segunda-feira, 31 de março de 2008

~ Cidade Velha, Santiago, foto de Nuno Pombo Costa © ~

  • AS OMISSÕES SOBRE A LÍNGUA CABO-VERDIANA
Li «Comparar é preciso» do Mário Matos no «A Semana» on line e (na sequência de outro artigo que o articulista publicou no mesmo jornal) se concordo que não é líquido que o ALUPEC seja o fim da caminhada para a construção de uma escrita «oficial» da língua cabo-verdiana, existem outros aspectos bem mais prementes que a questão da comparação dos «criolos».

O caminho se faz caminhando, como diz o poeta. Não há que estar, constantemente, a estudar as coisas – é preciso agir, atentar no que está construído e ir construindo sobre a(s) base(s) existente(s) ou com outras matrizes que possam vir a ser eventadas. A ciência faz-se assim – caminhando, passo a passo. Com ou sem rupturas epistemológicas, é preciso caminhar em frente; não podemos, por questões de ilhismos, regionalismos ou preconceitos bafientos impedir caminhos necessários para a língua cabo-verdiana.

Por isso é que não entendo (para além da questão do estudo e da investigação comparativas) como é que, por exemplo, sejamos um país – eventualmente o único no mundo – que não tenha uma Constituição na sua língua materna, o cabo-verdiano. A boa vontade e as louvaveis intenções do Governo em 1998 não parecem ter sido bastantes para se fazer esse mínimo para qualquer Estado

Sobre este aspecto, está a ser pensado, aqui por Lisboa, a tradução da Constituição para o cabo-verdiano – quer no sistema do ALUPEC quer no cabo-verdiano que se fala em S. Vicente. É uma ideia, uma perspectiva cidadã de cumprir com a Constituição na ausência e omissão do Estado.

Note-se que não sou um defensor acérrimo do ALUPEC, não. Mas é um sistema com bases sustentadas que pode e é útil à construção da identidade linguista cabo-verdiana – logo, sou a favor da sua instauração. Não pode ser, como está na mente de muitos, nem é uma espécie de pinheiro que seque todas os outros «criolos» das demais ilhas e as deixe sem raízes.

A nossa mais valia linguística está, também, na nossa diversidade.

Assim, compartilho a ideia de que o «estudo do sucesso do ensino-aprendizagem da Língua Cabo-verdiana na nossa comunidade em Bóston. Que resultados práticos têm tido e porquê?» seria um instrumento importante para percebermos as implicações da convivência, ao nível do ensino, da das várias formas de entender a língua cabo-verdiana e no contexto de uma língua estrangeira tão diferente como é o inglês.

É que a experiência levada a cabo no Massachusetts, nomeadamente em Boston, é um autêntico balão de ensaio para a compreensão desta questão e mais uma luz na construção de uma forma de gravação normalizada da nossa língua materna.

Agora – tomando emprestadas as palavras de Mário Matos –, «Por isso é, no mínimo, intrigante, a ausência, entre nós, de estudos comparativos com os crioulos de base lexical portuguesa […]», mas mais do que isso: de, até agora, não se ter procedido a este estudo sobre o alcance, dimensão e efeitos do ensino da língua cabo-verdiana nos Estados Unidos da América.

A questão até que não está nos resultados em si, mas nos métodos utilizados e que, no futuro, poderão ser utilizados ou não noutras paragens da Diáspora cabo-verdiana e no ensino da língua materna em Cabo Verde.

Mais ainda: onde está o relatório com a «Avaliação Final» sobre o período experimental do ALUPEC (Artº.2 do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro)? Lembro aqui o que diz a lei:

«Findo o período experimental e ouvidas a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana e demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma, procederá o Governo a uma avaliação final do impacto do uso do ALUPEC e adoptará as medidas que se mostrarem convenientes» (Artº.4 do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro).
Que diz o Governo sobre isso?

A ausência deste(s) estudo(s) é mais uma omissão do Estado e que urge colmatar. A dimensão compreensiva e comparativa dos fenómenos sociais há muito que demandam estudos dessa natureza. Sendo um pouco Malthusiano, diria que a língua não pode ser deixada assim – a deriva. Tem de ser cientificamente domesticada, de outro modo estaremos sempre num patamar de menoridade linguística em relação ao observador externo.
Pode não parecer muito, mas é – também e essencialmente, no que a identidade diz respeito – uma questão de independência. A formalização da independência cultural não é coisa despicienda, não.

Tenho consciência que a «escolha» do ALUPEC é um problema socialmente fracturante e que tem uma dimensão política complexa e cujos custos não estão bem contabilizados; muito por culpa de não se ter cumprido com os objectivos de 1998. Mas, convenhamos, três décadas depois da independência e uma década depois de instituido a «experimentação» do ALUPEC, já é tempo do Estado passar à acção – Constituição em língua cabo-verdiana, Boletim Oficial bilingue, Convenções internacionais redigidos em cabo-verdiano, ensino da língua materna nas escolas (nomeadamente na formação de professores), etc, etc…

Não são luxos, são razões de Estado e de identidade; são necessidades imperiosas.

O ALUPEC é que está sistematicamente sustentado pelos cânones da linguística? Então, que seja o ALUPEC. Qual é o problema? Não se pode gostar ou deixar de gostar do ALUPEC – há que dizer e explicar bem as razões de tal assentimento ou da sua ausência. É que não é uma questão de gosto, é uma questão de razão de ciência.

Temos de caminhar, não depressa demais – mas também não precisamos de andar a passo de caracol. Se colocamos tanto esforço no Acordo Ortográfico sobre o português, porque não colocar a mesma energia, empenho, dedicação e coragem política ao serviço da língua cabo-verdiana? Isto é, da memória futura da nossa Pátria.

domingo, 30 de março de 2008

  • Em vias de extinção. Daqui a alguns anos só se verá em fotos. Esta pode bem ser uma criola nascida no Mindelo ou na Boavista... Em breve poderá passar por lá para colocar os seus ovos e deixar descendência. Vai deixá-la ir parar ao prato de alguém?

  • TERRA-LONGE

Aqui, perdido, distante
das realidades que apenas sonhei,
cansado pela febre do mais-além,
suponho
minha mãe a embalar-me,
eu, pequenino, zangado pelo sono que não vinha.

"Ai, não montes tal cavalinho,
tal cavalinho vai terra-longe,
terra longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente."

À doce toada
meu sono caía e manso
da boca de minha mãe;

"Cala cala meu menino,
terra-longe tem gente-gentio
gente-gentio come gente."

Depois vieram os anos,
e, com eles, tantas saudades!...
Hoje, lá no fundo gritam: vai!
Mas a voz da minha mãe,
a gemer de mansinho
cantigas da minha infância,
aconselha ao filho amado:

"Terra-longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente."

Terra-longe! Terra-longe!...
– Oh mãe que me embalaste!
– Oh meu querer bipartido!
Pedro Corsino Azevedo

~ Baleia de bossa algures entre Cabo Verde e os Açores ~

  • SEREMOS MENOS «HUMANOS» QUE AS BALEIAS?

As baleias de bossa têm nas águas de Cabo Verde um dos locais de reprodução e de alimentação previligiadas, além de ser um ponto de referência nas migrações das mesmas.

Estas baleias, segundo estudos realizados por investigadores norte-americanos nos últimos anos, têm uma estrutura neuro-cerebral, ao nível cognitivo, análoga ao ser humano e aos grandes símios.

Compartilham com o homem as mesmas células cerebrais que nos identificam como «humanos» – que nos tornam capazes de sociabilização, de comunicar, de amar e de sofrer.

São seres que, conjuntamente com os golfinhos e os símios, se encontram na mesma linhagem de evolução do homem mas que, por razões ainda desconhecidas, evoluíram num sentido diferente. Uma coisa é certa – estes mamíferos em via de extinção são o que existe no mundo animal de mais próximo do humano.

Para quando um programa de protecção destes animais, assim como das tartarugas, das cagarras e do ecossistema global das ilhas e que tornem Cabo Verde – além da escolha natural da natureza – um país de referência na protecção destas espécies em vias de extinção?

É que património não é somente coisas edificadas; é também o património imaterial da humanidade e estamos a perder, lentamente, a nossa capacidade de conviver com outras espécies num Mundo em que a biodiversidade deveria ser um valor.

A espécie humana teima em comportar-se como um vírus destrutivo. Age como se o Planeta tivesse lugar somente para ele e a sua prole. Mas não é nem deve ser assim. Sempre que destruímos, deixamos destruir ou contribuímos para a destruição de uma espécie estamos a destruir não somente parte da nossa herança mas também o nosso futuro.

Perante as actuais descobertas científicas e para além da questão do seu perigo de extinção, justifica-se que se cace a baleia – sob pretexto científico – para satisfazer o prazer gastronómico da humanidade? A meu ver, não.

A vida – toda a espécie de vida – tem uma dimensão sagrada e deve ser preservada. Somente a necessidade imperiosa é que justifica o sacrifício de doutra vida – nada mais. A final, isso é que nos torna humanos – não é?

Agora, sempre que me lembro das vezes em que comi carne de baleia – era ainda menino –, sinto-me uma espécie de antropófago; um quase selvagem antropocêntrico.

