mambros do Governo
Excelências,

A Ilha de São Vicente está de luto.

No dia 18 do passado mês de Setembro o Governo através do seu estado maior do Ministério das Infra-Estruturas, que viajou em peso para Mindelo, tal como foi dito no Aeroporto de São Pedro “viemos assistir de perto a demolição da casa, para que não fique nenhuma pedra sequer para contar a história daquele edificio”, matando de uma forma barbara a casa do Dr. Adriano Duarte Silva, como dizia o outro, de morte matada, mas os Deputados da UCID nesta Casa Parlamentar não podem deixar passar em branco o acto de destruição da casa do ilustre caboverdeano que foi o Dr. Adriano Duarte Silva sem lhe dedicar uma palavra de pesar que devia ser em forma de missa do trigésimo dia, mas que por motivos de agenda não foi possível.

Senhoras e Sernhores Deputados

Aproveitamos para lembrar que na reunião que teve lugar no Centro Cultural do Mindelo para apresentação pública do projecto da Delegacia de Saúde de São Vicente, com a presença do Senhor Ministro de Estado e da Saúde, Dr. Basílio Ramos, perante os argumentos daqueles que diziam que a Casa do Dr. Adriano Duarte Silva não era património histórico porque não estava classificado, o Presidente do Instituto de Investigação e do Património Cultural, Dr. Carlos de Carvalho, na presença de mais de duzentas pessoas, foi peremptório, levantou-se da cadeira e disse em alto e bom som, “aquele espaço, para todos os efeitos é património histórico”.

Senhoras e Senhores Sugeitos Parlamentares

O próprio Ministro da Cultura, Dr. Manuel Veiga, terá telefonado para os dirigentes do Movimento e dito “eu, como Ministro da Cultura só tenho que felicitar-vos por esta iniciativa e vou fazer aquilo que estiver dentro das minhas possibilidades para defender esse património”.

Senhoras e Senhores Deputados

Sendo certo que na nossa opinião o Governo agiu mal nessa materia, não é menos certo que a Câmara Municipal também e desde os anos noventa até ao fatídico dia 18 de Setembro, senão vejamos:

Primeiro por terem deixado ao abandono esse património emblemático da Cidade do Mindelo;

Segundo, porque a Câmara Municipal nos anos noventa por falta de visão política não equacionou as necessidades futuras para o municipio e vendeu o espaço ao lodo do Hospital Velho que naturalmente deveria ter sido reservado para a expansão da referida unidade hospitalar, por conseguinte e também o mais indicado para a edificação da tão desejada Delegacia de Saúde de São Vicente a construir de raiz.

Senhoras e Senhores Deputados

É nossa obrigação não deixar morrer a iniciativa do Movimento para a Salvaguarda do Património Cultural de São Vicente, pois é nossa convicção de que é dessa forma que TODOS devemos defender Cabo Verde na sua vertente mais visivel e mais importante que é a sua cultura.

Com a sua iniciativa o Movimento para a Salvaguarda do Património Cultural de São Vicente, prestou um grande serviço à Nação e para o conhecimento de todos convém ainda informar que querendo exercer com mais afinco a cidadania os seus Dirigentes entraram em contacto com os actuais proprietários do terreno que já referimos e localizado entre as traseiras da sede da OMCV e a entrada principal do Hospital Velho e por incrível que pareça os donos, terão dito “para construir uma importante infra-estrutura como é a Delegacia de Saúde, estamos disponíveis para negociar uma permuta com o Governo” que infelizmente não se interessou...

Admitimos que haja pessoas que ainda não tiveram oportunidade de interiorizar a importância do património histórico na vida dos povos, sendo-lhes portanto indeferente que esse espaço tenha sido demolido, pois a demolição foi não só uma monstruosidade, como também demonstrou uma falta de respeito para com as instituições uma vez ignorando a decisão da Assembleia Municipal que deliberou no sentido da sua preservação.

Senhoras e Senhores Deputados

Aproveitamos para informar que no passado mês de Janeiro deu entrada nesta Casa Parlamentar uma petição do referido movimento no sentido de solicitar uma deliberação que pudesse ajudar a defender a preservação desse património histórico, mas lamentam que uma tal petição que foi feita nos termos da Constituição, até porque para além da assessoria juridica do movimento um dos Dirigentes também já foi Deputado desta Casa Parlamentar, mas diziamos nós lamentam não terem sido dignos de uma resposta por mais locónica que fosse.

Assembleia Nacional, 21 de Outubro de 2010

Elaborado pelo Deputado da UCID: Lídio de Silva

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

  • O BUNKER

Dizia Borges, do panteão dos seus anos
sábios: só se devem ler livros com mais de cem anos…
e por vezes mais — acrescento,
eu que persigo os seus olhos há anos,
desde que abri a alma à beleza.

E foi então que vi o Mundo num bunker
e confessei com Rodin: a beleza
é o carácter e a expressão...
Escravizei-me, furei as orelhas.

Mas onde está a expressão da singularidade,
o sorriso de Deus
e a cor do dulcíssimo gemido
que mana da ternura da pele intocável
e funda das horas com a solidão dos oceanos
e das estrelas virgens?
— Virgílio Brandão
-------------, 21-10-2010

VOZES DE ATENTAR

Do solo de Cabo Verde a despeito das crises que de quando em quando nos amarguram brota uma riqueza consoladora — Alexandre de Almeida.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

  • O VALOR DA VIDA E O INPS
As pessoas estão primeiro, ou não?

O menino na imagem, Lucas Guilherme de seu nome, precisa de ser operado com urgência em Portugal. Tem uma doença rara, e o tempo corre, hora a hora, minuto a minuto, contra a sua vida. O Hospital D. Estefânia em Lisboa espera pela sua chegada a Portugal a fim de submetê-lo aos tratamentos necessários. Mas encontra-se retido em Cabo verde, a espera de decisões burocráticas!

