terça-feira, 29 de setembro de 2009

  • MANUEL DE NOVAS: O TRIUNFO FINAL

    Se a Pipa é a alma da China tradicional, o Enka representa o espírito do Japão que emergiu das raias do feudalismo para a modernidade, o Fado o espírito do Portugal migrante ou Leonard Cohen o paradigma dos trovadores do século XX, Manuel de Novas é, para Cabo Verde, um dos cultores maiores da nossa alma migrante, a que jaz na expressão da nossa natureza diasporizada e imposta pelo confinamento ilhéu e que se revela na dimensão poética do nosso povo, em particular na Morna. E neste aspecto, Manuel de Novas é, sem favor, um dos cimentadores da nossa nacionalidade, da nossa identidade cultural e uma das expressões maiores do wit Mindelense. O Mundo, é assim: vai parindo e tragando todos. Petrarca, no seu belíssimo poema Triunfo da Morte, adverte da evidência esquecida:

    Ó cegos que aproveita o afadigar?
    Que logo vos tornais à madre antiga,
    E muito pouco o vosso nome há-de durar.


    O nome de Manuel de Novas, durará. Pois emprestou ao Mundo, em particular ao universo crioulo, um legado de beleza que perdurará para lá da memória dos meros mortais. Viu-nos, e a nossa condição, com olhos de beleza da arte. Esta é a condição do poeta, a que o desiguala de forma mais evidente dos demais homens: ao se tornaram iguais pelo nivelamento final da natureza, concede a alguns a felicidade ausente de viverem para sempre. Por essa razão o passamento dos poetas para a maior aventura não se chora, pois celebra-se um novo nascimento. In divus relatus est, Manuel de Novas.
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Imagem: Jean Louis Grig — Fécondités

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Por vezes, pergunto-me como será estar a beber vinho novo com Horácio, Seferis e Alexander Pope; estar sentado à sombra de mil luas com Dulce Maria Loynaz del Castillo com um puro ainda virgem e um rum selvagem… como será levar um pouco de humanidade a Shamayim. Neste aspecto, Kierkegaard está errado, hoje.

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