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- OBAMA — «O LUMINOSO», O DEFINHAMENTO CULTURAL DA AFRICANIDADE CABO-VERDIANA E A (NÃO) CRITICA DA GOVERNAÇÃO
A propósito de ter chamado o Presidente Barack Obama de o Luminoso no texto que escrevi sob o título «HILLARY CLINTON E 35 RAZÕES DA BOA (NÃO) GOVERNAÇÃO DE JOSÉ MARIA NEVES» e publicado no Liberal on line recebi alguns e-mail inusitadamente pouco simpáticos, pois, na perspectiva dos emissores dos mesmos, estaria a referir-me de forma jocosa ao Presidente Barack Obama (além de ofender os políticos cabo-verdianos). Aqui e agora, publicamente me penitencio: peço desculpas a essas pessoas; e peço desculpas por ter a veleidade de ter pensado que tal era, seria, consabido e que os olhos servem para ver. Mas como não é, explico aos mesmos o seguinte:
O nome Barack, de origem africana (da púnica Cartago), é, antes de mais e como em regra acontece, um adjectivo. O povo judaico que, segundo a Bíblia, tem origens comuns com o povo africano, também usava e usa o mesmo nome e, o que é curioso, com o mesmo significado. Encontramos o nomen «Barack», no livro de Juízes (Juízes, IV.6), mas ficaria na história pelas suas raízes africanas. Foi inicialmente usado para Amílcar que, por suas vitórias, foi cognominado como «Barak» ou «Barack»=o Luminoso e que os ocidentais chamam de «Barca». Assim, Amílcar – general e mais tarde Sufeta de Cartago que revelaria o seu projecto social e revolucionário no início das guerras púnicas (guerras entre África e Roma pelo controlo das rotas comerciais no mediterrâneo e pela posse das colónias africanas da Sicília, Hispânia e da Córsega) — ficou conhecido como Amílcar «Barca», id est: «o Luminoso».
Sendo certo que o seu filho, Aníbal (por Trébia, Tesino, Transimeno e, essencialmente, por Canas), seria mais merecedor do cognome que o pai e, com justiça, é chamado de «Barack». A história, assim o fez: herdou do pai – e pela sua grandeza (é um dos cinco maiores generais da História militar) o cognome «Barack».
E assim Amílcar e Aníbal (assim como o irmão deste, Asdrúbal — que foi menos feliz que Aníbal) ficaram conhecidos na História com o mesmo cognome: «o Luminoso» (é claro que o conquistador acidental, sim: acidental e também ocidental, se encarregaria de transformar o adjectivo em nome; na verdade, sem saber, recuperava a essência do nome em si). Os cognomes eram comuns na história antiga, como, por exemplo, o Cônsul Cipião Emiliano — conhecido como Cipião «o Africano» (por ter vencido Aníbal na trágica batalha de Zama), e o seu filho homónimo (o da queda e destruição de Cartago) como Africanas minor. Assim como Catão era conhecido como «o Censor» ou «o Velho», ou Octávio tomou o cognome de «Augusto», isto é: «divino», e que, com o tempo, de adjectivo qualificativo tornar-se-ia em nome próprio. E se o nome de Augusto foi escolhido por Octávio por razões políticas (essencialmente as mesmas que o levariam a encomendar a magistral Eneida ao poeta Virgílio), a conselho de Agripa e Caio Mecenas, o «Barack» de Amílcar emergiu da alma do povo africano que o achou e considerou um homem extraordinário, isto é: Barack – «luminoso».
Aníbal, o mais luminoso dos «luminosos» africanos (na história de África e do ocidente que o precedeu no século III a.C. encontram-se poucos nomes que o igualam em glória e fama: Seti I, Ramsés II e Amenófis IV – Akenaton em África; Péricles e Alexandre da Macedónia na Europa nascente da Grécia), seria chamado pelos ocidentais, depois retirarem o sentido ao seu nome e passar a ser Barca, de Aníbal «o Cartaginês», o nome do inimigo vencido e não Aníbal o Africano ou Amílcar Barack o Luminoso e grande estratega que a história, injustamente, se encarregaria de vituperar com a odiosa inverdade de ter sucumbido às «delicias de Cápua». Mas o nome sobreviveria na sua forma africana, e nos confins de África até chegar aos nossos dias. E o pai de Barack Obama, pela sua cultura africanista e formal, sabia porque nomeou o filho de «Barack», e em boa hora o fez – pois, por um incidente da história, retoma a memória de três dos maiores africanos da História: Amílcar, Aníbal e Asdrúbal Barack — «os luminosos». O mesmo aconteceu com o povo judaico – mesmo depois do grande exílio imposto por Tito Vespasiano – que conservou o nome; daí termos nomes como, por exemplo, o de Ehud Barak.