A humanidade é essencialmente inteligência em acção. Não é um mero acontecimento da natureza; é um processo de integração com o mundo que nos rodeia.

Se a baleia sente e sofre como nós sofremos, é justo caçá-la? Bem, o sentido de «humanidade» em nós diz que não. Elas, que parecem ter um nível de neurónios superiores ao homem e anterior a este, não atacam humanos nem outras espécies.

Será caso para dizer que as baleias de bossa são mais «humanos» que que os humanos?

sábado, 29 de março de 2008

  • Impúdica República?...

MEMÓRIA...

Porque o Mundo não é feito somente de coisas belas, lembro que a guerra continua no Iraque, os conflitos armados assolam o Sudão, a República Democrática do Congo, o Tibete, a Eritreia, o Chade, a Colombia, a Somália, Myarmar…

– «Faria tudo de novo», disse o Presidente George W. Bush na sua última presença no Congresso antes de deixar a Casa Branca. O fazer tudo de novo quer dizer – invadiria o Iraque; mesmo sabendo que as suas razões eram putativas.

Será que o seu conselheiro espiritual não lhe disse que errar é humano e que persistir no erro é pecado? Será que ninguém lhe mostrou as imagens das vítimas inocentes da sua acção? A vida de Shadam Hussein e a imposição da ideia de Democracia a quem não a quer nem quer saber dela mereciam tantas vidas inocentes? A balança da História é a mão na parede: Mene Mene Tequel U Farsim.

Verdadeiramente há quem tenha olhos e não veja.
  • Foto: Vítimas dos bombardeamentos ao Iraque.

sexta-feira, 28 de março de 2008

~ «Va pensiero», Nabuco, Giuseppe Verdi ~

  • Ontem foi o Dia da Mulher cabo-verdiana – uma espécie de Afrodite renascida em penitência às margens do Atlântico. Hoje, comecei o meu dia a escrever um poema à alma-raíz da cabo-verdianidade: às mulheres do meu berço.

    Com vénia e penitência por merecerem mais, fica aqui gravado.

  • ALMA D´UM CRÊBO TCHEU

    Sete mil pés de ti
    arvoram os porões de alma espúria
    da Argos às margens do Tarrafal
    e teu olhar silente.

    Procura, como seiva raíz parideira,
    teu ventre de alma-verbo-penitente
    – ruas de Nova Jerusalém aqui.

    É a Norte! – gritam sete mil pés convictos.
    – É a Sul, no berço do barco-beijo do Atlântico,
    a oeste da Terra firme – insiste a Argos.

    ... Norte-Sul. Sul <> Norte. Lutam
    o tempo de um sonho. Acumina.

    A Argos e sete mil pés de ti navegam
    ... Sul<>Norte. O lugar...

    E eu (de orelha furada escravo,
    argonauta de ti, das tuas horas sim)
    – tenho todos os pés do Mundo
    para te encontrar – menos tu,
    pétala, ardósia viva, mar sendento, Om,
    santa d´Um crêbo tcheu e mais:
    como a mãe de todas as línguas
    és YHWH e não sei dizer-te
    alma d´Um crêbo tcheu só num dia.

  • imigrantes amados

quinta-feira, 27 de março de 2008

  • DISCURSO DO SECRETÁRIO GERAL DA ONU SOBRE O COMÉRCIO DE ESCRAVOS E AS SUAS VÍTIMAS

Secretary-General's remarks to the Commemoration of the «International Day of Remembrance of the Victims of Slavery and the Transatlantic Slave Trade»

Thank you, Mr. Chairman, Ambassador Mahiga, Chairman of the African Union,

Ambassador Hackett, Chairman of the CARICOM Ambassadors' Caucus, Distinguished Congressman Payne, Mr. Belafonte, Excellencies, colleagues and friends,

I am deeply moved to be with you for this solemn remembrance of the victims of the transatlantic slave trade, one of the greatest atrocities in history. This unparalleled global tragedy claimed untold millions of lives over four centuries, and left a terrible legacy that continues to dehumanize and oppress people around the world to this day.

The forced movement of West Africans across the Atlantic happened on an unprecedented scale of brutality and inhumanity, killings and massive abuses. Millions died without a burial, without a trace.

This chapter in human history is all the more reprehensible because the trade yielded significant prosperity in countries where slavery was perpetrated under colour of law. These States paid no monetary price for their progress, but they incurred a terrible cost in the form of the entrenched racism that we still battle today. The slave trade left an indelible mark, not only because it offended the human conscience, but also because it was a result of a shocking complicity of nations that participated in the name of “commerce” for 400 years.

Considering the enormous historic proportions and impact, it is a cruel irony that little is known about the slave trade. That is why today is so important. We must remember and honour those who spent their lives as slaves, who were defined under laws as nothing more than chattel, property and real estate, who were essentially treated not as humans but as “things”.

The question of how to atone for this crime is difficult to answer. We must acknowledge the great lapse in moral judgment that allowed it to happen. We must urge present and future generations to avoid repeating history. We must acknowledge the contributions that enslaved Africans made to civilization. And countries that prospered from the slave trade must examine the origins of present-day social inequality and work to unravel mistrust between communities.

Above all, even as we mourn the atrocities committed against the countless victims, we take heart from the courage of slaves who rose up to overcome the system which oppressed them. These brave individuals, and the abolitionist movements they inspired, should serve as an example to us all as we continue to battle the contemporary forms of slavery that stain our world today.

In our time, forced labour, sexual exploitation and human trafficking afflict millions of people worldwide, including children toiling under unspeakably abusive conditions. Racism and racial discrimination still take a serious and sometimes deadly toll. We are all shamed by these repugnant crimes. And we are all challenged to respond.

How fitting, therefore, that this historic first International Day of Remembrance of the Victims of Slavery and the Transatlantic Slave Trade falls in the year of the 60th anniversary of the Universal Declaration of Human Rights. Article four of the Declaration tells us, and I quote: “No one shall be held in slavery or servitude; slavery and the slave trade shall be prohibited in all their forms.” End quote.

Let us give life to those words. Let us honour the victims of the slave trade by remembering their struggle. Let us carry it forward until no person is deprived of liberty, dignity and human rights.

Thank you very much
New York, March 25, 2008



  • In addition to March 25´s ceremony, the UN is hosting a series of events to mark the Day of Remembrance, including an exhibit entitled “The Middle Passage: White Ships/Black Cargo” and a student videoconference on 28 March with students in Sierra Leone, Norway, St. Lucia, Canada, Cape Verde, United Kingdom and UN Headquarters in New York.

~ Olympia, Edouard Manet (1863) ~
  • JOGOS OLIMPICOS E DIREITOS HUMANOS, CLARO

Voltou o fantasma do boicote para assombrar os Jogos Olímpicos.
Nicolas Sarkozy, Presidente de França, já avisou a China: é uma possibilidade… A Comissão da União Europeia e os Estados Unidos pensam nos atletas e nos prejuízos que os mesmos sofreriam se houvesse um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim.

E os interesses do povo do Tibete? E os Direitos humanos dos tibetanos, onde ficam? É claro que ser morto, espancado, preso e limitado nas liberdades não são prejuízos relevantes diante dos interesses dos atletas; ah, não!

É que, é claro, a União Europeia e os Estados Unidos da América não têm nenhum interesse na realização ou não dos jogos para quererem influenciar o seu sucesso ou não; sim, isto é claro – como as águas do Rio Trancão.

E os atletas? E se os atletas resolvessem boicotar os jogos Olímpicos por verem os seus semelhantes sujeitos a atrocidades? Será que os seus países (não) os iriam punir? Atletas unidos pelos direitos humanos? Ah, sonha, sonha coração – pois o dos atletas está na glória não no homem espezinhado e violentado. A final isso acontece todos dias e os jogos são an apportunity of a life time – não é?

Ah, quem não se lembra das ameaças chinesas aquando da viagem do Dalai Lama aos Estados Unidos da América? Liberty está de cócoras? Parece…

A questão é de ordem política, económica, dos interesses dos atletas ou de direitos humanos? Deverão esses interesses e tudo o mais sujeitos a ponderação? A meu ver sim; pois é tudo isso. Mas os meus olhos vêem sofrimento e são por isso viciados no juízo – assim como quem vê a economia chinesa o é.

É, a Olympia vai mesmo nua… – claro.

quarta-feira, 26 de março de 2008

~ Liberty Leading the People, Delacroix (1830) ~

  • A «INEXPERIÊNCIA» DE BARACK OBAMA – DE ABRAHAM LINCOLM A BILL CLINTON. RACE MATTERS?

A questão da inexperiência do Senador Barack Obama parece incomodar muita gente. Inclusive Hillary Clinton. E têm razões para isso, sim têm.

Mas parece não incomodar a juventude, as pessoas dos espaços urbanos e com um nível académico e/ou cultural mais elevado. Porque será? Porque sabem onde está o futuro, onde jaze a esperança de uma América melhor – logo, de um Mundo mais justo e com mais paz. Além de uma noção da história política da América.

Barack Obama tem tentado fugir ao discurso centrado na questão racial, mas Hillary e Bill Clinton têm-no arrastado para esse terreno, pois sabem que aí perde – não ganha. Tentam confiná-lo ao gueto étnico e à uma lógica de “onda” de jovens sem tino que não sabem o que fazer com os Estados Unidos.

