segunda-feira, 4 de agosto de 2008

  • AQUI D´EL REY CAVACO SILVA

A Presidência da República portuguesa comunicou no outro dia que o Presidente Cavaco Silva iria interromper as suas férias para falar ao país. Coisa grave se passa – pensou o povo; pensei que pudesse ter a ver com a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto dos Açores – único facto politico relevante dos últimos dias – ou que, depois de ter falado com o Presidente Pedro Pires tivesse resolvido imitá-lo e falar ao povo das dificuldades que passa e das razões das mesmas (ah, e não é que uma estação televisiva ao falar sobre o pronunciamento de Cavaco Silva mostrava o Presidente cabo-verdiano na companhia do português?).

Mas, na verdade, não havia nada de substancialmente importante a dizer – além de que o novo Estatuto da Região Autónoma dos Açores colocava em perigo a institucional do Estado e feria estrutura da separação de poderes, nomeadamente: diminuía a capacidade de intervenção do Presidente da República na possibilidade de dissolução da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

Em termos de substância, no que ao direito constitucional diz respeito, parece-me que lhe assiste, prima facies, alguma razão; agora, a verdade é que o Presidente da República tem deixado passar tantas normas que atentem contra os direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente normas restritivas de direitos, liberdades e garantias e de regressão de direitos sociais de cidadania que, agora, não deveria sentir-se confortável (legitimidade à parte) para falar sobre o que lhe acontece

Sente na pele aquilo que tem sido a sua política: deixar governar sem ondas, pois ainda se está no primeiro mandato. Mas esta foi demais: restringir os seus poderes constitucionais via norma ordinária, ainda que com maioria qualificada da Assembleia República, não. Isso, não! Lembrou-me, de situação, uma célebre frase atribuida a Bertolt Brecht…E toca a deixar Boliqueime!, toca a deixar a praia, água fresca e quejandos ao fim da tarde e falar ao país.

E o povo, que tem vistos os seus direitos, liberdades e garantias diminuídos, fica em «suspense» – como perante um drama eminente – para o ouvir. Coisa, grave acontecia, sim. A grande plateia, qual grande Comício da nação, junta-se em frente da televisão (coisa boa para o share e a venda de publicidade televisiva) à espera, ansiosa, preocupada. E o que ouve o povo? O presidente da República queixar-se de que os seus poderes sofreram uma ameaça de diminuição ou limitação. Sim, o povo ouviu: daqui d´El Rey!

Na verdade o que a norma faz é criar um mecanismo mais complexo no processo de dissolução da Assembleia Legislativa Regional do que no da Assembleia da República; o que, em verdade, pode ser defensável à luz da natureza desse órgão e às especificidades regionais – nomeadamente quem deve ser ouvido no processo de decisão.

Ah, quando é que o povo conseguirá esse milagre de colocar os políticos a ouvi-lo, atentos? Quando tiver consciência que a República é isso mesmo e não a aristodemocracia em que vive de alma castrada, empobrecendo cada vez mais, sobrevivendo e não vivendo enquanto os representantes do povo, os seus representantes, anafam em tudo e, ainda, se sentem acima dos demais cidadãos.

A República engordou, mostra-se bela e parece culta, mas está nua; muito nua.

  • Reclining nude with book, Botero

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