É que em África, mesmo na África colonizada, sempre se teve o cuidado de dar aos filhos nomes com sentido. Assim, em Cabo Verde — assim como nas colónias portuguesas em geral – desafricanizou-se os nomes, mas a consciência africana das populações fê-las adaptar-se, num fenómeno de aculturação sobrevivente e em termos onomásticos, com a arma maior do colonizador: o cristianismo. Assim, a título de exemplo, os dezasseis filhos que a minha avó materna gerou e pariu em Santo Antão foram nomeados com nomes de santos, mártires e figuras maiores do cristianismo: Eusébio, Daniel, Moisés, Sara, Efigénia, Helena… sendo ela mesma Estevina (de Estevão, o primeiro mártir do cristianismo). O mesmo se diga da minha família paterna, da ilha do Fogo: o meu avô, Pedro Alexandrino (e as dezenas de filhos que legou ao Mundo), casado com Ana, seguiu o mesmo padrão cultural ao nomear os filhos: Joaquim, Juvenal, Pedro, Virgílio… que, também, seguiriam o mesmo padrão e chamariam os filhos de Virgílio, Ana, Maria, Alexandrino, Pedro, etc… não é acidente, é cultura!, cultura no sentido mais profundo da palavra, e é um dos factores da nossa identidade que vai morrendo: os nomes dos cabo-verdianos são escolhidos à moda do modernismo europeu e brasileiro – em razão da fama de alguns no momento e não em função do sentido antropológico e metafísico do nome enquanto representação externa da pessoa.
Neste aspecto temos muito a (re)aprender com a África mais profunda, e com países como o Japão — vide, por exemplo, o cerimonial xintoísta de escolha do nome dos filhos dos membros da casa real nipónica: não são os pais que escolhem o nome mas sim os astros e pela determinação da natureza. Quanto maior foi a resistência ao colonialismo e menor foi a sua influência na vida social dos colonizados, maior foi a manutenção do sentido maior da cultura dos povos que escravizaram, oprimiram e exploraram: a sua língua e a manifestação maior da sua identificação no Mundo – o nome.
A língua e o nome estão intimamente ligados, pois o nome é que nos identifica no Mundo e tem um sentido maior do que aparenta. Por essa, e muitas razões que não cabem neste texto, é que gosto, em particular, de um o poema cabalístico de Jorge Luís Borges — El Golem (transcrevo aqui, de memória, a primeira quadra):
O nome Barack, de origem africana (da púnica Cartago), é, antes de mais e como em regra acontece, um adjectivo. O povo judaico que, segundo a Bíblia, tem origens comuns com o povo africano, também usava e usa o mesmo nome e, o que é curioso, com o mesmo significado. Encontramos o nomen «Barack», no livro de Juízes (Juízes, IV.6), mas ficaria na história pelas suas raízes africanas. Foi inicialmente usado para Amílcar que, por suas vitórias, foi cognominado como «Barak» ou «Barack»=o Luminoso e que os ocidentais chamam de «Barca». Assim, Amílcar – general e mais tarde Sufeta de Cartago que revelaria o seu projecto social e revolucionário no início das guerras púnicas (guerras entre África e Roma pelo controlo das rotas comerciais no mediterrâneo e pela posse das colónias africanas da Sicília, Hispânia e da Córsega) — ficou conhecido como Amílcar «Barca», id est: «o Luminoso».
Sendo certo que o seu filho, Aníbal (por Trébia, Tesino, Transimeno e, essencialmente, por Canas), seria mais merecedor do cognome que o pai e, com justiça, é chamado de «Barack». A história, assim o fez: herdou do pai – e pela sua grandeza (é um dos cinco maiores generais da História militar) o cognome «Barack».
E assim Amílcar e Aníbal (assim como o irmão deste, Asdrúbal — que foi menos feliz que Aníbal) ficaram conhecidos na História com o mesmo cognome: «o Luminoso» (é claro que o conquistador acidental, sim: acidental e também ocidental, se encarregaria de transformar o adjectivo em nome; na verdade, sem saber, recuperava a essência do nome em si). Os cognomes eram comuns na história antiga, como, por exemplo, o Cônsul Cipião Emiliano — conhecido como Cipião «o Africano» (por ter vencido Aníbal na trágica batalha de Zama), e o seu filho homónimo (o da queda e destruição de Cartago) como Africanas minor. Assim como Catão era conhecido como «o Censor» ou «o Velho», ou Octávio tomou o cognome de «Augusto», isto é: «divino», e que, com o tempo, de adjectivo qualificativo tornar-se-ia em nome próprio. E se o nome de Augusto foi escolhido por Octávio por razões políticas (essencialmente as mesmas que o levariam a encomendar a magistral Eneida ao poeta Virgílio), a conselho de Agripa e Caio Mecenas, o «Barack» de Amílcar emergiu da alma do povo africano que o achou e considerou um homem extraordinário, isto é: Barack – «luminoso».