É, sempre, a mesma história.

A identificação étnica e racial não é bastante para se defender, com base essencialmente emocional, a candidatura de Barack Obama, é verdade. Mas isso é fácil de dizer para quem não vive na América, não para os afro-americanos.

E se a competência dos candidatos democratas é equivalente (não me parece que Barack seja inferior a Hillary em nada) tenho de conceder que «to be black matters». And it matters for those who dream of an America for all. A candidatura de Obama é a prova de que a América melhorou, mas é evidente que ainda tem um longo caminho a percorrer - e ele pode ajudar, curando as feridas pelo caminho.

Inexperiente, Obama? Experiente, Hillary? A questão do apoio à guerra no Iraque é eloquente: Hillary apoiou a guerra, Obama não. A guerra era e é injusta – pior, alguém mentiu grave e descaradamente ao povo americano e uns foram enganados; outros, não. Hillary foi enganada ou seguiu a lógica bélica de George W. Bush? Barack Obama não fez nem uma coisa nem outra.

Quem está mais preparado para defrontar McCain nas presidenciais? Neste aspecto dos destinos da guerra e da paz – é Barack Obama, sem dúvida. Não só não foi enganado como não apoiou o espírito belicoso da Administração que, nas palavras do Presidente Bush, voltaria a fazer a mesma coisa.

Não me parece que para se ser Presidente seja preciso ter a «experiência feita», não. Ninguém nasce a saber tudo, nem se chega ao poder com «a bagagem toda», pois se assim fosse falaríamos não de democracia electiva mas sim de democracia sucessória.

Isso é desculpa para – mais uma vez e de forma subliminar – dizer que Barack Obama não é capaz; que Hillary Clinton sim, é capaz. É uma inversão, inteligente – diga-se de passagem – do slogan de Barack Obama: «Yes, We can».

É dizer, de forma subliminar, ao Senador Obama: «No, You Can´t! She Can!» E se ele não «pode» somente por causa dos «afro-americanos» e da juventude (já agora – como demonstram os dados – a maioria dos eleitores urbanos mais qualificados em termos formais estão com ele), ela não «pode» por se mulher, o marido ter sido Presidente e ter mais “experiência”.

Se fizermos uma pequena comparação, por exemplo, entre a «experiência» de Barack Obama e a de Abraham Lincoln – antes de ser Presidente dos EUA – veremos que são muito (MUITO mesmo!), muito similares. Note-se que se compara experiência, nada mais. Neste aspecto quem ganha(rá) é John McCain; mas, na verdade, o que se precisa de um Presidente é muito mais do que experiência – muito mais. Que o digam George W. Bush ou Richard Nixon.

A América precisa de sangue novo, pois tem novos desafios (nomeadamente ao nível da economia, segurança social, papel geo-estratégico ao nível global – que não só militar – e as questões do Iraque, Afeganistão, Irão e Correia do Norte, ajuda aos países em desenvolvimento…) e deve ter uma nova visão.

Hillary teria, sim, o apoio do marido – mas não nos podemos esquecer de que foi a Administrarão Clinton que fez a I Guerra do Iraque (ainda que com o apoio da ONU – e da mulher…) e sujeitou o país árabe a um embargo económico terrível. Claro que sempre havia o programa «petróleo por alimentos» para alimentar a indústria americana…

Não se pode esperar muita paz com uma Administração Clinton bicéfala; aliás, o discurso de Hillary não aponta para uma retirada imediata das tropas norte-americanas do Iraque nem para o fim do conflito. Em minha opinião, a guerra de guerrilha e a instabilidade política e militar no Iraque irá continuar – seja quem for que venha a habitar a Casa Branca.

Não, não há que esperar o «momento ideal» e da «experiência» para concretizar o sonho de uma sociedade que olha as pessoas sem ver a sua cor – como sonhava o Reverendo Martin Luther King. Barack Obama pode realizar esse sonho; agora! E, para mim – por estas e outras razões que não importam agora – to be black matters.

Na lógica da falta de experiência, os Estados Unidos nunca teriam tido um Presidente como John Fitzgerald Kennedy ou Bill Clinton, pois seriam demasiado “verdes” quando se candidataram; nem Abraham Lincoln seria eleito como Presidente, pois era inexperiente: fora, como Barack Obama, legislador durante oito anos no Estado do Illinois, passaram 4 anos no Congresso e um perdeu uma eleição para o Senado (Lincoln) antes de ser eleito Presidente em 1861 e outro para um para o Congresso (Obama). Espero que a história se repita, são bons augúrios para o jovem Senador do Illinois.

Abraham Lincolm, também era «inexperiente» quando, em 1954, fez o discurso contra a escravatura em Peoria, Illinois. Era inexperiente, como Obama; como Bill Clinton, como JF Kennedy… O discurso de Barack é, em essência, como o de Abraham Lincolm: race doesn´t matter – pretende pacificar e unir o país sob um desígnio de bem-estar.

Há um factor interessante nestas eleições – e que é o do «carácter» do próximo Presidente. Por exemplo, James Carter nunca teria sido Presidente se não tivesse havido o escândalo que minou a Presidência de Richard Nixon. Depois dele os americanos quiseram um homem de família e com fortes tradições e valores morais.

Neste aspecto, a luta fratricida no seio dos democratas pode dar-lhe uma vantagem inesperada. A seu tempo deveria haver alguma contenção estratégia dos candidatos a candidatos; mas não acontecerá pois ambos querem ganhar – é neste contexto que se percebe a proposta de Hillary para uma candidatura conjunta… Se fosse americano diria que «it is not a question of race, but of who wins.»

Estamos já no pós «Bush era» e vai acontecer o mesmo que no pós Nixon. Hillary Clinton pode(rá) não ter a “vantagem” da experiência do marido nesse aspecto, e sabe isso – todos os americanos sabem disso. O que explica os ataques a Barack Obama, nomeadamente a sua relação com o Reverendo Jeremiah Wright.

Ah, e porque não Hillary Clinton como vice-Presidente? Porque tem de ser Barack Obama? Sim, porquê? Bem, é sintomático de agravo que quem falou nesta possibilidade foi a Senadora Hillary Clinton – e a resposta chegou pronta e firme: – «I am not running for vice-President. I am running to be the next President of The United States of America»

Se votasse, o meu voto seria de Barack Obama. Não porque Hillary Clinton seja menos capaz, ser branca e/ou mulher; mas porque não tenho medo do futuro, de apostar na juventude e em ideias novas. E deve-se votar em Obama "só" por ser negro? é uma palavra demasiado leve para se entender essa condição, essa realidade e o momento de realização da comunidade afro-americana que sabe ter dado um passo gigantesto em direcção à verdadeira integração. Ao longe vemos a coisas de forma diferente; não sofremos na pele a diferença...

Uma coisa é certa: se fosse afro-americano e tivesse de escolher entre um negro e um caucasiano nas mesmas circunstâncias, não pensaria dias vezes: escolheria o negro. Chamem-lhe o que quiseram, afirmative action on politics – sim. O contrário pode ser verdade, na Convenção do Partido Democrata (caso cheguem empatados ou com uma diferença diminuta de votos e os “grandes eleitores” tenham de fazer a escolha). Sim, esse(s) pode(m) ser o calcanhar de Aquiles de Barack Obama.

  • Ouça a RADIO TERRA-LONGE. Link na parte superior esquerdo do blog.

terça-feira, 25 de março de 2008

  • imagens da terra...
~ Mindelo desenvolvido (mais?...); Foto do Djibla © ~

~ Gestão imaginativa (brilhante); Foto do Djibla © ~
  • Alguém se lembra do Café Royal do Mindelo? Sim? Pois, era aqui… Foi absorvido pela gestão do PDM – País do Desenrascanço Mínimo.

  • O «LA AMISTAD» E O MEMORÁVEL 9 DE MARÇO

Sobre o «La Amistad» escrevi, há dias, um apontamento. Já tinha, a 9 de Novembro de 2007, escrito aqui no blog sobre a saga de Sengbe Pieh (Joseph Cinquez foi o nome dado pelo «dono» espanhol) e os seus 52 companheiros.

Agora, ao comentar um texto, lembrei-me de um facto que passou desapercebido aquando da visita do «La Amistad» a Cabo Verde. Supostamente o que se pretendia era assinalar o fim do comércio internacional de escravos – o que é, histórica e juridicamente um rolo de equívocos.

Primeiro, o comércio de escravos não terminou com a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América – não. E não! Segundo, porque o «La Amistad» não é – nem deveria ser – o ponto histórico de viragem do comércio de escravos para os Estados Unidos, não.

É que, juridicamente, nunca houve comércio – pois as pessoas livres (estarará subjacente a ideia de que os não livres o possam ser, mas não atentemos nisso) não são objecto de negócio jurídico. É um palavreado histórico que tem peso considerável e que deveria ser revisto, pois pode ser historicamente desculpante à luz das luzes da época.

O ponto de viragem na actividade criminosa de rapto de africanos para o continente americano é algo mais palpável: a decisão dos Juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América no caso «United States v. The Amistad», de 9 de Março de 1841.