O Ministro da Saúde despachou (Refª. 1464/DGRHA/2010) no sentido de ser evacuado para Lisboa, e desde o dia 4 de Outubro que a família espera, com o coração nas mãos, que o INPS dê luz verde para o Lucas viajar em direcção à esperança. E pergunto:

Mas será que essa gente que toma as decisões não tem coração?

Mas será que essa gente que tomas decisões não sabe o que é urgente?

Mas será que essa gente que tomas decisões não sabe o que é sofrer, o que vale a saúde, a vida — em particular a de uma criança que não pode esperar pelo tempo do INPS — de um ser humano e o sofrimento dos que ama e o amam?

Sei que o INPS e os seus responsáveis têm muito que fazer, mas será que o assoberbamento é assim tanto que não pode tirar um pouquinho de tempo para salvar uma vida que não pode ser salva em Cabo Verde?

A vida está acima de tudo! — ou será que não está?

O Lucas não quer ir para nenhum lar luxuoso em Portugal, não! Só quer ter a esperança de curar, que Cabo Verde não lhe pode dar em seu território, de viver, de chegar a ser homem. Será pedir muito, ou as flores da revolução já não são dignas de serem regadas, cuidadas, cultivadas. Penso que sim, o INPS, certamente, também pensa assim; e só prioridades maiores do que a vida do Lucas Guilherme justificarão, de todo, o atraso na decisão de enviar de imediato a Portugal.

Cabo Verde não é somente os milhões que se discute (hoje) na Assembleia Nacional em torno da ELECTRA e da energia em geral! Cabo Verde também é o Lucas Guilherme! Salve-se o Lucas, pois as pessoas são a maior energia do nosso amado país. |

Imagem: Lucas Guilherme

  • ALMEIDA SANTOS NA ASSEMBLEIA NACIONAL. ELOGIO DA POLÍTICA OU DOS CAMARADAS?
Almeida Santos — falando de ética política na Assembleia Nacional de Cabo Verde, fez uma leitura camarada da história — esqueceu 15 anos da história de Cabo Verde… A um homem de Estado como ele não fica bem um posicionamento político tão parcial que chega a desqualificá-lo para fazer um Elogio da Política. Que peões de vários quadrante se sujeitem a escribas e oradores oficiais de um memoricídio cabo-verdiano, até que o entendo, no plano do conatus essendi, mas não de António Almeida Santos que, e sabe-o bem!, tem a plena consciência de que somente em 1992 é que Cabo Verde teve soube o que é a liberdade... e teve um sistema político democrático.

E como é que Almeida Santos qualificaria a LOPE e a Constituição semântica de 1980? A ditadura de Partido único e opressora — sem separação de poderes, liberdade política, de expressão, de imprensa, de reunião e outros direitos fundamentais — instituída pelo PAIGC/PAICV e que durou até 1992 não existiu? (Chamar este período de democrático, de semi-presidencialismo é… analfabetismo político; e Almeida Santos não sofre, de todo e ao menos, de iliteracia política.)

O que o terá levado a tão inusitada afirmação, em plena Assembleia Nacional de um Estado Democrático que sucedeu a um Estado Autoritário? A conclusão — que parece óbvia — deixo-a ao leitor. A história não se prescreve, ó M.I. Almeida Santos! Cabo Verde ainda hoje está em transição para a democracia; e se Almeida Santos fosse um cientista político — o que não é, claramente — sabê-lo-ia (o que não quer dizer que não tenha o dever de o saber).

Um orador pode até receber o que for para proferir uma Conferência, mas não pode, de forma nenhuma, é alinhar na senda de reconstrução forçada da história de um povo; da história de Cabo Verde, ao caso. É que ou me dizem que este vídeo foi manipulado (o que está na moda) — o que não creio e nem posso crer num país anunciado líder em matéria de liberdade de Imprensa — ou Almeida Santos foi a Cabo Verde fazer um jeitinho ao PAICV; e isso, isso não lhe fica nada bem. É que o elogio camarada não é, nunca foi, ciência e muito menos ética política, pelo menos da política como bonum honestum.

A liberdade permite muitas coisas, menos apagar a História de um povo; de um povo que está orgulhoso do seu percurso — como anotou Germano Almeida —, por mais acidental e difícil que tenha e tem sido.

Ai Erasmo! Ai Tomás Morus!

Imagem: António Almeida Santos, ex-Presidente da Assembleia da República Portuguesa












| MEMÓRIAS DE CABO VERDE
 Pioneiros no uso da energia eólica em Cabo Verde (Sal, 1929).

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

  • WIT MINDELENSE
Senhora Ministra, pode rir-se à vontade que fica deliciosa — Deputado Pascoal Santos, esta manhã, durante a discussão de matérias atinentes à Justiça, na Assembleia Nacional de Cabo Verde.

Imagem: Black Flights IV — Luis Royo


  • MEMÓRIAS DE CABO VERDE
A Praça Nova do Mindelo.1928. Um ano antes da Sexta-feira negra, e de outras coisas igualmente menos simpáticas.  Nesta praça, então, andavam — por volta dos anos vinte — Augusto Vera-Cruz, Adriano Duarte Silva, José Lopes, Alberto Atílio Leite, Baltasar Lopes da Silva, António Aurélio Gonçalves… e muitos outros ilustres mindelenses. Meio século depois, andava eu a passear nela, sem ver os montes ao fundo.

Hoje, não se vê o Mar, também…
O progresso — dizem.

Imagem: Praça Nova do Mindelo, São Vicente de Cabo Verde (1928).

domingo, 24 de outubro de 2010

  • VOZES E ATENTAR...
Cabo Verde tem a triste sina das pessoas obscuras Adriano Duarte Silva.

Imagem: Avenida Marginal e Monte da Cara do Infante, Mindelo

  • A LIBERDADE DE SERMOS O QUE SOMOS
É Domingo. Quero ir à Igreja, mas tenho uma miríade de coisas a fazer… mas Deus não deve esperar. Os seus conselhos muito menos.