Aníbal, o mais luminoso dos «luminosos» africanos (na história de África e do ocidente que o precedeu no século III a.C. encontram-se poucos nomes que o igualam em glória e fama: Seti I, Ramsés II e Amenófis IV – Akenaton em África; Péricles e Alexandre da Macedónia na Europa nascente da Grécia), seria chamado pelos ocidentais, depois retirarem o sentido ao seu nome e passar a ser Barca, de Aníbal «o Cartaginês», o nome do inimigo vencido e não Aníbal o Africano ou Amílcar Barack o Luminoso e grande estratega que a história, injustamente, se encarregaria de vituperar com a odiosa inverdade de ter sucumbido às «delicias de Cápua». Mas o nome sobreviveria na sua forma africana, e nos confins de África até chegar aos nossos dias. E o pai de Barack Obama, pela sua cultura africanista e formal, sabia porque nomeou o filho de «Barack», e em boa hora o fez – pois, por um incidente da história, retoma a memória de três dos maiores africanos da História: Amílcar, Aníbal e Asdrúbal Barack — «os luminosos». O mesmo aconteceu com o povo judaico – mesmo depois do grande exílio imposto por Tito Vespasiano – que conservou o nome; daí termos nomes como, por exemplo, o de Ehud Barak.
É que em África, mesmo na África colonizada, sempre se teve o cuidado de dar aos filhos nomes com sentido. Assim, em Cabo Verde — assim como nas colónias portuguesas em geral – desafricanizou-se os nomes, mas a consciência africana das populações fê-las adaptar-se, num fenómeno de aculturação sobrevivente e em termos onomásticos, com a arma maior do colonizador: o cristianismo. Assim, a título de exemplo, os dezasseis filhos que a minha avó materna gerou e pariu em Santo Antão foram nomeados com nomes de santos, mártires e figuras maiores do cristianismo: Eusébio, Daniel, Moisés, Sara, Efigénia, Helena… sendo ela mesma Estevina (de Estevão, o primeiro mártir do cristianismo). O mesmo se diga da minha família paterna, da ilha do Fogo: o meu avô, Pedro Alexandrino (e as dezenas de filhos que legou ao Mundo), casado com Ana, seguiu o mesmo padrão cultural ao nomear os filhos: Joaquim, Juvenal, Pedro, Virgílio… que, também, seguiriam o mesmo padrão e chamariam os filhos de Virgílio, Ana, Maria, Alexandrino, Pedro, etc… não é acidente, é cultura!, cultura no sentido mais profundo da palavra, e é um dos factores da nossa identidade que vai morrendo: os nomes dos cabo-verdianos são escolhidos à moda do modernismo europeu e brasileiro – em razão da fama de alguns no momento e não em função do sentido antropológico e metafísico do nome enquanto representação externa da pessoa.
Neste aspecto temos muito a (re)aprender com a África mais profunda, e com países como o Japão — vide, por exemplo, o cerimonial xintoísta de escolha do nome dos filhos dos membros da casa real nipónica: não são os pais que escolhem o nome mas sim os astros e pela determinação da natureza. Quanto maior foi a resistência ao colonialismo e menor foi a sua influência na vida social dos colonizados, maior foi a manutenção do sentido maior da cultura dos povos que escravizaram, oprimiram e exploraram: a sua língua e a manifestação maior da sua identificação no Mundo – o nome.
A língua e o nome estão intimamente ligados, pois o nome é que nos identifica no Mundo e tem um sentido maior do que aparenta. Por essa, e muitas razões que não cabem neste texto, é que gosto, em particular, de um o poema cabalístico de Jorge Luís Borges — El Golem (transcrevo aqui, de memória, a primeira quadra):
Se, como o grego diz no Crátilo,
O nome é o arquétipo da coisa
Nas letras de rosa está a rosa
E todo o Nilo na palavra Nilo.
E todo o Nilo na palavra Nilo.
E é por causa desta dimensão cabalística que o nome da mulher de Abraão foi mudado de «Sarai» para Sara e o dele de «Abrão» para Abraão. É que quando chamamos alguém pelo seu nome não fazemos algo de inócuo, invocamos a sua própria natureza e sua razão e papel no Mundo (que é, afinal, a «pessoa»).