O Juiz Conselheiro (Senior Justice) Joseph Story foi o relator do acórdão e o Supremo Tribunal, decidindo, considerou que os africanos do «La Amistad» eram “pessoas livres que tinham sido raptadas e transportadas ilegalmente e que nunca tinham sido escravas”. Segundo o Juiz Joseph Story, «[…] it was the ultimate right of all human beings in extreme cases to resist oppression, and to apply force against ruinous injustice," the opinion in this case more narrowly asserted the Africans right to resist "unlawful" slavery

Decorria o dia 9 de Março de 1841.

Os negros norte-americanos só voltariam a ver um dia assim quando a escravatura foi abolida e a segregação racial proscrita. Temos memória curta, demasiado curta. Folcrore e o money issue também ajudam.

Nessa data o «La Amistad» estava em Cabo Verde, não era? Pois estava: saiu nesse dia do país, de África. Se não me custa a crer que não houvessem verdadeiros cientistas da história a bordo, já me é penoso ter de verificar que no programa da viagem não tenha sido assinalado a data de de Março (o 8 até que ajudava...) e a decisão do Supremo Tribunal dos EUA analisado e discutido pelos académicos, politicos, juristas e homens de cultura do país.

Para isso temos a Universidade! Por isso somos uma terra pejada de muitos e ilustres juristas – o mesmo se diga de homens de História. Para isso temos o Ministério da Cultura! Mas parece que se preferiu o cinema de Spielberg (filme com as naturais imprecisões históricas, mas realista e que revejo também amiúdas vezes – cumpre o seu papel) a atentar na História, a analisar esse acontecimento e documento históricos nas suas várias vertentes…
Mais uma vez, é o acessório que subjuga o importante. Com tantas conferências sobre tudo, não teria o dia 9 de Março sido aproveitado para um evento capaz de projectar a imagem do país no Mundo?

Penso que, penso que sim… Mas o que fazer? Parece que vivemos numa terra de oportunidades perdidas – mas há de haver uma mea culpa qualquer por aí. O «La Amistad» sair do país no dia 9 de Março não lembraria nem ao Diabo! Bem, não lembra(ria) a quem não sabe aquilatar a importância e a dimensão seminal do 9 de Março para a história da jurisprudência norte-americana e da negritude que que se alastraria até aos nossos dias.

Quero crer que os tripulantes do «La Amistad», pararam – algures na nossa costa – e comemoraram esse dia com a dignidade merecida. Mas isso é só a minha fé natural nas pessoas a pensar que não foi falha da organização e que essas viagens da liberdade não passam de um mero negócio. Uma forma de exploração de afectos, de memórias, de raízes e dores perdidas.

Ah, não me esqueci, não! Verdadeiro herói, face de muitos esquecidos, não é a coisa - é o homem.

Transcrevo aqui excerto de um poema escrito por James Monroe Whitefield, um dos primeiros poetas afro-americanos, e dedicado a Sengbe Pieh (Cinque,1853).

  • […]
    Thy name shall stand on history’s page
    And brighter, brighter, brighter glow
    Throughout all time, through every age
    Till bosoms cease to fell or know
    “Created worth or human woe”
    […]

segunda-feira, 24 de março de 2008

~ Santiago, Cabo Verde; foto de Nuno Pombo Costa © ~
  • Non vitae, sed scholae discimus (Não nos ensinam para a vida, só nos instruem para a escola). Juvenal, Epistolas, 115.II.4

    MURAL DA AVENIDA LENOX

    Harlem:
    Que acontece a um sonho adiado?
    Será que seca
    como ao sol uva que mirra?
    Ou encrosta como ferida –
    Donde depois o pus espirra?

    Será que fede como carne em mau estado?
    Ou endurece com açucar por cima –
    Como um xarope melado?

    Talvez só dê de si
    Como peso que incomode.

    Ou será que explode?
    Langston Hughes, 1951

  • APLAUSO DA SEMANA:

O anúncio do Primeiro Ministro de que o Governo pretende introduzir um sistema de maior representatividade dos cidadãos nos Municípios. A ideia é (em 2008) «reforçar o poder de fiscalização das Assembleias Municipais para que as Câmaras sejam responsáveis politicamente perante os parlamentos municipais e garantir, também, um maior controlo dos munícipes sobre as actividades dos eleitos locais» – disse.
Vamos ver se o MPD deixa.

Isaura Gomes, Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, ao afirmar o que muitos não se atreviam a dizer: as mulheres não precisam de quotas para estarem na política. Devem estar, sim; mas pela sua competência. As mulheres cabo-verdianas e a sua dignidade agradecem.

A apologia de uma ética para a política é, também, digna de registo.

  • PARA PENSAR: As críticas feitas pelos autarcas a Wladimir Brito que, durante as VII Jornadas Autárquicas das Regiões Ultraperiféricas, afirmou ser «contra a regionalização porque entendo que o País não tem dimensão para ter regiões, por um lado, e por outro lado não tem recursos económicos, financeiros e humanos para ter regiões».
    Mas como é possível não se conseguir ver o óbvio?

  • UM POEMA DE LUZ PARA O POVO DAS ILHAS
Mais um dia sem luz na Praia.
É destino – dir-me-ão. Não, não é. É incompetência, falta de respeito e de consideração pelas pessoas e falta de rumo e de uma política energética para o país. Há que ir à origem dos problemas. Até lá, não teremos luz que alumie. O que me faz lembrar um poema de Onésimo Silveira sobre o povo das ilhas. Será destas ilhas às escuras, correndo a média luz nas costas do desenvolvimento médio?

Diz o poeta Onésimo Silveira :

«UM POEMA DIFERENTE
O povo das Ilhas quer um poema diferente
para o povo das Ilhas:
Um poema com seiva nascendo no coração da ORIGEM
Um poema com batuque e tchabéta e badias de Santa Catarina
Um poema com saracoteio d’ancas e gargalhadas de marfim!
O povo das Ilhas quer um poema diferente
para o povo das Ilhas:
Um poema sem homens que percam a graça do mar
E a fantasia dos pontos cardeais

Mas, e o que diz o político sobre a escuridão que martiriza Santiago e as outras ilhas? Não sei. Mas alguém lhe perguntou o que pensa ou onde estão os pontos cardeais da luz?

«A criatura de ilha, transcende sempre o mar que a rodeia e a que não a rodeia.», escreveu Dulce María Loynaz del Castillo num dos seus extraordinários Poemas sem nombres (CI).

E se a criatura de ilha – longe do novo poema –, está nas mãos de quem perdeu a graça e a fantasia, onde encontrará a luz que precisa? Sim, onde? – perguntar-me-ão. A poetisa de ilha, pergunta e responde:

¿Y esa luz?
Es tu sombra...

E porque a ilha não é terra firme; a ilha é o menos firme, a menos terra da Terra – diz-nos. O povo das ilhas precisa de um novo poema, sim. De um poema luminoso, de luz, de pão, de emprego, de segurança, de mais para ter a fantasia do futuro: ponto cardeal da juventude.

A democracia – sombra dos homens que perderam a luz do bem fazer – é a luz das ilhas. Ela reside em cada um dos ilhéus cabo-verdianos, sem distinção de qualquer ordem, e deve brilhar para além da incapacidade da ELECTRA, do Governo e dos que perderam a graça olhando para o mar e esquecendo-se de cavar o sonhar.

O povo das ilhas, é capaz – tem de ser capaz – de transcender o mar de adversidade e de escuridão que a incompetência e a omissão dos seus representantes o lançam diariamente.

Sim, povo das ilhas merece ouvir uma nova canção. Mas tem de transcender a sua apatia e tocar a sua música – não tem de dançar consoante a música dos governantes das ilhas, não. O povo das ilhas é a luz da vontade e do futuro. O povo das Ilhas não deve esconder a sua luz debaixo da mesa da inércia.

domingo, 23 de março de 2008

~ Corrente, Bridget Riley ~
  • CORRENTE DE MAR

Hoje (como ontem, como todos os dias), acordei a pensar que tenho saudades da beira-mar. Horas tardias, lembra – promessas imutáveis:

«And what I assume you shall assume,
For every atom belonging to me as good belongs to you


Os sonhos, se forem verdadeiros, nunca morrem – são como «Amor de um dia»; florescem e renovam-se todas as manhãs. Ganham asas, revolvem entranhas, empalidecem luas e são Fénix sonhando Agosto verde e Paris adiadas e à espera do cumprimento, da cura necessária de mãos.

Ah, como o mundo está cheio de regras silenciosas! Como o silêncio é cruel, como mente sem palavras e lavra ondas silenciosas sem praia e desejo não sucumbido.

Hoje (– celebro-te Messias, pelo meu Mar), vou procurar um caracol à beira-mar e, humilde como um pedinte faminto de tudo, pedir-lhe-ei que ressuscite os sonhos guardados no silêncio.

Planto-te em mim – só raízes de ti germinam na minha terra nocturna, só flores de ti sabem o que é a brisa do mar fundido nos gritos dos sonhos na aurora cinzelada de tudo.

