segunda-feira, 8 de setembro de 2008

  • FRADIQUE DE MENEZES OU DE GAULLE SANTOMENSE?

O Presidente da República de S. Tomé e Príncipe surpreende tudo e todos ao dizer que o seu primeiro mandato foi negativo por causa do sistema político semi-presidencialista e dos sucessivos governos, isto é, pensa-se um homem previdência que os outros actores políticos não deixam governar.

Talvez tenha razão, ou não. Não tem razão porque o que é certo é que Constituição «não está errada», a sua visão do seu papel como Presidente da República é que está desadequado ao quadro do sistema político em que foi eleito. E pode ter alguma razão sistémica e/ou de razão prática, pois o que é certo é que as constituições dos Estados africanos de língua portuguesa – na sua maioria feitas por juristas portugueses com uma visão paternalista da capacidade política dos ex-colonizados, desadequada às realidades dos países em causa e, de uma forma mais ou menos clara, espelhando (com cedências absurdas à lógica marxista de muitos desses países) o sistema político que emergiu na antiga potencia colonial depois da revolução de Abril de 1974.

O sistema político-constitucional de S. Tomé e Príncipe em si não é um sistema semi-presidencialista puro ou à imagem da sua matriz originária, mas sim de uma matriz imperfeita. O que Fradique de Menezes quer(erá) (parece não saber, mas é o que quer; pois a tendências presidencialista em África têm desembocado em ditaduras) é o mesmo que o general de Gaulle exigiu e que acabou com a aprovação da Constituição da V República de 1958 – uma Constituição semi-presidencialista por excelência que tem poderes presidenciais, visto fora do contexto federal, ainda maiores que os dos sistemas Presidencialistas norte-americano e/ou brasileiro.

Nesse sistema, o Presidente da República é chefe de Estado e chefe de Governo; o Primeiro Ministro não é um primus inter pares como nos sistemas parlamentares ou semi-presidencialista imperfeitos mas sim o titular de nomem e que responde perante o verdadeiro chefe do governo. É o que quer ou pretendo o Presidente de S. Tomé e Príncipe, imagino. Desejar o sistema presidencialista tout court é, claramente, pretender diminuir o poder do Parlamento e a sua capacidade de fiscalização política.

O sistema presidencialista funciona nos Estados Unidos por razões de sedimentação histórica e política – nomeadamente da sua estrutura federal, da mesma razão que funciona no Brasil como factor de união e de referência da nações e dos Estados federais. Estes dois países seriam ingovernáveis com um sistema semi-presidencialista imperfeito que tende, salvo maiorias absolutas (a Constituição política de Cabo Verde tem uma «invenções» negativas neste aspecto), a exigir consensos parlamentares que nem sempre são fáceis de conseguir.

A dimensão de S. Tomé e Príncipe não aconselha um sistema presidencialista, mas suportaria – e seria aconselhável até – um sistema semi-presidencialista de matriz francesa (com uma eventual maior autonomia política e administrativa do Príncipe) e que acabaria com o alijamento de culpas de qualquer executivo.

Será necessário um referendo para resolver a questão? Os partidos políticos não parecem estar de acordo sobre isso e o Presidente Fradique de Menezes procura no povo uma vaga de fundo para legitimar a sua imagem de homem previdência e conseguir o que deseja: deixar de ser arbitro e passar a ser jogador, isto é – governar como desejar.

Mas, como saberá, a Constituição do seu país não permite o referendo sobre matérias de revisão constitucional que são da competência da Assembleia Nacional (Artº.71º., nº.3 e Artº.97º., a) da CRSTP) e constituir um limite material da revisão constitucional (Artigo 154.º, f) da CRSTP). O que, é claro, trava o sistema presidencialista que exigiria uma confusão clara dos poderes executivo e legislativo e uma não separação clara desses órgãos de soberania.

O sistema semi-presidencialista – que em rigor e em dados momentos não revela essa distinção – tem esta mesma fragilidade mas tem muitas mais virtudes. O país pode migrar, em termos políticos, para a matriz do seu sistema e com ganhos consideráveis. Para isso não precisará de recorrer à uma alteração tão profunda do sistema político e da forma de governo – bastará interiorizar a matriz do sistema existente. Bem, existem alguns constrangimentos constitucionais (ultrapassáveis), mas tais emergem da natureza da Constituição do país ter sido feita um pouco por «minuta» e «a atacado».

Agora, o que teria de existir seria um mandato único – pois os actuais fazem dos presidentes gestores dos seus mandatos e não dos interesses das nações – como acontece actualmente em França, pois tanto poder para um homem só é demasiado perigoso. É que, como dizia Charles de Secondat, «o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente». E o que Fradique de Menezes, Presidente da República de S. Tomé e Príncipe, pretende é fundar uma nova República, com uma Constituição política em que deixe de ser arbitro mas jogador.

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