quinta-feira, 25 de setembro de 2008

  • ODE DE ALMA-LONGE
Rastejante nas horas, chega
a lua das flores em verbo frio;
pensa que felicidade tem borda,
tem mar e tu, oriente nado fecundado
pela lonjura da madrugada
na confissão dos nossos sonhos ratos.

Sim, não há estrela com hora esteada
nem mosaico aos olhos que não seja
marca tua, sorriso teu, voz nossa
à espera de junção que arraste a eternidade
até os nós do desejo parido sem dor
nas romagens nocturnas e nas esperas.
– Oh, diabo-silêncio!, acorda...

Está pura; limpa, a minha alma
está em ti – às margens do abismo de luz:
solidão de prata hispânica de manhã,
solidão carmim com a tarde infecunda,
solidão de folha de oiro fino em cálice,
solidão da montanha nua, degenerado númen
em dor desejado longe...

D. Sebastião negrou nas margens do teu corpo
– disse-me Ibn Al Arabi na estrada do prémio.
O meu, ó amada minha, herdeira do deserto,
é o teu amor, o nosso fecundo amor dragoeiro.

Côdeas das cearas purgas colho
dos teus beijos em rodízio silêncio
e transporto o peso do Mundo – esse
que ainda não nasceu do verbo
subterrâneo que curas no teu ventre
e que baliza as tuas horas rastejantes.

Catão – o Jovem chegou à Útica, hoje,
agarrou a sua autoridade militar em furor-razão
e com um plumbeado olhar de porcelana itálica
enfrenta um silêncio menor que o meu
– sim, o meu silêncio, o das tuas raízes natas,
dos teus filhos pardos, é o de Prometheu:
Bia és tu, sim, em todas as auroras mirra...

Mjölnir é reforjado em ti, sabemos; sim.
Não há tempestade que te afronte,
nem marca-meninge do Sol do meio dia
que, aguilhão, teus Hórus acicatem
Ego sum Joseph, frater vester,
quem vendistis in Aegiptum
, escuto...

Terra-longe nunca chega, é longe
finisterra... é aqui, farinha d´pau de alma,
Dona Dulcineia del Toboso despida na Praça Nova
ao fim das tardes carmim da corça abrupta
a cingir-me o peito do beijo-destino.

Ah, a hora órfã destila e fecha-se ao crepúsculo
das flores de Maio em débil e silente martírio
de quinhentas mil rosas presas às mamas
cavalgadas por Europa, opulenta, tumular
e resgatada de séculos em botão de bruma...

E os bardos, ó amada minha, flamejam
o teu ventre sob os arcos da rua nona do Capitólio
– cantam as Sabinas, esquecem Lucrécia, Titina Silá
e de levantar o braço-clamor e progenitor. Sim, alma-longe
nunca chega a horas – enquanto testas aos teus filhos.

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  • Death of Cato at Utica, Laurens

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