  • JUST A LITTLE MORE

    Justa a little more
    And we shall see the almond threes in blossom
    The marbles shinning in the sun
    The sea, the curling waves.
    Just a little more
    Let us rise a little more higher.
    George Seferis

sábado, 22 de março de 2008

AUTARQUIAS. O «OBJECTIVO 11» DO PAICV

  • O líder do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e Primeiro Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves anunciou que o objectivo do seu partido é vencer 11 das 22 Autarquias em disputa nas eleições autárquicas de 18 de Maio. 11! Sim, onze. Não estou em erro; já tinha conhecimento deste facto mas não o levava a sério. – Deve ser brincadeira, pensava.

    Mas, afinal, o objectivo é ganhar as eleições, não perder ou empatar? Terá este «objectivo 11» alguma coisa a ver com os novos Municípios que foram criados? Lembro-me, há alguns anos, do Governo de António Guterres (depois de sucessivas derrotas do PS num dos maiores Concelhos da Europa e uma perdida especial do actual Presidente da CM de Lisboa – António Costa; ficou-me na memória a corrida entre o burro e o Ferrari na Calçada de Carriche e o champanhe, aberto com a televisão em directo, que amargou na contagem dos últimos votos) ter tido a genialidade política de dividir o Concelho ao meio.

    Loures passou a ser dois conselhos – o de Loures e o de Odivelas (zona decisiva e onde o PS perdia, sempre, as eleições para o PCP). Ao fazer a divisão, o PS – que sempre perdera para o PCP –, ganhou dois Concelhos: o de Loures e o de Odivelas (nomeando uma Comissão Instaladora do Município e cujo Presidente viria a ganhar duas as eleições seguintes, até ser substituído – nas últimas eleições, por uma pessoa de confiança do Partido).

    Demétrio Alves, então Presidente da CM de Loures, demitiu-se momentos depois da Assembleia da República ter aprovado a lei – sabia que, em termos práticos, tinha perdido o poder no Município e restava uma saída honrosa, pela porta grande, ofendido com a indignade com que o poder central tratava as autarquias.

    Lembrei-me deste exemplo, agora…
    Não quero crer que o objectivo «onze para cada lado» seja falta de vontade de ganhar – pois mal, muito mal vai o líder que prescinde de ganhar. Seria a imagem do país: a do seu líder que não se atreve a querer ganhar.

    O PM pode e deve fazer mais: tem de dar uma imagem de ambição às suas hostes e ao povo. Se perder, perde. Isso faz parte da vida e o poder não é para satisfação do ego pessoal (ainda que faça bem…) mas sim para ajudar o povo a ter uma vida melhor; ou, pelo menos, a ter a ambição de sonhar.

    Até parece que somos masoquistas. A ser assim – na eventualidade desse empate –, o problema que se viria a colocar depois seria a da eleição do Presidente da Associação Nacional dos Municípios. Como conseguir um consenso nessa matéria? Já vimos que consensos entre o MPD e o PAIVC são partos difíceis; e o povo é que tem dor d´barriga.

~ Guernica, Pablo Picasso ~

  • ATHOS

    Imperadores e Guerras. Decretos:
    não sou capaz de entender a história.

    Ele sentiu os farrapos da sabedoria
    e viu os grandes frescos lentamente extinguindo-se
    no frio das foscas igrejas, um monge
    passeando no pátio; passou silvestres pomares,
    vinha e figos, e ruídas ermidas
    com o pico agudo da montanha sobre tudo.

    Horas trepando, contra moscas e suor, chegou
    ao escurecer. Toda a noite nuvens e chuva sopraram
    e mesmo em frente, em baixo, ele viu o mar
    rastejar silente sobre as enormes rochas,
    e uma pequena ave cinzenta fitava-o, o estrangeiro.
    Philip Holmes

sexta-feira, 21 de março de 2008

~ O coro dos escravos, de Nabuco - Giuseppe Verdi ~

  • Dizia-me um amigo que não devemos celebrar a Páscoa pois ela é de cultura judaico-cristã e «nada te a ver com nós africanos». Sorri, não pude deixar de discordar. Mas estava tão feliz com a sua africanidade e umas cervejas a mais que deixei para outro dia uma conversa sobre esta matéria.

    Nabucodonosor, levou o povo israelita cativo para a Babilónia – era Joaquim rei em Israel, segundo o profeta Daniel. O povo, sonhando com a sua terra amada clamava por liberdade. Demoraria, mas haveria de chegar.

    A liberdade, como coisa de alma – certa e segura como a morte, acaba sempre por se manifestar. O povo de Israel sabia disso, pois lembrava-se da sua libertação do Egipto; daí a sua comemoração da Páscoa.

    Philo e Flávio Josefo – assentes, certamente, em fontes hoje desaparecidas – contam-nos a vida de Moisés no Egipto durante os 30 anos que a Bíblia omite. Aí, nas terras de África, terá tomado conhecimento da doutrina do Deus único de Akhenaton e Nefertiri (pais de Tuthankamom, na verdade Tuthankaton) em Armarna e, com a saída do povo de Israel do Egipto, fundaria a construção doutrinal da grande religião monoteísta.

    Aconteceu, na primeira Páscoa.

    Do mesmo modo que a trindade (defendido inicialmente por escolásticos africanos da Igreja primitiva) tem as suas origens no Egipto, na trindade Osíris, Isis e Horus (Deus da luz, nascido a 25 de Dezembro). Mas tudo, na verdade, pode ser reduzido à procura das nossas raízes em liberdade.

    «O mia Patria, si bella e perduta» (Ó minha Pátria, tão bela e perdida), cantavam os escravos antes de se encontrarem com a liberdade que tinham perdido no Egipto. Ao se ler a letra do hino nacional egípcio se consegue perceber as marcas – conscientes ou não – dessa ideia de liberdade e de amor a Pátria que jaze no coração de todos os homens.

    O local para onde voam todos nossos pensamentos: «onde está no nosso tesouro aí está o nosso coração», dizia o cordeiro de Deus. O amor à pátria e à liberdade é a parte imutável na nossa alma.

    Ah, sigo o coro, pois a minha pátria ainda come o pão asmo da pobreza.

quinta-feira, 20 de março de 2008

REGIONALIZAÇÃO E IDEIAS NOVADAS

Li que os autarcas cabo-verdianos – durante as VII Jornadas Autárquicas das Regiões Ultraperiféricas – ficaram desagradados com a posição de Wladimir Brito sobre a regionalização (opinião cuja extensão não conheço na totalidade).

Este terá afirmado que ser «contra a regionalização porque entendo que o País não tem dimensão para ter regiões, por um lado, e por outro lado não tem recursos económicos, financeiros e humanos para ter regiões». Este juízo é quase tautológico; quase porque há quem não pense assim ou não tenha a noção real do que está em causa.

É uma posição que não agrada aos autarcas (não todos, certamente), pois trava a criação de uma nova classe política. Parece que as opiniões só são boas quando são do agrado de quem as escuta. As críticas às ideias, no entanto, são sempre bem vindas; desde que sejam, verdadeiramente, antíteses.
Discursar sobre ideias com base em lugares comuns não é, de forma alguma, o melhor caminho para a sociedade cabo-verdiana. É que não se trata de gosto, de escolher este ou aquele atavio – trata-se do bem comum e, em última análise, da vida e do bem-estar das pessoas.

Sobre esta matéria, há muito que me tenho pronunciado no mesmo sentido: pois a Regionalização não é, de forma alguma, o melhor caminho para o povo de Cabo Verde. Mas seria, certamente, para os políticos – pelo menos para alguns.
Não sei porque continuo a surpreender-me com o facto de passarmos a vida a discutir as mesmas coisas e não se ver frutos reais dessas discussões. Estamos, sempre, a voltar ao ponto de partida discursivo. A nação merece mais acção e menos retórica para entreter o povo com mera novação de ideias.

Segue, a titulo de exemplo, artigo que publiquei no Liberal on line em a 23 de Outubro de 2006.
  • REGIONALIZAÇÃO OU GESTÃO RACIONAL DO ESTADO?

O Governo anuncia a sua intenção de proceder à uma nova divisão administrativa país, propondo «ilhas-regiões» como forma de resolver o problema da «ausência» do Governo em parte substancial do país. A intenção, por si mesma, é boa, nem que seja porque consubstancia uma mea culpa do Governo ao admitir a sua – manifesta – ausência governativa na maioria do território nacional que, por via disso, prejudica o desenvolvimento harmonioso do país.

Admite o executivo, como «órgão superior da Administração Pública» (Artº.184º. CRCV), a sua falência nessa matéria; o que, na verdade, é de aplaudir tendo em conta a vontade manifestada de colmatar essa omissão. E não consigo deixar de invocar a memória de Juvenal que bem dizia que «O primeiro castigo do culpado consiste em que nem ele mesmo se absolveria, se se julgasse ante o seu próprio tribunal» (Juvenal, Sátiras, XIII.2).

Mas, auto censuras à parte, se o problema que quer resolver é o da ausência e do consequente entrave ao desenvolvimento que isso representa, o remédio político-administrativo elegido é, claramente, desadequado; pois uma coisa é a questão da «Regionalização», outra a ausência do Governo ou poder central nas ilhas – junto dos administrados. Este problema resolve-se com a descentralização de serviços e a desconcentração de competências e poderes administrativos no Governo e não com o estender desses poderes centralizadores às «ilhas-regiões» entendidos como extensões do Governo.