Existem, diz Isaiah Berlin em Two Concepts of Liberty, "more than two hundred senses of liberty". Mas será que não basta a todos e cada um de nós o respeito por nós mesmos, pela consciência do limite da nossa liberdade perante a liberdade do outro para que toda a liberdade se realize? O Mundo é demasiado curto, a vida demasiado fugaz para se comprar as dores do outro e ter-se insónias de oiro: a bondade não é tolice; perdoar custa tanto como sofrer a indignidade, mas é, ainda assim, o caminho certo. Sim, é o caminho da liberdade de se escolher a liberdade do outro como uma barreira ética voluntária às nossas acções reactivas, legítimas ou não. O problema é que o Mundo é constituído de mudança, e todos podemos transmudar — como alerta Shi Nai An: "Não desprezes a serpente por não ter cornos, pois não sabes se um dia não se tornará num dragão".

As palavras… houve tempo em que eram corajosas; até Humpty-Dumpty reencarnar-se em escribas com o sonho do talento que só se vêm no subterrâneo do medo de não serem o Mestre-de-cerimónias das palavras que querem belas à patada: a omnibeleza da Rainha de Lewis Carroll. Malesherbes aprendeu-a de Luís XVI, quando o monarca escreveu-lhe uma carta dando-lhe conta que Turgot deveria ser afastado do poder por uma razão fundamental: o seu Ministro «pecava no bem que pensava fazer; pois não se pode obrigar um povo a ser feliz contra a sua vontade», sentenciou o Rei (o liberalismo de Turgot era, então, extemporâneo).

Se não somos felizes; não formos capazes de o ser por indignidade de alma, ambição desmedida, má fortuna ou porque temos um objecto de ódio que amamos por estar além de nós e que só destruindo-o poderemos almejar alcançar a satisfação da sua luz, chegar à penha da sua alma… o que fazer? — perguntar-me-á. Olhai para a serpente e sê sábio: deixai cair a capa da aristocracia bruta, da sine nobilitas do verbo e deixai entrar o Rei da glória: a beleza de ser belo no tempo próprio. Vem aí a mudança, o nascimento de um novo tempo! — clamam miríades de almas. Sempre foi assim, desde o início dos tempos deste confim do Universo: o solstício afasta-nos do eixo da nossa mãe prima, e fende-nos a nos mesmos… pedindo mudança. A grandeza é o ponto mais alto do início da queda; todos o sabem: de Chandragupta aos Ptolomeus de grandes sonhos; de Péricles a Luís XVI e Churchill vitoriosos e traídos pela demos ingrata que até no despertar adormece.

Se a asserção do prudentíssimo Paulo é verdadeira: libertas inaestimabilis res est, então só é possível ser-se grande em qualquer coisa quando estimamos a liberdade do outro escolher o que pode e quer ser, inclusive o anseio de ser melhores do que nós somos — se é que chegamos para ser referência de seja o que for — ou poderemos um dia vir a ser. Mas se não somos capazes disso, deveríamos fazer das tripas coração, renunciar a tudo e ajudar o outro a ser melhor do que é ou pensa que é. Difícil, dirá. Prefere o caminho largo, sem pedras pontiagudas — das que lança das ameias do seu castelo de ética de plasticina — para afinar o talento gravado? Que seja! Esta é a maior das liberdades individuais: sermos o que somos e não o que podemos ser, sendo que podemos ser melhores do somos. O ser humano veio ao mundo para deixá-lo melhor do que o encontrou; e só o pode fazer sendo aquilo que pode ser: uma pessoa humana. O respeito pela liberdade do outro é uma forma de ouvirmos a voz de Deus — digo ao meu poeta.

Imagem: Frey Bartolomeu de las Casas

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

  • 1888

Era menino.
Não sabia nada, como hoje nada sei
do que é a inocência dos inocentes como eu.

E tudo se resume à uma memória
virgem, canora...

Era menino.
Sempre que visitava 1888
ia fascinado visitar a campa de nha Marquinha.
Era bela,
e é mais que certo que teve um funnus imperial
com Pacuvius Armorum
e os cantadores de Djosa carpindo
nas ruas do meu berço um amor não seu.

Oh, céus! Como seriam belos os seus beijos
e os sonhos dos que a amavam…

É que os sonhos devem estar limpos,
limpos e puros
como os beijos da mãe
que deixa saudades de mármore
e depois morre nas costas zéfiras do tempo
pois passado o gene só o génio é eterno.
-------- 20-10-2010
Virgílio Brandão

Imagem: Desenho do Coração — Leonardo da Vinci

  • VOZES DE ATENTAR…
Numa viagem, um homem deve andar com um companheiro que tenha a mente igual ou superior a sua. É melhor viajar sozinho que em companhia de um tolo — Siddhartha Gautama.

  • A CULTURA DA FILI RESPRIVADA

Essa do Presidente da República, Pedro Pires, nomear a irmã — Edeltrudes Rodrigues Pires Neves — para o Conselho da República não lembra nem ao Diabo! Mas também não lembraria a Iblis que o Primeiro-Ministro nomeasse o irmão para gerir uma das maiores empresas do país, e que em vez de a salvar coloca-lhe uma pedra ao pescoço para o afogar na laginha; nem que o Ministro das Infra-estruturas, Transportes e Telecomunicações, Manuel Inocêncio Sousa, tivesse o filho à testa de uma das maiores empresas da área que tutela; ou que o filho do José Brito, Ministro dos Negócios Estrangeiros, ganhasse o concurso para dirigir o Millenium Challenge Account em Cabo Verde… Ah, não me convidem para concursos tabelados. Não! Em terras com democracias consolidadas dão-se nomes a estas coisas, e existem consequências jurídicas e politicas paras os mesmos. Mas em Cabo Verde não! É tudo sab p’kagá… Cabo Verde é uma terra macaronésica! Sim, para isso… o que ninguém vê nem quer ver.

