quarta-feira, 24 de setembro de 2008

  • SETEMBRO

    in memoriam de António Pedro Costa, precursor e caboverdiano bissexto

Inútil face ao verde
eis-me aqui perscrutando
a acácia
a ora-porra
o djiguilangui
o nhara-sakedu
(o corropio da memória
pela escura pele de Nhara
alevantando-se com as ravinas dos engenhos
e calcorreando a turva e indómita cal
da adversidade colada às rusgas da morte
e às veredas do vertical parentesco
aos pés descalços do martírio)

Atónito face ao verde
eis-me aqui observando
o spinhu-katxupa
o spinhu-pretu
o spinhu-branku
(ah! os vários espinhos
cobrindo a cabeça de adão
como cristo crucificado em plena ilha )
entretecendo de longe
o (di)vagar dos homens
entre a estrada e o atalho
entre o ovo e a verde gema
da conspurcação do medo

Obcecado face ao verde
eis-me aqui acarinhando
a bordolega
(legado de fome e finura
do cadáver ilhéu
das contendas das estações)
a seta
a pega-saia
(que nos pregam o estômago
ao verde vómito do louco deus
dos nossos céus)
a tossa
(a tosse vegetal
ondulando ao vento)

Ora, porra, é mesmo isso!

Supérfluo em face do verde
imagino o castanho sob a superfície
a fresca cãibra do tempo
da desvairada acácia
os meses enterrados
sob a crosta do tempo das as-águas

Verde acácia

Chuva verde

Risos verdes

Limos verdes

Casas verdes
(sonhos tenros cozinhados
sob a violência da bruma e da poeira)

Basalto negro
na estrada esverdinhada

Basalto negro
aconchegado às espigas do milheiral

É Setembro.
Eis tudo.

José Luis Hopffer Almada

Nota do autor: versão ligeiramente refundida do poema homónimo constante do livro À Sombra do Sol I (co-edição do Movimento Pró-Cultura e das Edições Voz di Povo, Praia, Setembro de 1990)

  • Imagem: Serena Williams
  • Sei que tenho alguns amigos a pensar nos Lusíadas, sei... Mas não foi em Cabo Verde que nasceu a moda de amar, não. Leia-se, bem ou mal; mas leia-se, os Lusíadas! «Ora, porra, é mesmo isso!»

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