Uma coisa é a Regionalização – que implica um poder político regional autónomo e classicamente legitimado pelas pessoas residentes nessas regiões, e que não pode emergir da vontade do Governo mas da Assembleia Nacional (a Constituição, ainda que seja omissa sobre regiões político-administrativas, admite, em leitura clara, a sua criação (Artº.277º. CRCV) – e outra é a descentralização e a desconcentração de poderes que podem ser feitas sem recurso à uma reconfiguração da divisão política e administrativa do país, nomeadamente com a Regionalização que pode ter as suas virtualidades mas não é uma necessidade do país nem dos cidadãos.

O que está em causa, na verdade, é a gestão racional dos meios que o Estado de Cabo Verde tem ao seu dispor e como, efectivamente, os distribui; não é a «forma» como o país está dividido. E, neste sentido, a ideia de criar-se «estruturas de coordenação» em cada ilha não é, de facto, uma ideia descentralizadora; pelo contrário – é levar às ilhas, ainda que de forma mediata, o centro do poder governamental. Descentralizar implicar distribuir, retirar do centro de um dado facto, cometer a outrem poderes e/ou competências, e isso não parece resultar das ideias iniciais do executivo governamental.

Assim como parece resultar das palavras de Ulisses Correia e Silva, que o MpD está disposto a considerar a Regionalização como forma de (re)organização do país que, deste modo, passaria a ser um «Estado Regional» com um poder (a) Central, um poder (b) Regional e um poder (c) Local. Mas não me parece que essa seja a melhor solução para o país; ainda que, em termos teóricos, a regionalização seja a forma politica-administrativa de gerir a coisa pública que maiores poderes recebe do Estado central e, consequentemente, realiza em maior extensão a descentralização.
Mas do que falamos? De «Regionalização» como fim ou como meio de bem-estar do país e do seu desenvolvimento? Se é, como deve ser!, enquanto meio, a verdade é que é desnecessária; quer por existirem outros mecanismos, quer porque iria, certamente, ter o efeito «boomerang» quanto ao que o Governo pretende evitar ou solucionar.

O país não pode, nem deve, desperdiçar recursos materiais e humanos; é La paliciano esta afirmação. Se se quer fazer uma verdadeira descentralização e desconcentração de poderes, porque não o fazer com o recurso ao reforço e alargamento das estruturas locais? Uma reforma administrativa consentânea com a nossa realidade, deve passar pelo fortalecimento do poder local autárquico, com desconcentração de poderes e competências que se encontram na esfera governamental que o bem governar exige que esteja mais próximo das pessoas.
À essa desconcentração deve-se seguir uma descentralização de serviços do Estado – o Provedor de Justiça (que tarda em ser instalado…), v.g., poderia muito bem ficar sedeado noutra ilha que não Santiago; assim como a gestão de serviços básicos para a população pode(riam) ser cometida(s) às autarquias.

O povo das ilhas não precisa da «presença» física do Governo, precisa de um Governo que governe e resolva os seus problemas; que venha ao encontro das suas necessidades e com realismo político, social e económico. A criação de um «coordenador governamental» nas «ilhas regiões» constitui, no plano politico, social e económico uma solução eivada de uma racionalidade que não descortino a utilidade para as populações.

Admito que, no limite e a par do reforço dos poderes e competências das autarquias, se criasse um Governador Civil ou um Ministro da República; mas isso no pressuposto de que o Governo tenha meios financeiros para um empreendimento dessa natureza. Mas isso iria, pela leitura do pensamento governamental, contra a ideia de equidade de administração e de desenvolvimento da ilhas, pois não seria possível ter essas instituições em cada uma das «ilhas-região».

No actual quadro legal e constitucional – e considerando aquilo que será verdadeiramente possível, a solução adequada, seguindo a lógica da «solução do problema», seria a de criar-se «autoridades administrativas independentes» (Artº.236º., nº.3 CRP) sob supervisão do Governo. Estar-se-ia, então, não perante entes com competências políticas mas sim meramente administrativas. Estruturas análogas às denominadas «Lojas do Cidadão» que aproximem a Administração central, isto é o Governo, dos administrados e ligados ao famigerado e-government e às autarquias são soluções simples e com uma utilidade há muito demonstrada.

Claro está que o Governo tem (terá) as suas soluções alicerçadas em estudos sustentados que demonstrarão que a estrutura de «ilha-região» como «a melhor solução» para o país. Por isso mesmo, deverá demonstrar aos cidadãos administrados que esta ideia pioneira – e contra natura em face da estrutura geográfica, demográfica, económica e social do país – tem um sustentáculo técnico bastante.

Deste modo, o temor manifestado pelo MpD na voz de Ulisses Correia e Silva, de que esta reforma putativa venha a ressuscitar figuras não gratas do passado não faria assim sentido, ainda que o perigo, a tentação, sempre exista; afinal, como dizia-me no outro dia um sacerdote amigo, «quem não gosta de maça?...» Neste contexto, o poder local deve ser considerado como parceira privilegiada para aproximar o poder central dos governados; pois no contexto social de cabo Verde estamos a falar de desenvolvimento.

Na verdade, uma reforma administrativa coerente e que considere as especificidades do país exige dos actores políticos um consenso alargado em volta de uma coisa simples: todos devem servir o país e encontrar a melhor solução para o bem estar dos cidadãos. O poder local não é contra poder da Administração central; é poder de proximidade, de gestão imediata da coisa pública e, nesse sentido, os Municípios podem e devem ser potenciados para exercerem essa função pública em particular. Nesse aspecto, podem e devem exercer poderes que são do Governo central, desde que haja o devido enquadramento legal.

É uma questão de racionalidade na gestão de meios, reitero. Não é uma questão de política partidária – de ganho e perda dos partidos; é da ordem do bem-estar de todos os cabo-verdianos. Em rigor e em última análise, não é de reformas administrativas que o povo precisa; o que demanda é eficácia governativa na administração da coisa pública. Sei que os meus concidadãos aí no Tarrafal de Montrigo, Paul, Assomada, Mindelo, Chã das Caldeira, Sal, Praia, Casas Velhas, Nova Sintra e em todos os recantos de Cabo Verde concordarão comigo e anseiam por essa eficácia necessária a repercutir-se no seu dia-a-dia.

Seja como for, a realidade é que o Governo e o MpD parecem estar de acordo quanto à regionalização – como fim ou objectivo, parece… Ora, se estão de acordo quanto ao fim, não vale a pena andarem a perder tempo com discussões; basta chamarem os técnicos competentes e perguntarem: «qual é a melhor forma de fazermos isto?» E ficar à espera da solução…
O problema é que a regionalização não é fim; é meio. E, certamente, não é o meio mais adequado à realidade cabo-verdiana. Como dizia Tagore, reinventando um velho ditado indiano, «devemos entender a perna de acordo com o tamanho do lençol.» E o nosso lençol, na verdade, não dá, pelo menos de momento, para uma Regionalização a sério, como aquela que defende o MpD; e a propugnada pelo Governo parece, à partida, falha de sentido. À partida, pois se os estudos técnicos existentes forem convincentes e existirem meios para os executar…

E como o tempo não é propício e a natureza é redonda, é natural que na Assembleia Nacional se levantem vozes altissonantes e, quais Ciceros contra Catilinas digam: «Oh tempos, oh costumes!»

quarta-feira, 19 de março de 2008

~ And I love Her, The Beatles ~

Há horas que chove em Lisboa. Acabo de terminar um documento que me azucrinava os miolos e – ao pensar no prazer que a chuva me proporciona ao bater na janela enquanto trabalho – chego à conclusão de que é uma coisa muito mal distribuída – assim como o bom senso.

Porque não vai alguma para a minha terra? É claro que falo da chuva; do que poderia ser?

Bem, mas há coisas que podem ser distribuídas por todos. Contribuir para o programa das Nações Unidas contra a fome é uma delas. Melhore o e vocabulário em inglês enquanto doa arroz ao programa. http://www.freerice.com/

  • THE THOUSANDTH MEN

One man in a thousand, Solomon says.

Will stick more close than a brother.
And it's worth while seeking him half your days
If you find him before the other.
Nine hundred and ninety-nine depend
On what the world sees in you,
But the Thousandth Man will stand your friend
With the whole round world agin you.

'Tis neither promise nor prayer nor show
Will settle the finding for 'ee.
Nine hundred and ninety-nine of 'em go
By your looks, or your acts, or your glory.
But if he finds you and you find him,
The rest of the world don't matter;
For the Thousandth Man will sink or swim
With you in any water.

You can use his purse with no more talk
Than he uses yours for his spendings,
And laugh and meet in your daily walk
As though there had been no lendings.
Nine hundred and ninety-nine of 'em call
For silver and gold in their dealings;
But the Thousandth Man he's worth 'em all
Because you can show him your feelings.

His wrong's your wrong, and his right's your right,
In season or out of season.
Stand up and back it in all men's sight
With that for your only reason!
Nine hundred and ninety-nine can't bide
The shame or mocking or laughter,
But the Thousandth Man will stand by your side
To the gallows-foot - and after!
Rudyard Kipling
Um homem entre milhão – precisam todos. Aquele que está ao nosso lado em qualquer circunstância. Rudyard Kipling faz referência às palavras de Salomão de «O homem de muitos amigos deve mostrar-se amigável, mas há amigo mais chegado do que um irmão» (Provérbios, XVIII.24).

