domingo, 7 de setembro de 2008

  • ELEIÇÕES ANGOLANAS. A DISCRIMINAÇÃO DA DIÁSPORA

O povo de Angola vai hoje às urnas, pela primeira vez desde 1992. Esta votação para a Assembleia Nacional Popular do país vem na pior altura possível para a UNITA que – depois do projecto de «governo de unidade nacional» e da emergência da UNITA Renovada –, se encontra de tal forma fragilizada que não consegue, com seriedade e credibilidade, posicionar-se como verdadeira alternativa ao MPLA.

A UNITA e a UNITA Renovada também têm culpa na pobreza estrutural que os mais pobres do povo angolano sofrem neste momento, e os dois partidos e o MPLA sabem-no – o povo também. Os líderes da UNITA sucumbiram às «delícias de Cápua» do poder e esqueceram a sua vocação como membros de um partido com vocação para o poder e com responsabilidades para com o povo.

É aqui que o líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, aproveita para fazer duas coisas politicamente bem vistas: a) “apalpar o pulso” do povo para saber as suas reais possibilidades de conseguir um novo mandato presidencial que legitime ex post o passado e b) levar o MPLA à uma possível e provável vitória eleitoral que, além de enfraquecer a UNITA, afasta do poder o seu rival.

Se a UNITA sofrer uma derrota expressiva, a culpa será sua, somente sua. Mas se, por ventura, conseguir sobreviver ao ponto de ter uma representação parlamentar com peso bastante para influenciar a formação do governo, ficará a dever isso ao discernimento popular.

Uma coisa revela-se difícil de entender: como pode o Estado angolano invocar “falta de tempo e de meios” para criar condições para os seus cidadãos na diáspora votarem, se há mais de ano que tem programado estas eleições e o país não tem falta de meios financeiros e humanos? E muito menos neste momento em que existe um superávite da economia angolana – 2008 será o quarto ano consecutivo em tal acontece, com a particularidade de no presente ano os preços do petróleo terem alcançado preços da ordem dos $US 190/barril e no Orçamento de Estado angolano estar previsto o valor $US 56/barril. Basta fazer as contas a razão de um milhão de barris/dia, que é a produção normal do país…

Falar em falta de meios é, no mínimo, uma explicação insustentável; pois elas existem. Cabo Verde, por exemplo, não tem uma ínfima parte dos meios de Angola, mas nem por isso deixa de criar condições para os seus cidadãos exercerem o direito fundamental de escolher os governantes da nação.

Mas a falta de meios não se estende à dada categoria de cidadãos – de um civismo extraordinário, pensa-se – que foram a Angola em 2007 para se inscrever nos cadernos eleitorais e, agora, voltaram somente para votar. Note-se bem: ouvi isso de membros da Associação de Estudantes angolanos em Portugal no programa que se seguiu às notícias (que mostraram uma espécie de orgia de inaugurações feitas por Ministros e pelo Presidente da República, no dia de reflexão…) da Televisão Pública de Angola. Sim, vi – através da TPA internacional - esses cidadãos exemplares que viajaram da diáspora para até Angola, somente para votar.

Sem dúvida, cidadãos privilegiados e patriotas exemplares – gastar tanto, em termos financeiros e de tempo, para poder votar é deveras impressionante; ainda por cima estudantes. Pena é os demais – os que vivem dos magros salários em Portugal e noutras partes do Mundo – não poderem fazer a mesma coisa. Até parece, no que à diáspora diz respeito, que se trata de uma aristodemocracia; dando ecos do que muitos pensam se passar em Angola desde a Independência em 1975.

A verdade é que estas eleições, para uma parte da nação angolana – a diasporizada – trazem uma injustiça em si e uma discriminação que, de acordo com as autoridades do país, se justificam por falta de meios. Mas não se devem queixar, não; afinal as riquezas de Angola são somente uma miragem e não chegam, ao que parece, para fazer um recenseamento eleitoral no exterior e colocar umas urnas nas Embaixadas e/ou Consulados nos países com cidadãos angolanos. Fica-se a saber isso.

Um observador eleitoral atento dirá que esta situação é, de todo, uma forma de viciação eleitoral subliminar. É uma das muitas técnicas existentes e a que se recorre sempre que não se sabe «com o que contar» num dado universo eleitoral. Mas não é somente em Angola que isso acontece, não. Em Portugal, quando se aprovou a lei que passou a permitir a votação dos imigrantes nas eleições locais, a Assembleia da República (por unanimidade!...) aprovou uma Lei com essas técnicas subliminares de controlo do universo eleitoral.

Ah, não tenho dúvidas de que as eleições que hoje decorrerão em Angola serão feitas dentre das regras formais exigidas pelas democracias ocidentais; pois o poder instituído precisa disso, não somente para legitimar o poder que neste momento não é democrático quanto à origem mas também para saber qual é o futuro que o MPLA – verdadeiro poder dirigente da sociedade angolana – deve construir e seguir no futuro imediato. Angola (o MPLA) está, mutatis mutandis, na mesma situação que Cabo Verde (PAICV) estava em 1991.

Existem muitas formas de ganhar umas eleições sem recorrer à batota ostensiva ou patente, à viciação dos cadernos eleitorais ou com votos de defuntos; assim como existem ainda muitas mais formas de as perder. Mas, afinal, será que o povo precisa de um vigia desatento? É uma pergunta da ordem da ciência política que me angustia, confesso.

A democracia angolana – como se pôde verificar ontem, com programas da televisão púbica versando a questão das eleições no dia de reflexão e com mensagens sublinhares de uma Angola próspera – é ainda, verdadeiramente, um simulacro formal. Cabo Verde, com todas as suas fragilidades – nomeadamente nalgum secretismo das decisões do governo (no caso da Parceria com a União Europeia), da Assembleia Nacional (vide o acordo sobre o Código Eleitoral), dos Municípios (vide a última assembleia da Associação Nacional de Municípios) ou de declarações menos felizes ou oportunos (como as do Primeiro Ministro no dia das últimas eleições legislativas) – ainda vai dando passos consideráveis na consolidação do sistema democrático; ainda que não tenha ficado agradado com o que ouvi na Assembleia Nacional de Cabo Verde sobre o recenseamento dos cabo-verdianos na diáspora a ser feito no próximo ano.

Porque não vivemos num Mundo perfeito, atrevo-mo a dizer que a democracia angolana pode(rá) nascer hoje; com maiores ou menores dores de parto. Seja como for, continuemos a cultivar o nosso jardim; os angolanos merecem isso, mais e melhor.
Publicação prima:
Liberal on line

  • Delivery service in woods, by Tsutsu Di

Sem comentários: