- SER ATEU É UM DIREITO…
Está na moda, desde há alguns anos ser-se ateu (graças a Deus… – dizem alguns). Mas, por vezes, ouço argumentos que me espantam. Resolvi, eu que sou cristão mas que acho que as pessoas têm todo o direito a ser ateu, aconselhar uns livros sobre ateísmo – pensar faz bem às pessoas, se pensarem – para quem se diz ateu. Sim, ser ateu é um direito, conquistado pelos crentes. Se é ou deseja ser ateu, que o seja com razão; não porque é chique ou por causa do mal alheio projectado em Deus. Assim, aconselho quatro livros (acho que chegam, como iniciação ao ateísmo esclarecido) sobre ateísmo, pois eu sei no que creio.
1. Porque Não Sou Cristão – Bertrand Russell
2. Deus e o Estado – Mikhail Bakunin
3. Assim Falava Zaratustra – Frederico Nietzsche
4. Tratado de Ateología – Física de la Metafísica – Michel Onfray
Deste último transcrevo esta passagem:
«¿Dios ha muerto? Está por verse... Tan buena noticia habría producido efectos solares de los que esperamos siempre, aunque en vano, la menor prueba. En lugar de que dicha desaparición haya dejado al descubierto un campo fecundo, más bien percibimos el nihilismo, el culto a lo fútil, la pasión por la nada, el gusto malsano por lo sombrío propio del fin de las civilizaciones, la fascinación por los abismos y los agujeros sin fondo donde perdemos el alma, el cuerpo, la identidad, el ser y el interés por todo. Cuadro siniestro, apocalipsis depr imente...
La muerte de Dios fue un dispositivo ontológico, la falsa grandilocuencia propia del siglo XX que veía la muerte por todas partes: muerte del arte, muerte de la filosofía, muerte de la metafísica, muerte de la novela, muerte de la tonalidad, muerte de la política... ¡Decretemos hoy la muerte de esas muertes ficticias! Esas falsas noticias servían en otras épocas para montar la escenografía de las paradojas antes del cambio de chaqueta metafísica. La muerte de la filosofía autorizaba libros de filosofía; la muerte de la novela generaba novelas; la muerte del arte, obras de arte, etc. La muerte de Dios produjo lo sagrado, lo divino, lo religioso a cual mejor. Hoy en día, nadamos en esa agua lustral», Michel Onfray, Tratado de Ateología – Física de la Metafísica, Editorial Anagrama, Barcelona, 2006, p.31.
A fé e a razão não são incompatíveis. Como dizia no outro dia a um amigo, a nossa imaginação vai para além dos nossos sentidos, mas o espiríto segue para além da nossa imaginação. Mas a natureza revela-nos grande parte do que podemos conhecer de Deus – os que queiram e/ou são capazes disso. Deus é o que é, nós devemos tentar perceber a razão de Deus e o nosso sentido existencial, sem medo ou medos de perceber ou não todas as perspectivas da questão. Por isso leio livros escritos por ateístas convictos – de Lenine (que morreu, louco, agarrado a uma cadeira, pedindo perdão a Deus), a Voltaire, passando por Bakunin e Karl Marx.
Sobre estes ateístas muito haveria a dizer, mas tomemos o exemplo de Karl Marx. Sendo cristão enquanto jovem, descreu de Deus por causa do mal que grassa no Mundo (o seu poema dramático Oulanen[1] é uma prova bastante disso – não de que seria discípulo de Satanás, como defende Richard Wurmbrand), imputando a responsabilidade a Deus. Abraçou o pensamento socialista que é, na verdade, o que existe de mais próximo do cristianismo mas que, do ponto de vista do materialismo, procura infirmar. Seja como for, Marx não é nem deve ser ser tido como a grande luz nesta questão, pois também condenava a aristocracia, mas casou-se com uma mulher rica, defendia o proletariado, mas achava que a escravidão dos negros (nomeadamente a dos negros levados escravos para o Brasil) era coisa natural e necessária ao desenvolvimento social e económico. O homem é forte, poderoso, perante o seu próximo – por ter poder, dinheiro, notoriedade social, pensar saber mais, ter um título académico (todas elas formas de alimentar a opressão social), mas quando chega o momento da grande aventura…
Não é preciso ser-se cartesiano ou ontológico como Santo Anselmo ou Kant… nem têm os ateus, hoje, de provar que crêm ou não, como Atenagora de Atenas teve de provar a Marco Aurélio e Aurélio Cómodo que os cristãos "não eram ateus", que acreditavam em Deus. Não crer é um direito - uma conquista civilizacional; assim como crer é da natureza do homem. O paradoxo é que os que acusam os crentes de irracionalidade, por crerem em algo para além das evidências da matéria, acabam por agir irracionalmente ao atacarem a fé como se ela fosse uma doença, algo contra natura. Tornam-se, na verdade, inquisidores laicos, ou inquisidores do ateísmo militante e/ou não esclarecido. Um exercício de racionalidade sobre Deus é/será a última coisa que um cristão ou outro deísta evita(rá). Na verdade, pensar Deus com a razão esclarecida é aproximar-se dEle. Ou será que não? [2]
Imagem: Capa da Revista Y-Jesus
Notas:
[1] Texto que pode ser encontrado na colectânea de textos de Karl Marx em http://www.marxists.org/
[2] Para quem tem paciência, fica esta sujestão de leitura: JESUS COMPLEX – WAS HE CRAZY, A PATHOLOGICAL LIAR, OR THE SON OF GOD?
Sem comentários:
Enviar um comentário