Mas Salomão não era – como Rudyard Kipling (basta ler O Livro da Selva ou O Homem que Queria ser Rei para perceber isso) –, um optimista; pois tinha tido irmãos como Amon e Abasalão. Com o fardo do poder, cedo aprendeu que o verdadeiro amigo era a sabedoria e não o homem. Como gostaria(mos) que Rudyard Kipling tivesse razão – e que até os lobos pudessem ser amigos do homem!

Salomão não encontrou o seu amigo (e muito menos amiga, a avaliar pelo que diz - já na velhice - no Eclesiastes). Há quem o encontre e o perca por coisas menores – como em «O Homem que Queria ser Rei» de Kipling. E acontece todos os dias. Eram, sem dúvida, homens de outras eras (a alma humana terá piorado com o passar dos tempos?).
Dá saudades destes tempos não não vividos; não dá?

segunda-feira, 17 de março de 2008

~The Scapegoat, William H. Hunt, 1854 ~


  • O BODE ESPIATÓRIO DA DEMOCRACIA E O AMANHÃ

    O amanhã (será hoje como será ontem) morre todos os dias – a razão de milhares por segundo – em todo o mundo e nem nos damos conta disso. Como a dor não é nossa, não o sentimos de todo…

    Como se não bastasse essa fatalidade da natureza, não raras vezes aparecem alguns que fazem tudo para “matar” o futuro dos que ficam. Não somente no sentido biológico mas também moral – muitas vezes com a “razão” e motivação da serpente perante a luz do pirilampo.

    Agora, os que não fazem a grande viagem em descoberta da última e forçada aventura, não raras vezes são sacrificados às acções e omissões de toda a humanidade e de cada cidadão em concreto; sim, tu e eu também. Mas é claro que a culpa é dos Governos (a forma legítima de libertarmos a nossa consciência e responsabilidade) e os cidadãos não têm nada a ver com isso.

    Cerca de 10 milhões de crianças (o amanhã, diz-se muitas vezes) morrem todos os anos, a maioria de causas evitáveis pelos detentores do poder e pela solidariedade da sociedade civil e dos lobbys económicos e políticos em geral. Mas não nos importamos – a dor não é nossa. Para termos uma ideia real, tal corresponde a totalidade da população de Portugal ou a cerca de dez vezes o número de cabo-verdianos em todo o Mundo.

    Mas porque nos preocuparmos com isso? Tal é da competência do(s) Governo(s), esses malandros a quem damos o fardo do poder e que nunca fazem nada – mesmo e ainda que realizem milagres de multiplicação e quejandos. Ah, viva a democracia representativa! Viva o bode expiatório da modernidade e da República!

    Não é, de algum modo, uma forma de matarmos o futuro? Ou será o amanhã? Ou, se virmos bem, o «hoje» dos nossos descendentes – filhos, netos? Afinal, para quê e porque vivemos e nos esforçamos tanto? Pois é…

    E se é assim, devemos encontrar um bode expiatório para as nossas responsabilidades ou devemos abrir os olhos para as doenças que sofremos como colectivo e agirmos de modo consciente? Ajudar a combater os assassinos silenciosos – como a pobreza, a fome, as doenças e, já agora, a incompetência endémica – não deve ser assim tão difícil.
  • Ah, esta manhã acordei a pensar nas Portas do Paraíso; mas como o paraíso está longe...

domingo, 16 de março de 2008

~ Prisões na África do Sul, foto de Mikhael Subotzky ~

  • POLICIAS, SISTEMA PRISIONAL E ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO

É o título de um artigo que publiquei no Liberal on line. Quem se interessar por estas questões poderá lê-lo no jornal. http://www.liberal-caboverde.com/noticia.asp?idEdicao=64&id=17649&idSeccao=527&Action=noticia

~ O Seppuku de Yukio Mishima ~

  • O suicídio de Yukio Mishima – um dos meus novelistas preferidos –, em nome e defesa da restauração da dignidade e tradições do povo japonês, é um dos acontecimentos mais impressionantes do Século XX.

    O Seppuku ocorre – no Outono de 1970 – na sequência de uma tentativa de subverter, pela via militar, a ordem constitucional japonesa emergente do Tratado de Tóquio de 1945 (imposta pelos aliados) que expurgou o Imperador Hiroito de grande parte dos seus poderes e o humilhou ao obrigá-lo a renunciar a sua condição divina.

    Mishima desejava não apenas a restauração dos poderes do Imperador e das tradições nacionais japonesas – em face da pressão que a sociedade japonesa sofria pela cultura norte-americana – mas um retorno às virtudes ancestrais que, na sua perspectiva, eram susceptíveis de travar a ocidentalização do país.

    Morreu em nome da sua última utopia – como faziam os guerreiros da arcana tradição nipónica. Diz-se que a sua morte foi em vão, que os tempos provaram que estava errado e não precisava de fazer o suicídio ritual.

    Engano. É por saber que estava perante uma utopia e que não podia fazer nada para alterar o rumo da história que resolveu deixar um legado de reflexão com o render da sua vida. Morreu com a honra de escolher o sentido da sua vida – era, para si, um direito morrer com dignidade. Foi um dos primeiros críticos da globalização da cultura e de sentidos de vida - da uniformização do mundo.
  • O vídeo - que sofre de graves imprecisões narrativas, ainda que no essencial o ritual seja esse - não é aconselhável a pessoas impressionáveis.

sábado, 15 de março de 2008

~ O Castigo da Ingratidão Filial, Jean Baptiste Greuze ~

  • ITHACA

    When you set out on your journey to Ithaca,
    pray that the road is long,
    full of adventure, full of knowledge.
    The Lestrygonians and the Cyclops,
    the angry Poseidon - do not fear them:
    You will never find such as these on your path,
    if your thoughts remain lofty, if a fine
    emotion touches your spirit and your body.
    The Lestrygonians and the Cyclops,
    the fierce Poseidon you will never encounter,
    if you do not carry them within your soul,
    if your soul does not set them up before you.

    Pray that the road is long.
    That the summer mornings are many, when,
    with such pleasure, with such joy
    you will enter ports seen for the first time;
    stop at Phoenician markets,
    and purchase fine merchandise,
    mother-of-pearl and coral, amber and ebony,
    and sensual perfumes of all kinds,
    as many sensual perfumes as you can;
    visit many Egyptian cities,
    to learn and learn from scholars.

    Always keep Ithaca in your mind.
    To arrive there is your ultimate goal.
    But do not hurry the voyage at all.
    It is better to let it last for many years;
    and to anchor at the island when you are old,
    rich with all you have gained on the way,
    not expecting that Ithaca will offer you riches.

    Ithaca has given you the beautiful voyage.
    Without her you would have never set out on the road.
    She has nothing more to give you.

    And if you find her poor, Ithaca has not deceived you.
    Wise as you have become, with so much experience,
    you must already have understood what Ithacas mean.
    Constantinos Cavafys
  • Para escutar/listen to: mms://radioterralonge.homeftp.net/radio terra-longe

sexta-feira, 14 de março de 2008

~Maria Blanchard, Composicion Cubista ~


  • «[...] suponhamos um homem em pé. Se eu me dirijo a ele pela direita e me coloco a seu lado, ele estará à esquerda em relação a mim não porque ele mesmo seja esquerda, mas porque eu me coloquei à direita. Agora, se eu me aproximo pela esquerda ele se torna direita em relação a mim: e, de novo, não porque ele seja em si direita (como ele é branco ou alto), mas por causa do meu posicionamento. Fica tudo na dependência de mim e nada tem que ver com o seu ser em si.» Boechio, De Trinitate

quinta-feira, 13 de março de 2008

~ A Marcha Fúnebre de Siegfried, Richard Wagner ~


  • Lucrécio terá sido o primeiro poeta/pensador que, ao se confrontar com a maldade humana, percebeu algo de extraordinário:

    – O homem é mau porque sabe que vai morrer. Somente quem pensa a vida como eternidade é bom. Tenho de concordar; pois é, claramente, algo que distingue as pessoas. A maldade torna o homem pequeno e essa pequenez fá-lo avaliar os outros pela sua estatura. E não vê somente os outros assim; todo o mundo encontra-se sujeito à essa visão.

«LA AMISTAD» E A NOVA ESCRAVATURA

Há alguns anos, durante uma conversa com o de cujus Manuel Delgado, o mesmo contou-me um episódio que se passou ao visitar a casa dos escravos na Ilha de Gorée, Senegal.

Na altura, estava com uma delegação governamental de visita oficial ao país e um representante da nação – cujo nome fica perdido nas palavras da sua confidência, mas que sabe o que disse –, pasmado com a qualidade do local, não se conteve e exclamou:

– Não sabia que pretos eram capazes de fazer coisas assim!

Manuel Delgado falava-me dessa palavra preto usado pelo governante (e do modo de dizer, soou-lhe a nigger) e relembrava-lhe de que, quando era menino no Mindelo, existia essa diferença entre pretos e brancos e que somente a capacidade económica ou algum protagonismo social daqueles conseguia prescrever.