Ah, e eu não vejo e ne, descotino a razão do Administrador da ELECTRA continuar de pedra e cal na instituição que, claramene, não cumpre com a sua função. Alguém sabe? É que parece ter a função indexada ao cargo do Primeiro Ministro… do país exemplar da África da estrela negra pan-africana (que o Primeiro Ministro José Maria Neves ou não sabe ou finge que não saber o que significa…) de que somos os melhores alunos. Bem tem razão Carlos Veiga — que tem afinado o discurso, em particular no sector da Justiça — ao dizer que o termo de comparação deve ser outro. É que não vivemos numa res privada dos melhores filhos e seus filhos, não! Vivemos numa Respublica!

Imagem: Dali — Salvador Dali

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

  • ORFÉU LXIV

Oh! levantam-se os céus do sono
pois dói-me não ter asas,
as asas da Fénix que geraste dentro de mim.

Escuta: no orvalho
está todo o meu canto,
a rosa da esquina da tarde tardia,
o meu Porto Grande dos dias da fome.

Lídimo amor, sombra que sustenta
o meu cansaço mais fundo
levanta a mão da tua voz e vem buscar-me
das tuas memórias
enquanto acordo os sonhos
e lavo-lhes a alma com lágrimas.
------ Virgílio Brandão
Lisboa, 17-10-2010

Imagem: Solidità della nebbia — Russolo (1912)

domingo, 17 de outubro de 2010

  • ZEN MOMENT
I was working on a book... and a poem, like a dawn dove, visited me! And a couple of birds are singing for me at the window…

  • A MÁ FÉ, A ILICITUDE DO ESTADO E A DESTRUIÇÃO DA CASA ADRIANA
A demolição da Casa Adriana, além de ser um horrendo atentado à memória e à cultura cabo-verdiana — revela o que já se sabia há muito: os poderes públicos sofrem de um laxismo atávico no que às coisas da cultura se refere —, tem contornos no plano jurídico que não devem passar em claro, que não se devem ignorar e demandam, necessariamente, uma explicação ao povo cabo-verdiano, em particular aos mindelenses e demais habitantes de S. Vicente.

A casa que foi de Adriano Duarte Silva, hoje prédio derrubado, era propriedade da Câmara Municipal ou do Governo? É algo que muitos perguntarão, e quererão saber; legitimamente. Há meses, quando o Movimento de Defesa da Casa Adriana se movimentava para agir judicialmente no sentido de preservar o imóvel, pedi a Certidão de teor da mesma a fim de confirmar a titularidade da propriedade em causa. As razões não são agora chamáveis à colação, mas a verdade é que o documento nunca chegou à minha posse, e penso que também não chegou à da mandatária do Movimento no Mindelo e a de um Deputado da Nação que mostrou interesse na matéria e solicitou, também, o documento registral.

A titularidade formal da Casa Adriana, que se prova pela respectiva inscrição na Conservatória respectiva, parecia ser ou (i) questão controvertida entre as Administrações Central e Local do Estado ou (ii) então se admitia a validade erga omnes de um negócio verbal entre o Município de S. Vicente e o Governo e que não teria, então, sido concretizada por mora no cumprimento por parte da Administração Central. É uma questão que deve ser esclarecida aos cidadãos, pois a questão da titularidade — a identificação do proprietário do imóvel — é uma questão de enorme importância nesta matéria; assim como o esclarecimento de todos os contornos do negócio entre o Município e o Governo sobre a casa que foi de Adriano Duarte Silva (esta última parte deverá ser esclarecida por quem nela participou, e o dossier da mesma existe; existirá, digo…). O que se torna um imperativo moral numa época em que uns e outros se acusam mutuamente de envolvimento em acções obscuras, ilícitas e ilegais em torno de propriedade alheia, nomeadamente da usurpação e venda de propriedade pertencente a outrem. A Casa Adriana, também ela, está neste rol de ilicitudes que precisa de ser deslindado!

O Movimento de Defesa da Casa Adriana queria propor uma Acção Popular com vista a salvaguardar o património arquitectónico, cultural e memorial representado no edifício, mas não era possível propor-se a acção porque, na perspectiva de muitos que não a minha, note-se! “não havia legislação” ordinária que desse cumprimento à Constituição; como continua a não haver, por omissão do poder legislativo, i.e., dos deputados da nação! Estes são, neste termos e de forma mediata, culpados por omissão ao não terem aprovado o instrumento legislativo que regula o Instituto jurídico que a Constituição demanda. Quer se queira quer não, os deputados da nação — todos os que, podendo, nada fizeram para cumprir e fazer cumprir com a Constituição — são responsáveis morais desta desgraça sofrida pelo povo mindelense e por terem caucionado por omissão a acção do Governo.

E tivessem os demais companheiros do Movimento de Defesa da Casa Adriana avançado com a Acção Popular, deixando a questão da interpretação da Constituição para os tribunais e não andassem a fazer juízos ex ante ou de prognose sobre as possibilidades ou não da procedência da Acção Popular (o que se fez porque, parece-me, não se ter vislumbrado devidamente a natureza do instituto em si), e hoje teríamos, nós cidadãos, fundamentos sobejos para propor uma Acção de Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos Contra o Estado e a possibilidade de exigir a reconstrução do edifício derribado; ilicitamente demolido por ordem do Governo, como veremos.

