segunda-feira, 25 de maio de 2009

  • DESPOJOS DE DOMINGO CANIBAL

É Domingo. O perdão da divida externa dos países pobres, a pena de morte, a Nova Ordem, o corporativismo judicial, o mal como situação não necessária, a pobreza estrutural e a miséria humana – as suas causas são tanto ou mais dolorosas do que elas mesmas – azucrinam-me a alma enquanto escuto Albinoni, Corelli e Bellini no meu momento de reflexão. Melhor é não pensar – diz o poeta. Fumo um ducados (que saudades tenho de um cigarillo negro cohiba ou de um popular sem filtro!), e resolvo ler um pouco: reli um texto, enviado por um amigo, sobre Ugolino e passo os olhos por Emanuel Swedenborg – tem prioridade não técnica nestes dias.

O universo cai aos bocados, podre pelo norte, de ausência de pão a sul, de afectos dementes, com a dor esmolando pelas ruas, a lua e a amante da rosa desertas. Estaciono na poesia – leio The Ship of Death and Other Poems de D.H. Lawrence, e paro em «Snake»:

A snake came to my water-trough
On a hot, hot day, and I in pyijamas for the heat,
To drink there.

[…]
The voice of my education said to me
He must be killed,
For in Siciky, the black, black snack are innocent, the gold are venomous.

[…]
And a voice in me said, If you were a man
You would take a stick and break him now, and finish him off.

Terrível… Espreito a alma de T. S. Eliot (Little Gidding):

[…]
Quick now, here, now, always –
A condition of complete simplicity
(Costing not less than everything.)
And all shall be well
When tonges of flame are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.


Não, as rosas ardem, queimam demais na primavera. Como diz Camilo (Shakeaspeare, The Winter´s Tale, IV.3):


I should leave geazing, were I of your flock,
And only live by gazing.


Nada disso, não. Talvez seja de seguir o conselho de Hamlet (Shakeaspeare, Hamlet, II.1): “By indirections find directions out” e, como me diz Wordsworth, haja “A virtue which erradicates and exalts / Objects through widest intercurse of sense”. Mas a verdade, assume a voz de José Gomes Ferreira (Poesia I, XXXIII):

Nasceste por engano nestes céus
lua de sangue
– pintada dos corações de todos os mortos.

O que quero, é o Domingo – a alma do sagrado. Não há vozes sobre os céus, hoje. Miguel brigou, e perdeu o meu poema de figos maduros para as potestades do ar. Estaciono a alma em Ezra Pound (Ezra Pound, De Aegyito) consolado:

Eu, até mesmo eu, que conheço as estradas
Através do céu, e o seu vento no meu corpo.


Eu vi a Senhora da Vida,
Eu, até eu, que voarei com a andorinha
.

Sim, com as andorinhas felizes. Essas que banharam Rosália de Castro de sonhos (Rosália de Castro, Dos Palomas):

¡Felices esas aves que volando
libres en paz por el espacio corren
de purísima atmósfera gozando
!

E o Domingo foi-se com a noite. Lembro-me de Helvius Pertinax – esta memória é o maior dos conselhos. Ugolino não matou a fome: a natureza suplanta todos os afectos – aqui reside a razão maior do mal. Por isso é inextirpável – como diz-nos Emmanuel Kant em A Religião nos Limites da Simples Razão. Estas coisas também matam um Domingo, e muitos outros dias. Deveria ter trocado isto pelos Lusíadas, dar uma braçadas… como diz um peixinho que sabe teclar mas lê pouco. Ai Voltaire! A tua velha… era feliz. Não acrescentava dores às dores, lá isso não fazia ó Coélet.

Imagem: Veneziana de costas virada para o mar…

1 comentário:

Gabi disse...

Voltei... VRB
Andava hibernada à espera do sol de verão.


eheheheh