sexta-feira, 12 de setembro de 2008

  • O PODER DOS JUÍZES E O SEU USO
Um cidadão entra na esquadra da polícia de Portimão (que fica em frente do Tribunal da cidade algarvia, a escassos metros) e dispara quatro tiros, alguns na cabeça, de um outro indivíduo. Sem mais.

Detido pela polícia, é presente ao Juiz que, depois de o ouvir em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, decide colocá-lo em liberdade. Toda a gente se escandaliza com a situação; eu, não. Explico.

Conheço o Juiz em causa. É daqueles magistrados que não gostam de ser contrariados, que – como diz o Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses – agem como se fossem «reis» e/ou «donos» do tribunal e que não gostam de Advogados que se «atrevem» a ser intervenientes e que são mais do que meros instrumentos decorativos nos actos processuais.

Lembro-me de, no âmbito de um processo em que patrocinei uma cliente em sede de primeiro interrogatório de arguido detido por tráfico de estupefacientes, depois depois de passar o dia no Tribunal, ter ouvido a decisão já depois das 04:00 horas da manhã do dia seguinte.

A minha constituinte ficou em prisão preventiva com fundamentos objectivamente absurdos, isto é, porque a mesma «não tinha uma habitação condigna» (que o Juiz insistia em chamar de «barraca») e ser de um país (Cabo Verde) donde «é difícil extraditar as pessoas» (é, hoje, um argumento praeter legem e recorrente nos Tribunais de Instrução Criminal portugueses – como que a mandar uma mensagem espartilhada para as terras da morabeza...).

A fundamentação jurídica da decisão foi, claramente, sofrível (ainda que, diga-se em abono da verdade, tenha ficado com a impressão de que o Juiz em causa é tudo menos tecnicamente deficiente) e ficou claro para todos os que estavam na sala que a razão pelo qual a cidadã ficou presa preventivamente foi de outra ordem que não jurídica: o Juiz não ficou agradado (e demonstrou isso pela sua reacção) porque o Advogado da pessoa em causa detectou omissões no seu interrogatório e que o Ministério Público fez referência na promoção das medidas de coacção. A defesa, naturalmente, tinha de contraditar esses factos e referir que se «se não respondeu aos factos x, y ou z foi porque o Juiz não perguntou sobre eles» e a residência da pessoa em causa era a sua habitação e não deveria ser referida como «barraca».

Foi, então e claramente, uma decisão de reacção contra o Advogado e – no contexto em causa – não uma aplicação justa do direito. O crime em causa admitia e admite a prisão preventiva, é certo; mas não no caso em concreto e com aqueles fundamentos; até porque havia uma outra pessoa nas mesmas circunstâncias, e com antecedentes criminais (ao contrário da cidadã a quem foi aplicada a prisão preventiva) que saiu em liberdade. Admitia, naturalmente, a prisão preventiva – mas não assim e segundo aqueles critérios.

Foi uma decisão, claramente, para me dizer: «quem manda aqui sou eu!» e, como tinha o poder de mostrar o poder de prender e de libertar, fê-lo aplicando a prisão preventiva. A lógica de usar o poder como instrumento de demonstração de poder é uma nova forma de ver a magistratura judicial, de jovens de ténis e barba por fazer, como que dizendo que têm qualquer coisa contra o sentido do Mundo e que devem educá-lo à sua maneira e com o seu poder.

Fiquei, então, chocado. Hoje, com a notícia da situação processual deste cidadão cowboy na esquadra de Portimão, não fiquei surpreso, não. Quase que chego a pensar que se fosse de um país donde «é dificil extraditar as pessoas» teria ficado preso preventivo.

A verdade é que, em termos de prática processual, o alarme social causado por esta acção com intenção claramente homicida – e no contexto social em que se vive – a prisão preventiva seria a medida mais adequada. Mas o Juiz, além do poder, também tem as usas razões subjectivas e não vale a pena cruxificar as pessoas por serem humanas e cometerem erros. A juventude cobra o seu preço, é natural que assim aconteça; sendo indesejável.

Mas esta decisão deve ser vista num plano mais global; no de uma verdadeira guerra surda ou fria entre a magistratura judicial e o actual governo que, com a reforma penal de 2007, limitou o poder dos juízes aplicarem a prisão preventiva e agora – com a ideia peregrina do Ministro da Administração Interna de se alterar a lei para aplicar medida de prisão preventiva «sempre que se usa uma arma» – se pretender tornar os juízes simples burocratas na decisão de aplicação da prisão preventiva a determinados tipos de crimes.


É uma decisão que demonstra ao Ministro da Administração Interna que as coisas não se passam, no seio dos tribunais, como pensa e que o sistema tem meios de reagir à legislação penal que desagrada aos magistrados. Talvez fosse bom e oportuno haver um pequeno estudo sobre o número de penas de cinco anos e meio (5 anos e 6 meses) aplicados desde a entrada em vigor (15/09/2007) do Código Penal e de Processo Penal.

Faz-me lembrar, a conspiração (justa) dos juízes do tempo de Jaime I que não aplicaram uma lei iníqua que determinava a pena de morte para a mulheres que praticassem o abortamento. Não terá acontecido o mesmo em Portugal, no âmbito da antiga lei do aborto? Há coisas que se não são, parecem ser. Espero que Ministro da Justiça tenha lido nas estrelinhas (certamente que o fez...) o que o Dr. Noronha do Nascimento, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, (não) disse na entrevista que deu à estação de televisão SIC.

O poder de criar leis é, de todo, bem menor que o de aplicá-lo. Quem pensa o contrário, por mais tecnicamente qualificado que seja, sonha com um Mundo e uma sociedade diferentes daquela em que vivemos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Hello my friends! Who are you!?