Na verdade, em tal situação jurídica processual (mesmo admitindo que o competente Juiz de Direito em S. Vicente entendesse que “a falta de legislação ordinária” impede o exercício de um direito fundamental; o que levaria o processo ao Supremo Tribunal de Justiça e ao STJ/Constitucional em sede de recurso), não creio que, hoje, estivéssemos perante o facto consumado da demolição: o Governo nunca avançaria para a demolição de um edifício sujeito a juízo, e em litígio jurisdicional; em particular por ter consciência de que agia contra o Direito. Ter-se-ia, então, tempo para se encontrar soluções alternativas — nomeadamente pela via negocial, que se tornaria, então, necessária para todas as partes interessadas; isto é, o Governo, o Município e os cidadãos incidentalmente encarnados no Movimento de Defesa da Casa Adriana. Pareceu-me, a data, que tal era uma evidência. Mas não era; assim como outras coisas — v.g., negociar com o Governo — não o eram para muitos… Dizia-me José Lopes, a propósito desta questão, que perdemos [i.e., o Movimento de Defesa da Casa Adriana] um encontro com a história ao não agir no momento devido. E concordo com ele; em parte. Pois o Mestre Lao Tse diz-nos que a sabedoria consiste em agir ou não agir na hora certa e no momento certo (lógica precursora da teoria da causalidade adequada).

Mas o que fazer numa situação em que as circunstâncias conspiram contra os objectivos? O povo, parafraseando Shidhartha Gautama diz que «mais vale só do que mal acompanhado». Mas esta asserção não é vox Dei, não; é uma simplificação excessiva do que diz o Mestre, de forma esclarecedora: «Numa viagem, um homem deve andar com um companheiro que tenha a mente igual ou superior a sua. É melhor viajar sozinho que em companhia de um tolo.» E não foi nem era por mero acaso que alguém chamava aos demais que constituíam o Movimento de Defesa da Casa Adriana de “companheiros”: i.e., via-os como homens bons, bem-intencionados, iguais ou superiores a si mesmo. Companheiros que, segundo Sócrates, nos tornam pessoas melhores ao fim da caminhada; é que de outro modo está-se sempre só na senda necessária — como ensina Shidhartha —, ainda que se tenha uma multidão como companhia. Mas dizia-lhe, prezado leitor, que não era então — há poucos meses — líquido quem era proprietário do imóvel: (i) o Estado Central, i.e., o Governo, ou (ii) o Estado Local, i.e., a Câmara Municipal de S. Vicente. O que é certo é que era e é do Estado! Mas parecia haver algum secretismo em volta do facto, que se compreende agora; pelo menos para quem está habituado a lidar com papéis.

A coisa pública não pode nem deve ser tratada com leveza; e o exemplo da forma como o património do Estado é tratado em Cabo Verde é tudo menos um exemplo de boa governação! Além do conflito do Governo com as Autarquias sobre a titularidade de património do domínio do Estado existem, além desta da Casa Adriana, outras situações que não se pode compreender: O Estado não deve ofertar (como parece ser hábito em Cabo Verde, com as autoridades judiciais a “dormirem na forma”) e/ou destruir património colectivo; pelo contrário: deve preservá-lo, em particular se tiver valor histórico, cultural e afectivo para a comunidade. Neste aspecto o Governo e as Autarquias têm estado mal, muito mal.

Mas, dir-me-á o cidadão que está a ler este texto que o Governo precisa de construir a Delegacia de Saúde do Mindelo, e precisaria ou precisa daquele espaço. É um juízo que faz sentido, mas só em parte… pois o Mundo não é somente parte mas o todo. Compreendo que S. Vicente precise de uma Delegacia de Saúde moderna, funcional e que sirva de forma adequada e digna as necessidades das gentes da Ilha do Monte Cara. É algo cuja construção tarda há muito; é um imperativo social cujo valor e necessidade não estão e não poderão estar em causa. Ninguém questiona isso. É preciso ser-se néscio para não se perceber esta necessidade; e o povo do Mindelo só pode queixar-se da demora na iniciativa da sua construção.

Mas será que o espaço onde está a Casa Adriana é o local mais adequado para tal? Esta é a questão, e tenho as minhas dúvidas de que seja! Mas estas dúvidas são emergentes de um outro aspecto da questão, e é mais ampla: da ideia de Cidade e do modelo de desenvolvimento de S. Vicente, o que fica para momento oportuno. Seja como for, o Estado encontra-se vinculado a determinados procedimentos na formação da sua decisão: as decisões que afectem direitos fundamentais individuais e colectivos não são discricionárias. Mas ainda que se estivesse perante uma decisão discricionária, o que não é o caso!, o Governo — a cabeça da Administração do Estado — teria sempre de fazer a escolha certa, i.e., a escolha mais adequada aos interesses dos cidadãos e do Município!

Ao fazer isso — estando em causa um conflito (i) dos direitos à cultura e à memória histórica e a (ii) edificação de uma estrutura de cuidados de saúde (podemos falar, neste plano, de direito à saúde ou a cuidados de saúde) — o Governo teria de procurar a concordância prática entre eles, tentando realizar ambos os direitos. Não tinha, necessariamente, de haver uma cedência de um destes direitos; até porque não estava nem está em causa uma colisão de direitos mas sim um conflito de direitos que, no âmbito da escolha certa ou da boa decisão, poderia — porque deveria — realizar ambos os direitos. Mas não no mesmo local, pois parece-me, ao contrário do que aventou Corsino Tolentino no programa Voz Global da RTC, que tal não era passível de realizar os fins expectáveis da preservação da Casa Adriana com os de uma Delegacia de Saúde. Não estavam, e nem estão!, em causa “interesses” — como diz Corsino Tolentino —, ainda que interesses legítimos, não: estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos e da comunidade no seu todo (é que existe uma diferença de substância entre interesse legítimo e direito subjectivo fundamental; pelo menos para o Direito Administrativo que enforma esta questão no plano adjectivo).

