- O ÚLTIMO DIA DE ALEXANDER SOLJENITZYNE
Acabei de ouvir que Alexander Soljenitzyne morreu. Solitário, fez a sua última viagem.
A primeira vez que ouvi falar dele – num contexto de apologia de uma sociedade em transição para o socialismo – era um escritor «maldito» mesmo sendo um Nobel da literatura. Li, então, «One day in the life of Ivan de Ivan Deníssovitch». Fiquei, então, impressionado com a obra – pelo realismo e humanismo que se verificava não somente na denúncia expressa dos abusos do poder político e do sistema judicial da então URSS mas, também e essencialmente, por injectar um capital de esperança na sociedade soviética de então e em todos os que sofriam e sofrem.
One day in the life of Ivan de Ivan Deníssovitch é uma obra que me impressionou, não somente pela narração em si, mas pela memória de uma cultura humanista que transportava e que se inseria na tradição de grandes obras e escritores e que de repente, passam de modo plástico pela minha alma: O último dia de um condenado, de Victor Hugo; A morte de Ivan Ilich, de Tolstoi e que se encontra laivos em The Shoes of the Fisherman de Morris West, obra esta que dificilmente existiria sem Soljenitzyne.
Mas, além da sua obra como escritor tout court, o que ficará na minha memória é o facto de Alexander Soljenitzyne ter sido um resiliente que fez da pena uma arma, uma arma de denúncia dos campos de concentração da URRS que muitos dos seus “aliados” da II Guerra Mundial ignoravam. Mas foi, também, um incómodo moral para o ocidente que via na sua deserção uma arma contra o comunismo; mas a sua arma, a pena, não era de Capital – nem o de Marx nem o do capitalismo.
Morreu quase esquecido pela geração da tecnologia, orgulhosamente ateia, sem esperança além do umbigo. Como perdemos tanta coisa com a falta de memória… Alexandre Soljenitzyne passou pela minha vida, era quase menino e em profunda metamorfose, e não mais esqueci que há sempre pessoas com dias mais difíceis que os meus, sejam Ivan Deníssovitch ou Alexander Soljenitzyne.
O último dia chegou com a forma de uma falha de coração; como poderia ser senão assim? Que Caronte encontre moedas de ouro nos teus olhos, Alexander Soljenitzyne.
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