Nós, cabo-verdianos, com a aculturação maciça que temos sofrido de Portugal e do Brasil, com as telenovelas e os programas pimbas portugueses que assaltam os lares da nossa boa e sã gente, vamos, aos poucos, transformando Cabo Verde numa cidade portuguesa (como Eça de Queirós dizia da Lisboa aculturada do seu tempo: uma cidade francesa em Portugal). Somos independentes? Sim, somos; mas culturalmente dependentes do imperim cultural do ex-colonizador; e no seu pior, pois é uma cultura de alienação, uma cultura circense e com os objectivos deste.
Confesso — e permita-me o leitor esta confissão desbragada: a verdade é que temo que venhamos a ter o mesmo destino dos estruscos. Se não cuidarmos da nossa cultura, da língua em particular (mesmo tendo a plena consciência de que o que alguns querem com o ALUPEC é uma Cátedra e emprego Ad aeternum, além de dourada reforma — mas isso é o mal menor), além de «pequenas» coisas como perpetuar o nome e o seu significado antropológico, metafísico e de memória familiar emergente do mosaico cultural que nos gerou como povo e nação. Mas cedemos ao «belo» e à «moda» de tal forma que um primo meu tem uma afim com o nome de um bolo! Sim, de um bolo. O que vale é que, por ser uma donzela formosa, dá para se brincar com o nome e confessar-se, a Marqui de Sade, faminto de doce sem ofensa. Ao que chegamos!
Assim, chamar Barack Obama de «o Luminoso» é usar o seu nome no seu sentido próprio, onomástico. Já seria um pleonasmo chamá-lo de Barack Obama, «o Luminoso», não seria? O nome é arquetismo; e, não raras vezes, esquecemo-nos disso. E de muitas outras coisas.
Por vezes, por falência de competências gnoseológicas, não se consegue discernir a essência do discurso que nos é apresentado. É fundamental saber as coisas; mas mais do que saber (d)as coisas, é preciso, é necessário saber o porquê das coisas. Aliás, bastaria saber um pouco da História de Portugal e de Espanha — que é também parte da história de Cabo verde — para vermos a variedade de cognomes dos mesmos. Enfim, desculpem lá qualquer coisinha… e, como se cantava na terra quando eu era menino (se a memória não me atraiçoa):
— «Nha Bitinha, kel côzinha…
— Qual´ê côzinha?
— Kel meio t´stomzinha…
— Entom, sê tmâ dostom, sê tra meio-s´tom e kel t´stom e meio bocê fcâ kel.»
O que é que uma forma de dizer que Aquila non capit muscas.
E para não remeter os críticos apressados para Políbio e Tito Lívio – cujas obras poderão não ser de fácil acesso – fica o conselho de consultarem Oliveira Martins (Oliveira Martins, História da República Romana, Guimarães Editores, 7ª. Edição, Lisboa, p.175) e que, certamente, encontrarão uma edição na Biblioteca Nacional. E, para aqueles que vêm nos meus escritos uma dimensão ideológica, putativa ou não, digo-Vos que Cabo Verde ainda não encontrou o seu «Barak» e que se Pedro Pires foi um bom Primeiro Ministro (descontando a dimensão de Estado de Polícia da I República), como a história a seu tempo reconhecerá, tem tido dois mandatos presidenciais que, infelizmente para ele e para a nação, não deixarão saudades. E se Carlos Veiga poderia ter levado o país a um outro patamar de realizações e não o fez, é/será por razões que foram colocadas pela sua própria voz e na primeira pessoa; mas, certamente, foi por mais do que isso.
E se o Governo de José Maria Neves, tendo condições particulares nestes dois mandatos, não tem atentado na dimensão estrutural do país a medida do desejado e ansiado pela nação e lograr uma sociedade mais justa e com menos desigualdade — e isso é inegável e reafirmado pela realidade — tal tem a ver mais com algumas das razões aduzidas por Ulisses Correia e Silva no seu artigo «Viciados na Partidarização», publicado no Expresso das Ilhas, de ontem 27-8-2009, e não por falecer-lhe competências estruturais e funcionais. Todos os governos de Cabo Verde depois da independência fizeram coisas boas, coisas menos boas e coisas más. E — além da «partidarização e do clientelismo» de que Ulisses Correia e Silva fala e de qualquer discurso ideológico — a verdade é que Cabo Verde, depois da I República, não tem vivenciada a praxis de um projecto social sustentado e adequado à nossa realidade mas sim um pragmatismo snob de mera gestão das nossas limitações.