Hoje, os africanos e afro-descendentes de todo o mundo continuam com uma herança psicológica de menoridade em função da raça e, não raras vezes – como a expressão do governante referido e a forma como se tratam os ditos «mandjakus» em Cabo Verde é prova bastante –, esquece-se a pessoa e os seus valores.

A euforia com que se vê a candidatura de Barack Obama a candidato a Presidente dos Estados Unidos é, também, uma demonstração de que a comunidade negra mundial ainda não se libertou do estigma racial e que vêem no Senador do Illinois não como uma pessoa com um projecto mas sim como um redentor da alma da escravidão. Mas este recôndito dream jaze numa falácia pois tal resgate é somente aparente – a escravidão é, ainda, uma realidade em muitos países do mundo, quer na forma tradicional quer na moderna.

A passagem do La Amistad por Cabo Verde terá servido, espero, para as pessoas pensarem que o tempo da escravidão não terminou – mudou de forma, mas em substância é a mesma e persiste. Os locais naturais de passagem são e continuam as mesmas – Cabo Verde tem esse destino histórico ditado pela sua estrutura geomorfológica e não pode escapar a isso. O passado é importante, mas o presente e o futuro são-no ainda mais.

Em Outubro de 2007, o historiador Daniel Pereira defendia numa conferência «Cidade Velha: O Futuro do Passado» que a "A primeira globalização do mundo dá-se aqui. Recebemos de todos os sítios e demos a todos os sítios". E se assim foi (será assim no Séc. XV se considerarmos o novo mundo e declaração de conhecimento da África subsaariana, mas não verdadeiro se se olharmos para o passado mais remoto), não existe razão para que ainda se continue a tratar as vítimas do novo tráfico negreiro – transporte ilícito de (e)imigrantes – como criminosos e sujeitos à prisão como se fosse autores de delitos comuns.

A globalização não é, de forma alguma, um mal em si mesmo. A globalização do conhecimento, da cidadania e da riqueza são mais valias para uma humanidade sustentada e uma ética do outro.

A forma como se tratam os imigrantes ilegais em Cabo Verde não é, em substância, diferente daquela a que Sengbe Pieh (conhecido como Joseph Cinquez) e os seus 52 companheiros do La Amistad foram tratados pelos norte-americanos, ao darem à costa em Long Island, Nova Iorque, no dia 24.01.1839.

Será que o povo migrante de Cabo Verde teve tempo e vontade de reflectir sobre isso? Ou o povo das ilhas terá revisitado um outro passado e ficado entretido na festa e, siderado p´vzita d´mercône, pensou que vapor d´Sul tinha chegado, uma vez mais, ao Porto Grande?

Temos de parar um pouco, como povo e nação, e pensar no essencial, isto é, nas pessoas, na sua dignidade e nos (nossos) valores que devem nortear as politicas migratórias.

Não temos, certamente, de pensar (como o referido representante [?] da nação cabo-verdiana) de forma eurocêntrica, como se fôssemos europeus, e nem temos, necessariamente, de ser guardiões dos portões da Europa.

quarta-feira, 12 de março de 2008

~ Friedrich Nietzsche, Max Klinger ~

Friedrich Nietzsche
Diez mandamientos para escribir con estilo

1. Lo que importa más es la vida: el estilo debe vivir.
2. El estilo debe ser apropiado a la persona, en función de una persona determinada a la que quiere uno comunicar su pensamiento.
3. Antes de tomar la pluma, hay que saber exactamente cómo se expresaría de viva voz lo que se tiene que decir. Escribir debe ser sólo una imitación.
4. El escritor está lejos de poseer todos los medios del orador. Debe, pues, inspirarse en una forma de discurso muy expresiva. Su reflejo escrito parecerá de todos modos mucho más apagado que su modelo.
5. La riqueza de la vida se traduce por la riqueza de los gestos. Hay que aprender a considerar todo como un gesto: la longitud y la cesura de las frases, la puntuación, las respiraciones; también la elección de las palabras y la sucesión de los argumentos.
6. Cuidado con el período. Sólo tienen derecho a él aquellos que tienen la respiración muy larga hablando. Para la mayor parte, el período es tan sólo una afectación.
7. El estilo debe mostrar que uno cree en sus pensamientos. No sólo que los piensa, sino que los siente.
8. Cuanto más abstracta es la verdad que se quiere enseñar, más importante es hacer converger hacia ella todos los sentidos del lector.
9. El tacto del buen prosista en la elección de sus medios consiste en aproximarse a la poesía hasta rozarla, pero sin franquear jamás el límite que la separa.
10. No es sensato ni hábil privar al lector de sus refutaciones más fáciles; es muy sensato y muy hábil, por el contrario, dejarle el cuidado de formular él mismo la última palabra de nuestra sabiduría.


ELEIÇÕES AUTARQUICAS. A DEMOCRACIA E DEBATE DE IDEIAS

A democracia vive de ideias e projectos concretos com vista a alcançar o melhor nível de bem-estar dos cidadãos. Não é um sistema em que a lógica da coutada política ou do caciquismo deva ter lugar predominante.

Acontece que quer uma quer outra lógica (de coutada e/ou de cacique) sobrevivem quando as ideia são sacrificadas e o que importa é o nível de implantação dos interesses de um outro grupo político ou de uma outra individualidade.

Esta lógica é uma lógica antidemocrática pois vicia o «jogo» político e a vontade dos eleitores. Além de representar uma ideia de que o povo é «incapaz» de escolher bem que deva governar.

E porque arrazoo sobre esta questão, perguntar-me-ão. É que, no actual estádio da sociedade de pró desenvolvimento e de comunicação, não faz sentido que os candidatos às eleições autárquicas em Cabo Verde não venham a debater publicamente as suas propostas, com debates públicos e participação escrutinadora dos cidadãos eleitores.

Nas últimas eleições – quer presidenciais quer legislativas – o povo de Cabo Verde teve de votar sem saber, de forma clara, quem eram todos os candidatos (legislativas) em que votavam ou quem era o melhor homem (que poderia aferir através de debates públicos promovidos pela comunicação social) para o cargo presidencial.

Digo isso sem nenhum juízo de valor sobre os resultados eleitorais ou sobre os méritos de quem ganhou e/ou perdeu. Mas já emito um juízo de valor sobre a qualidade de uma democracia em que o debate público das ideias e dos projectos não tem lugar natural. E o juízo não pode ser senão o da mão escrevendo na parede: Mene Mene Tequel U Farsim – pesado foste na balança e achado fostes em falta.

A comunicação social de serviço público tem o dever de informar os cidadãos, nomeadamente sobre o exercício do seu dever cívico de votar e, acima de tudo, da dimensão da responsabilidade do poder de soberania que exerce no acto eleitoral. Este só é verdadeiramente poder se o cidadão for capaz de o exercer de forma livre e consciente; se não for assim, o mesmo é estéril e a sua passagem formal para os representantes eleitos não corresponderá à verdadeira vontade popular.

Será, assim, uma democracia de fachada – formal mas sem substância real.

Esse dever de informar da comunicação social, aliado (a) ao dever de informar e de sujeitar ao escrutínio público prévio as ideias e os projectos para as autarquias e (b) aos direitos dos cidadãos julgarem o que entenderem ser o melhor projecto social para a ilha onde vivem, demandam o confronto público dos cidadãos que desejam governar as ilhas.

O povo não somente merece com tem o direito de saber quais são os desígnios que movem os candidatos, de Santiago a Brava, passando por Santo Antão, S. Vicente, Fogo… Todos os ilhéus cabo-verdianos demandam um futuro melhor. Quem a oferece? Quem é capaz de concretizar os seus sonhos e anseios legítimos? Têm o direito de saber quem vem lá, quem é o Senhor(a) que se chegue e o que se propõe.

Não é conhecimento inato – como o sabe p´cagá – ou adquirido em razão dos nomes das pessoas, a sua popularidade ou o costume de ver o indivíduo no poder (princípio da inércia) que deve ser o norte e fundamento da decisão dos cidadãos: São as ideias, os projectos e a capacidade de realiza-las.

Sem debate, o povo é enganado – pois não faz a escolha certa e esclarecida, pois não tem todos os dados necessários para decidir o sentido do seu voto. É como o Primeiro Ministro decidir como gerir um dado dossier com informação deficiente. Sem debate as eleições são viciadas por natureza e a democracia é mero nomem cujos valores são, claramente, violadas.

Os cidadãos de um país não podem nem devem ser marionetas do teatro político – devem ser os julgadores do nível de bem-estar que os seus representantes são ou não são capazes de garantir.

Um povo esclarecido tem, certamente – como o demonstra a história mais recente da humanidade –, os melhores governantes e um nível de vida melhor. É, essencialmente, por esta razão que os países com cidadãos mais informados e conscientes do seu poder e capacidade eleitoral (fundamento do Estado republicano e democrático) têm alcançado os níveis de desenvolvimento social e económico nos últimos dois séculos.

Quem decide o destino do desenvolvimento de um povo não são os governantes – são os cidadãos eleitores. Quando os seus representantes falham, é o povo que o sente e sofre; merecidamente, pois quem falhou primeiro foi quem escolheu tais representantes e depositou neles o seu destino.