- DESPOJOS DE LIBERDADE E ABORTAMENTO POÉTICO
Nos despojos de reflexão de dias festivos da liberdade (ou será «livre necessidade», como diz Espinoza?), escuto Nabucco de Verdi e fico extasiado. Deveria ser Adão, mas sou Joaquin – levado por Nabucodonozor, cativo, para a Babilónia, deixando atrás os murros e o Templo de Jerusálem derribados. Va pensiero, sim. Estaciono em Telleman, Corelli e Albinoni (a minha alma amanhece meio barroca, hoje) enquanto leio Tao Te Ching (Tratado do Caminho da Verdade e da Vida) de Lao Tzu, com uma apresentação extraordinária de Carl Jung, seguida de uma introdução de Herman Hesse. Como se isso não bastasse, leio de A. W. Hummel um prefácio breve mas profundo, e de onde emergem e assaltam-me estas palavras:
«O Tao Te King é o primeiro protesto articulado contra a mecanização e a organização excessiva do homem, e, se abriga incorrectas noções acerca da noção do progresso inevitável, não deixa de relembrar que todas as coisas regressam à sua origem; que "ir longe significa voltar para trás”. O Taoísmo refere que vulgarmente o pronunciamento exacerbado da palavra falha onde somente o toque da luz pode ser bem sucedido. O mundo possui lugar à expressão da humildade, da cedência, da gentileza e da serenidade, porém para se poder tirar proveito do seu benefício devemos: Aprender a desaprender aquilo que aprendemos.»
Que belo conceito esse! Que extraordinário conselho! Mas obra sobrevive ao crivo de apreciações de tanta valia; e sobrevive porque é um manto de sabedoria em forma de verbo, uma expressão desta como o belo que deve habitar em todos nós – mesmo quando o mal nos afronta com o ferro da injustiça, quando a nossa serenidade sobre atentados.
Não resisto a citar duas passagens de Lao Tzu ( Tao Te Ching, I [A Origem dos Contrastes]):
«O Tao Te King é o primeiro protesto articulado contra a mecanização e a organização excessiva do homem, e, se abriga incorrectas noções acerca da noção do progresso inevitável, não deixa de relembrar que todas as coisas regressam à sua origem; que "ir longe significa voltar para trás”. O Taoísmo refere que vulgarmente o pronunciamento exacerbado da palavra falha onde somente o toque da luz pode ser bem sucedido. O mundo possui lugar à expressão da humildade, da cedência, da gentileza e da serenidade, porém para se poder tirar proveito do seu benefício devemos: Aprender a desaprender aquilo que aprendemos.»
Que belo conceito esse! Que extraordinário conselho! Mas obra sobrevive ao crivo de apreciações de tanta valia; e sobrevive porque é um manto de sabedoria em forma de verbo, uma expressão desta como o belo que deve habitar em todos nós – mesmo quando o mal nos afronta com o ferro da injustiça, quando a nossa serenidade sobre atentados.
Não resisto a citar duas passagens de Lao Tzu ( Tao Te Ching, I [A Origem dos Contrastes]):
«Quando a beleza é ostentada,
Torna-se origem de fealdade.
Quando se reconhece o bem
Como aquilo que é subjacente ao agradável,
Isso torna-se causa de padecimento dum mal.
Ser e "não-ser" condicionam-se mutuamente,
E alternam-se entre si;
O fácil e o difícil definem-se um ao outro;
Alto e baixo acompanham o oposto;
A existência dá lugar à não-existência ;
Acima e abaixo formam consciência relativa;
"Cumprido" e "curto" são relativos;
Tom e ressonância criam a harmonia;
Estar adiante ou atrás dá a ideia de serem posições distintas.
Por isso o sábio atém-se à não-afirmação,
E trata as questões sem interferir no seu curso.
Não conduz nem prescreve orientações,
Mas ensina por meio da acção e do silêncio.
Aceita o fluxo natural das coisas, bem como o seu declínio
E nutre-as sem delas se apossar,
Pela compreensão de que todas as coisas mudam
E eclodem de modo natural, no seu devido tempo.
Sem que uma única deixe de se revelar e desenvolver.
Age sem intenção e não sustenta expectativas,
Nem noção alguma de pertença ou de alcance de resultados.
Uma vez empreendida a tarefa, abandona a questão.
Justamente por não reclamar qualquer crédito,
Não é desacreditado.
Desse modo o seu ensino perdurará e será tido em elevada estima.»
Lao Tzu (Tao Te Ching, LV [O Caminho Franco]):
«Se tiverdes um pouco de sabedoria
Para percorrer o Caminho Supremo
Todo o vosso cuidado será o de não vos desviares dele.
O Caminho Supremo é amplo e abrangente
No entanto, os homens preferem os atalhos.
Quando nos palácios reina o esplendor
Abundam nos campos o mato e as ervas daninhas,
E a desolação nos celeiros!
As pessoas albergam trajes sumptuosos
E carregam armas cortantes à cintura.
Têm excesso de comida e bebida
E mais riqueza que a que podem utilizar.
Tudo isto constitui arauto do roubo
E nada tem que ver com o Caminho.»
Percebo o nihil novi sub soli numa nova perspectiva, a minha paixão pelos antigos cimenta-se, sedimenta-se, docemente… enquanto a manhã abraça as horas lentas, o Sol faz a terra parir, e três poemas me perseguem, pedindo-me para conhecer o Mundo. Digo-lhes que não, para atentarem nos conselhos de Lao Tzu … mas insistem, dizendo-me que não querem sofrer o abortamento da alma e da memória, que até aceitam ser versos-manjericos (baptismo penitente do não). Acedo, convencido, rendido. A noite, terna, esteve fria; tremeu pelas dores dos meus irmãos do Sudão, da Eritreia, da Etiópia… que sonharam com pão; e gemeu as tripas das dores dos meus irmãos berciários que ka pud levá panela pa lume enquando o meu poeta, meio envergonhado no pensamento e desligado do mundo aparente, bebia a couple of Manhattans. Terna foi a noite, aqui. Lá, lá… está cruel.
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E a beleza, a beleza não pára de crescer: Andante um poco largo…
Imagem: Emily Scott
Imagem: Emily Scott
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