A lógica compreensiva da situação demandava uma solução objectiva: a concordância prática dos direitos em conflito; o que levaria, necessariamente, à preservação da Casa Adriana. A lógica do juízo de Corsino Tolentino seria inatacável na solução (reforma do edifício para nela se instalar a Delegacia de Saúde) se (i) não existisse nenhuma outra alternativa para se construir o equipamento social de Saúde e (ii) o Estado se visse perante o dever urgente de eleger uma solução. Não era nem é o caso: existiam várias alternativas, e a única urgência do Governo é a proximidade das eleições. Aliás, parece que se entrou na época da urgência orgástica de se fazer tudo o que não se fez nos últimos dez anos… A decisão de demolir não podia ser mais errada: no plano da lógica de decisão política enformada pelos direitos fundamentais, i.e., do Direito enquanto expressão da razão e do espírito do bem da comunidade que se deve procurar na concordância prática dos bens jurídicos fundamentais da mesma. Isto é o mais primário da teoria dos direitos fundamentais e da lógica da decisão política; da escolha certa que demandava uma outra decisão.

E o que faz Governo? Ignorou tudo isso, ostensivamente (o Primeiro Ministro José Maria Neves disse-me no Facebook que a questão foi discutida com a sociedade civil, e que técnicos avaliaram a solução; mas que técnicos, e que pareceres? O Governo, que propala a Administração transparente, deve apresentar os Pareceres técnicos que fundamentaram a decisão; estes devem ser sujeitos ao escrutínio público para se compreender a lógica e a racionalidade da decisão governamental); com a agravante, como se verá, de ser uma demolição ilícita e com consequência políticas consideráveis.

Foi proposto ao Governo — não sei se em tempo ou fora de tempo, o que é irrelevante ao caso e perante os valores em causa — a construção da Delegacia de Saúde em outro local: vários locais alternativos. Mas não! O Governo não quis locais alternativos; e mandou demolir um edifício histórico e com história, sem com isso obter uma mais-valia social e qualificada para os mindelenses. (Caberá a si, prezado leitor, chegar à conclusão do porquê do Governo não querer locais alternativos…) As duas coisas poderiam e deveriam existir, para o bem de todos. E o Governo deu esperanças à sociedade cabo-verdiana de que tal seria possível quando o Ministro da Saúde disse que tinha de ser ali, no local da edificação da Casa Adriana, porque “não havia terrenos no Mindelo” (note-se que limitou tal à cidade e não à Ilha! Onde há terrenos para se oferecer à Marcelo Rebelo de Sousa, Isaltino de Morais e sabe-se lá a quem mais… mas não para uma Delegacia de Saúde!).

Apareceram os terrenos, os locais para se construir a Delegacia de Saúde; e a resposta do Ministro e do Governo foi a demolição surpresa. E só poderia se de surpresa! E porquê? Porque a decisão de demolir, além de ser (i) um acto administrativo inconstitucional no plano compreensivo do respeito devido aos direitos fundamentais dos cidadãos, resulta, também, (ii) ilegal e (iii) eivado de irracionalidade política decisória pois o proprietário da casa que foi de Adriano Duarte Silva não é da Administração Central do Estado mas sim do Município de S. Vicente! Mau grado o registo Nº.332/2 da respectiva matriz predial urbana esteja, ainda, em nome da Fazenda Nacional (por “incumprimento da Direcção Geral do Património do Estado”, segundo a Câmara Municipal de S. Vicente).

Mas o plano legal vai mais longe, como veremos. Antes há que anotar que no plano moral e da ética democrática o Governo falha de forma estrondosa ao criar expectativas legítimas nos cidadãos de que a Casa Adriana não seria destruída caso houvesse lugar alternativo para se construir a Delegacia de Saúde. E os cidadãos — nomeadamente o Movimento de Defesa da Casa Adriana, com a minha expressa desconfiança! — acreditaram no Ministro da Saúde, em particular depois de ser enviado ao Governo uma decisão da Assembleia Municipal de S. Vicente a defender a não destruição do edifício. Tudo indicava, já nessa altura, que a má fé governamental nesta questão era consciente e programada.

As expectativas dos cidadãos foram goradas, e a sua confiança igualmente destruída com a Casa Adriana: o Governo demoliu a confiança dos mindelenses na sua Administração e na sua palavra. Como podem os mindelenses confiar num Governo que não sustenta a confiança depositada na lógica das suas decisões, da palavra dada publicamente e que destrói o património alheio como se fosse seu para nele construir infra-estruturas do Estado? — temos, nós cidadãos, de perguntar.

Mas esta questão da tutela da confiança, e da boa fé subjacente se manifesta num outro momento, e com outros contornos: no negócio em que o imóvel que foi de Adriano Duarte Silva passaria da esfera jurídica da Administração Central para a Administração Local, i.e., por troca [permuta] com terrenos urbanos do Município de S. Vicente, onde, nomeadamente, se edificou o actual Tribunal Judicial de S. Vicente. A propriedade é, neste caso, da Câmara Municipal de S. Vicente — ainda que o contrato não tenha sido formalmente celebrado e registado (por incumprimento da Direcção Geral do Património do Estado, reitera-se). Dir-me-á um jurista atento que tal negócio, a existir, por ter natureza formal, é nulo por inexistência deste requisito formal que, ao que tudo indica, inexiste. E é, será, verdade se se verificar a falta de contrato formal. Mas a nulidade formal de um negócio jurídico não quer dizer que não deva ser cumprido se houver compromisso contratual nesse sentido e for cumprido por uma das partes de boa fé, não é?