A ambição prática de levar Cabo Verde para o lugar do melhor dos piores (como a euforia e a fobia dos relatórios e elogios magna dixit demonstram sem mais) não chega! Temos de ambicionar chegar onde podemos chegar e transcender a nossa condição; temos de ambicionar chegar onde o povo sonha e ambiciona: a um patamar de desenvolvimento efectivo e não de papel, a um patamar social onde podemos ombrear em qualidade de vida com qualquer país do Mundo. E temos condições para isso; condições para acabar com a pobreza, promover o bem-estar social, económico e cultural à medida da dimensão do país. Menos do que isso é dizer — ainda que de uma forma tácita — que o nosso povo, a nossa terra, os nossos sonhos… valem menos que os de outros quadrantes e locais do Mundo. E isso, não é verdade; não pode ser verdade.
Mas para transcendermos a nossa condição de David geo-demografico e de historicamente de condição, temos de ser ambiciosos, o Estado, os seus órgãos e agentes, e, acima de tudo, os cidadãos que não podem conformar-se com uma vida e um Estado que tem como padrões comparativos o pior dos outros. Mas para alcançar-se os bons, há que assumir-se compromissos políticos de risco, de ambição e grandeza. E para isso não se pode ter medo de perder as eleições que seguem; não se pode governar para as estatísticas, para os números e a comunidade internacional, não: há que governar-se para o povo, mesmo que o povo não percebe que se quer é faze-lo feliz, dar-lhe um nível e qualidade de vida que merece.
E se, como dizia Rabindranath Tagore, «devemos esticar as pernas de acordo com o tamanho do lençol que temos» e José Maria Neves é uma pessoa de boa vontade, tal não chega; tem de atrever-se (ele e qualquer Primeiro Ministro que se venhamos a ter) a ambicionar e a construir um Estado e uma nação que não veja os representantes dos poderosos deste Mundo que aterram nas ilhas da Morabeza como deuses vindo dos céus, como ídolos de um mundo inalcançável, como se fossem Cortez chegando ao Novo Mundo de indígenas inconscientes de que a natureza é naturalmente desigual para nos desafiar a superar o nosso paradigma existencial e não para nos impelir à uma natureza tributária… esperando a aprovação do «mais forte». Darwinismo social encapotado ou subliminar, não! O país está farto disso, o povo está farto: queremos e podemos ser tão bons como os outros; não temos de estar, constantemente, a mostrar ao Mundo — o tal de inglês ver» — que somos uns «africanos especiais», pois pretos somos, seremos e como tal nos verão, sempre! Até mostrarmos que somos o que somos: iguais, capazes, donos do nosso destino. No matter what!
Mas (salvaguardando a dimensão do discurso político, que entendo…) eu até que compreenderia o discurso de «boa governação», se soubesse que o Primeiro Ministro tivesse andado a ler Você Pode ser Quem Deseja de Robert Schuller e/ou, com Kenneth Hagin, a «chamar as coisas que não são como se já fossem» num legítimo exercício Paulino de fé (uma leitura de Hebreus XI.1, na versão do New American Standard version of the Bible, é aconselhável). Afinal – para alguns –, o sonho comanda o Mundo. Um Mundo novo sem pão e segurança, não é mundo e não é nada! Uma cesta de sonhos é menos do que uma côdea de pão e uma gota de água para o faminto e o sedento.
Criticar não é ser-se «bota-abaixo», é mais do que isso! Quem não o vê, é porque não quer ou, pior, não pode. E o lambebotismo nacional — alimentado por uma espécie de lagarta de gabinete —, acrítico, acéfalo e tributário não é, de forma alguma, do interesse do decisor político e da nação: é o cancro silencioso da cultura democrática! O nosso dever, como cidadãos, é, a cada momento, alertar quem exerce o poder para a realidade real — se não o fizermos, quem governa não conseguirá ver além do seu umbigo e dos números. E a vida real das pessoas não são números, não; é mais do que isso: é tudo. A final, há que ter-se presente o seguinte: o governante não precisa que se lhe diga o que está a fazer bem — pois só está a cumprir com o dever emergente do seu mandato e deve verificar se o que manda fazer está ou não a ser cumprido (todos os Primeiros Ministros deveriam ter dois ou três inspectores para verificarem se as decisões do Governo são ou não implementadas a tempo e em tempo útil). Precisa, sim, é de saber o que não faz, o que não bem e o que faz mal; para corrigir, melhorar, inovar e criar soluções que sirvam a Res Publica.
---- Publicação originária no Liberal
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