segunda-feira, 11 de maio de 2009

  • O PRIMEIRO LIVRO QUE LI EM INGLÉS E ALVARO CUNHAL

O primeiro livro que li em inglês, não foi de cabalistas, não. O primeiro livro que li em inglês chamava-se Rivers of Living Water, de John Osteen. O problema é que não sabia inglês. Assim, comprei um curso de inglês do Readers Digest e, além dos dicionários e o vocabulário do curso, comprei um dicionário Inglés/Português-Português/Inglés e comecei a ler o livro. Cada palavra era uma dificuldade, cada frase uma odisseia. Levei meses a ler e a entender o livro; mas li-o. E relio-o, várias vezes… até não precisar do dicionário. Assim, quando voltei a estudar (depois de desertar a escola em menino), conhecia os rudimentos da língua – e fiquei surpreendido com o quanto sabia. Anos depois, chegaram os grandes livros em inglês: The Great Gatsby, Scott Fitzgerald; U.S.A, John dos Passos; As I lay Dying, William Faulkner; One Day in the Life of Ivan Denisovich, Alexander Solzhenitsyn; Paradise Lost, John Milton… Era, necessariamente, um novo rumo estético.

Lembro-me, agora, do primeiro livro que li em espanhol. Foi um livro propriedade de Álvaro Cunhal (por razões que agora não vem ao caso, tive acesso à sua biblioteca pessoal na casa da irmã, D. Eugénia, na Rua Sousa Martins em Lisboa e que fora, entre outros, um dos seus refugios) e, além de umas obras que me foram muito úteis em termos formativos – como, v.g., o An Enquiry Concerning Human Understanding, de David Hume, An outline of the Universe de J.G. Crowther –, li o meu primeiro livro técnico em espanhol: Prolegomenos a Toda Metafisica Del Futuro, de Kant. Livros cujas cópias com nota autógrafa de Álvaro Cunhal (uma ou outra com testemunho da sua passagem pelo Forte de Peniche) se encontram por aí, descansando numa multidão de outros livros então reproduzidos.

E o que estranho é que a admiração intelectual que nutro por Alvaro Cunhal – para mim o maior português do século XX (e não há neste juízo nada de ideológico) – não é extensível, em dimensão, a John Osteen que, hoje, considero de um pensamento teológico muito frágil. Mas Rivers of Living Water foi, a data, importante para mim – no plano espiritual e prático. No outro dia relia um texto de Álvaro Cunhal: As Seis Características Fundamentais de Um Partido Comunista (2001), e dei por mim a pensar que ele era menos ortodoxo do que se pensa, nomeadamente dos actuais líderes do Partido Comunista Português e que, se calhar, o que o país precisava, hoje, era de um Álvaro Cunhal vivo e na plenitude das suas capacidades para pensar-se uma sociedade mais justa, objectivamente justa e sem o mofo dogmático das teses que, como a realidade demonstra, falharam.

Álvaro Cunhal tinha consciência disso; mas o tempo não lhe deu tempo para reinventar o pensamento.

Imagem: Álvaro Cunhal, Henrique Matos

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