A boa fé, o exemplo da pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos) deve começar no Estado, ou não? E se o Município de S. Vicente cumpriu com a sua parte no negócio, não deve(ria) o Governo cumprir, também, com a sua parte? É legítimo e admissível que o Governo faça uma permuta com a Câmara Municipal de S. Vicente, enquanto executivo do Município, e fique com ambos os imóveis? Sim, com o da Câmara Municipal (onde construiu o Tribunal de S. Vicente) e com o formalmente seu (a casa que foi de Adriano Duarte Silva)… Se fosse um particular a agir deste modo: incumprisse com o contratado, usurpasse imóveis alheios, apossasse deles e fizesse-os seus, seria justamente demandado judicialmente e acusado dos crimes de burla!, destruição de bem alheio, e sabe-se lá do que mais. O Estado, nomeadamente o Governo, a Instituição Governo, deve dar o exemplo aos cidadãos…

O que, neste contexto, torna a demolição da casa que foi de Adriano Duarte Silva um acto ilícito do Governo; o que faz o Estado Central incorrer em Responsabilidade Civil por Acto Ilícito por usurpação de bem imóvel alheio — do Município de S. Vicente — e abuso de poder ao mandar demolir o imóvel e colocar o Município perante o facto consumado. Isso para, posteriormente, invocar a Acessão Industrial Imobiliária ou negociar com a Câmara Municipal uma solução qualquer de circunstância conjuntural propondo ao Município uma indemnização qualquer por destruição de bem alheio, passando a questão à margem da cidadania e dos tribunais competentes. É a lógica do dono da bola ou do dono da faca e do queijo que, convenhamos, não tem nem pode ter lugar num Estado de Direito Democrático. O Município não pode aceitar esta lógica autoritária e abusiva que vai para além do exercício inadmissível de um direito mas consubstancia um verdadeiro abuso do Direito.

Neste plano, o Município tem o direito — e o dever!, do meu ponto de vista — de exigir judicialmente a reconstrução integral da casa que foi de Adriano Duarte Silva. O governo que construa a Delegacia de saúde noutro local! Neste caso, o Município deveria ponderar a afectação do edifício à cultura e actividades cívicas que sirvam como testemunho futuro da resiliência da cidadania perante o abuso do poder e o arbítrio dos governantes. E, porque não?, ponderar a possibilidade de disponibilizar o imóvel reconstruído para a instalação da futura sede do Provedor de Justiça que tanta falta faz ao povo de Cabo Verde em situações de violação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ademais, é tempo de começar a haver instituições fundamentais da República noutras ilhas que não na Capital. A descentralização deve ser um facto e não mera retórica governamental.

O Governo, ao agir como agiu, violou as regras da boa fé negocial; violando princípio básicos como a boa fé e a Justiça: não cumpriu com o contratado (pacta sunt servanda), não o seu ao seu dono (suum cuique tribuere) e prejudicou material e moralmente o Município e os seus munícipes (alterum non laedere). E quem prejudica, deve reparar o mal causado. E a situação em causa tem contornos dolosos: O Governo tinha consciência, não poderia deixar de ter, de que a casa que foi de Adriano Duarte Silva, ao se apossar dela e proceder à sua destruição, não lhe pertencia, que violava um contrato, ofendia um bem jurídico de outrem e prejudicava o Município no plano patrimonial, social e político.

Imagine o cidadão que a casa de que foi de Adriano Duarte Silva era a sua casa e não do Município … Se o Governo faz isso a um Município — e da forma como o fez —, o que não fará ou poderá vir a fazer a um cidadão se não se travar esta forma de agir? Nem as instituições nem os cidadãos devem ficar calados; poderão estes perder comendas, medalhas e outras condecorações para o ego calar-se, mas não deverão a consciência de fazer o que acharem ser o mais justo.

A iniciativa mais adequada está nas mãos dos eleitos à Assembleia Municipal de S. Vicente, na Presidente da Câmara Isaura Gomes, e do Ministério Público; este tem o particular dever de agir e abrir o Inquérito judicial devido para se investigar as responsabilidades devidas e a sua natureza. Aos Senhores deputados da nação, peço quatro coisas:

(i) que tomem a iniciativa de abrir um Inquérito Parlamentar sobre esta questão, pois está em causa, também, a independência dos Municípios perante o Estado Central (e, a final, tomem a decisão de aconselhar a revisão da legislação dos contratos entre os entes públicos, e a transparência dos mesmos);

(ii) que aprovem com urgência a Lei sobre a Acção Popular (cuja inexistência trunca a acção da cidadania activa, e viola a constituição ao afectar, por omissão, o conteúdo essencial de um direito e de uma garantia fundamental) e, caso não tenham tempo para tanto, pois podem ter outras leis “mais importantes” com que curar em fim de Legislatura,

(iii) que aprovem a Lei de Iniciativa Legislativa dos Cidadãos que estes se encarregarão de apresentar na Assembleia Nacional um projecto de Lei de Acção Popular;

(iv) que cheguem a um consenso, e instale-se o Provedor de Justiça, o Defensor do Povo (Ah!, como o povo precisa de que o defenda… e pelos vistos não é somente o povo). O povo agradece! É que vilipendiado, sem quem o defenda, e amarrado numa teia de omissões legislativas para não se poder defender… não dá mais! Isto não é um Estado de Direito pleno, não! Não nos enganemos a nós mesmos. «Quem não luta por si não luta por ninguém» — já dizia Francis Bacon.
--- Prima forma: Liberal on line

sábado, 16 de outubro de 2010

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Aung San Suu Kyi...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

  • A ESCUTAR…
Mónica Ferro – Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (i)

"Em Nova Iorque, os países membros das Nações Unidas fazem o balanço do cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. O Europa Entrevista convida Mónica Ferro, da Associação Portuguesa para as Nações Unidas."

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

  • VOZES DE ATENTAR
O que pretendo é que se não volte de novo ao princípio e se recomecem estudos de que nada de positivo venha a resultar. É preciso ter em vista que o que se pretende são obras, e não estudos, e que estes são um meio, e não um fim — Adriano Duarte Silva.

--- Imagem: Adriano Duarte Silva

domingo, 10 de outubro de 2010

  • VOZES DE ATENTAR
O desprezo das realidades gera quase sempre o fracasso. Constitui tarefa difícil e arriscada pretender transformar de um momento para outro a economia de qualquer país. — Adriano Duarte Silva.

Imagem: Prohibited book — Luis Royo

sábado, 9 de outubro de 2010

  • A ORIGEM DA SOLIDÃO

A chuva entra na minha alma,
e canta-me um milhão de desejos;
desejos que só podem ser teus, pois queima-me,
queima-me como a Terra virgem ao nascer no coração do Sol,
o Sol menino do grande grito do Universo
que ao despertar aprendeu o que é ser-se só.
--- Lisboa, 08.10.2010
Virgílio Brandão

Imagem: Tepidarium Lawrence Alma-Tadema

  • JUDGES AND DEMOCRACY
I have to share this: US Supreme Court Justice Stephen Breyer in an outstanding talk with historian Jeff Shesol on the future of the Supreme Court in American democracy, the role of the Institution, its legitimacy as defender of the Constitution and its relations with society, namely the constitutional powers and the public opinion… and his new book Making Democracy Work: A Judges View. The next book I will buy and read...  

Image: Justice Stephen Breyer & historian Jeff Shesol

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MEMÓRIAS DE UM POVO INGRATO

«Se a Mãe Pátria, em vez de alargar os direitos dos naturais das Colónias, os restringe e anula, como poderá ela esperar que os mesmos lhe correspondam com dedicação e patriotismo, se são tratados como enteados e não como filhos? O exclusivismo racista leva os povos à ruína e à morte!
.
Temos que concordar que, para um país que se diz adepto da política de assimilação, esta progressiva diferenciação entre metropolitanos naturais das Colónias não constitui um índice de grande capacidade civilizadora» — Adriano Duarte Silva no Parlamento português durante o Estado Novo.

| A LUTA PELO PROGRESSO DE CABO VERDE: ADRIANO DUARTE SILVA E AMÍLCAR CABRAL

Ouvi na RCV, no programa Directo ao Ponto,  a posição do Dr. Júlio Correia sobre a demolição da casa que foi de Adriano Duarte Silva no Mindelo… e da sua referência à deposição do busto do mesmo depois da Independência e da sua posterior reposição no local: em frente ao Liceu Gil Eanes, estabelecimento de ensino que o mesmo foi um dos promotores. Por maioria de razão, a casa deste defensor das ilhas de Cabo Verde, nomeadamente do seu desenvolvimento social, económico e humano num período particularmente difícil não deveria ser reconstruída, ainda mais neste tempo de aprendizagem da democracia?

É pena que a nossa gente, nomeadamente a política, não tenha a consciência histórica bastante para perceber que a acção de Adriano Duarte Silva como representante de Cabo Verde no Parlamento português do Estado Novo foi, era e é uma luta análoga àquela que Amílcar Cabral e demais companheiros se lançariam rumo à Independência: «Nós enfrentamos o problema não só da libertação mas também do progresso do nosso povo (Amílcar Cabral, Unidade e Luta, VII). E este progresso é, ainda, o grande desafio de Cabo Verde. E poucos cidadãos — para não dizer nenhum…— fizerem tanto, pela sua acção individual, por Cabo Verde como Adriano Duarte Silva.

Adriano Duarte Silva foi o político precursor da ideia de um Cabo Verde desenvolvido, com estruturas bastantes para o povo das ilhas viver dignamente. E no Liceu do Mindelo, pelo qual Adriano Duarte Silva lutou para S. Vicente, estudou Amílcar Cabral; este que se tornou, para muitos, uma espécie de eucalipto da memória dos homens de bem da história de Cabo Verde. O devir social não acontece por geração espontânea: muitos deixaram as sementes para o progresso de Cabo Verde. Mas parece que as obras que fazem em Cabo Verde, sejam elas o que forem, não tem fundações…

A luta de Amílcar Cabral e a de Adriano Duarte Silva eram a mesma luta: a luta pelo progresso de Cabo Verde! O momento histórico e a matriz politica e social dominante os diferencia, assim como a forma de luta: um usou a arma, outro o trivium e a diplomacia. Sobre os resultados da acção de Adriano Duarte Silva se tem hoje os portos do Mindelo e de S. Antão, e uma geração de homens e mulheres que honram a pátria cabo-verdiana, inclusive Amílcar Cabral. Ironia das ironias seria o Ministro que mandou demolir a casa de tão ilustre e resiliente cabo-verdiano tivesse estudado no Liceu Gil Eanes… que tivesse beneficiado do progresso que Adriano Duarte Silva lutou para Cabo Verde. |

iranian justice...

| O ANCIÃO DOS DIAS

Não tenho muito para dizer;
tenho é muito que escutar em silêncio.
Aprendo com as cotovias que gritar é morrer
nas mãos do predador;
com as águias formo a minha alma
e do seu planar licencio-me na cadeira alimentar
mas o quero ser é a margem do rio,
do rio do Ancião dos Dias, o Kether
que desemboca no deserto levando pedacinhos de mim.

E das serpentes, oh céus! Fere-me a sua paciência
a sua paciência ruminar e plana
que briga com a astúcia da raposa e do lobo,
do lobo das terras sedentas e nuas
das cidades de betão,
o betão dos bárbaros engravatados:
«A gravata é uma arma, uma pele, uma garra
do predador licenciado a escravizar-me,
a comer-me as entranhas…»
— cogita o meu poeta; já aprendeu…

Não tenho muito para dizer;
o rio que me toca traz-me tudo, diz-me tudo
o que não em diz às outras margens que gritam
e leva-me até onde chega com a sua voz.

E o mundo grita, pois falando
ninguém o escuta.
Todos já aprenderam a ordem das coisas:
Se falas, esmiúçam-te a alma;
Se gritas, morres… como o Mundo.

E o mundo há-de desaguar no meu rio.
E eu, as margens do rio sem nome,
perdoarei todos, não oprimirei ninguém;
assim como não oprimo o meu rio e deixo-o passar,
deixo-o passar com pedacinhos de mim.
Pergunta-lhe! Eu respondo…
E sou a voz do Ancião dos Dias.
------ 2-10-2010
Virgílio Brandão

Imagem: O Ancião dos dias, William Blake