sábado, 12 de setembro de 2009

  • CHOVE NA TERRA E NA REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO

Escrevia no Liberal que «Em Outubro, depois da Convenção do MPD e o PAICV saber com o que contará para os próximos embates políticos, iremos ter, outra vez, a questão da Revisão Constitucional na agenda política. Os interesses do país dobram-se, uma vez mais, aos interesses dos partidos».

Bem, não será preciso esperar por Outubro e a Convenção do MPD (que será uma aclamação de Carlos Veiga) para o que era previsível acontecer: os deputados da nação resolveram voltar a agarrar no dossier da Revisão Constitucional. A Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC) terminou o seu mandato, e agora chegam os líderes parlamentares, apressadamente, a querer ressuscitar o projecto que eles mesmo mataram. Ao que parece, a CERC irá funcionar (está?) de forma ad hoc… depois de ter terminado a sua legitimidade ou, o que é pior, os líderes dos grupos parlamentares assumem, sob a batuta do Presidente da Assembleia Nacional, as «negociações» para retomarem as «negociações» para a Revisão da Constituição.

A «cultura da Constituição» que o Presidente da Assembleia Nacional e Carlos Veiga entendem ser factor determinante do perfil do próximo Presidente da República, está a ser ferida, e ferida de morte com este processo. E mais alguém pode ser, por tabela, ferido. Pelo que se aconselha prudência, e atentar-se na âncora do deontos. Os valores são negociáveis? Não me parece que assim seja ou deva ser, e muito menos os valores da Constituição. E se falamos de negociação política e partidária, a actual liderança do MPD perdeu toda e qualquer legitimidade para «negociar» a Revisão da Constituição. — «Mas não é o Partido, são os deputados que fazem a negociação» — dir-me-á.

Pois… assim será por dar jeito. Este utilitarismo bacoco agonia-me, pois não é coisa de um sistema verdadeiramente democrático, nem serve o país que queremos e podemos ser. A «lógica do jeitinho», de se ultrapassar o que se não conseguiu resolver por razões que continuam a ser as mesmas, e serão as mesmas amanhã pois está-se perante questões de princípios, de valores que não estão nem deverão estar a venda. Que Carlos Veiga não se cuide, não… poderá estar a deixar que lhe minem o caminho antes de assumir a liderança do MPD. O seu silêncio sobre estas manobras não é nem será admissível, assim como não fazer nada também não o é.

Aristides Lima, Presidente da Assembleia Nacional, que é — com o Primeiro-ministro José Maria Neves, com poucos candidatos a altura num eventual embate presidencial — aquele com melhor perfil para se candidatar à Presidência da República na esfera política do PAICV também deverá ter cuidado com a boa vontade e o voluntarismo num tempo em que emergem e emergirão os Delfins.

Como explicaria ao cabo-verdianos, por exemplo, a democraticidade de passarmos a poder ter juízes vitalícios no Supremo Tribunal de Justiça ou podermos vir a extraditar os nossos cidadãos ou entregá-los ao TPI, ou de os cidadãos poderem passar a ter buscas domiciliárias nocturnas (o exemplo do que acontece em Portugal, em que a excepção vai se tornando regra – como em outras coisas, como a prisão preventiva – é um bom aviso) quando existem outras soluções e adequadas à nossa Constituição. Faço duas perguntas, aos senhores deputados:

(i) Porque é que temos de alterar a nossa Constituição para se adaptar aos interesses externos e não aos das nossas gentes, senhores deputados do PAICV? Fazer política externa com à custa da Justiça, não! (ii) E porque é que não se deve admitir as buscas nocturnas, nos casos em que estão em causa crimes graves como o tráfico de estupefacientes e/ou de pessoas, crimes contra a vida e contra a integridade física das pessoas, de terrorismo e outros crimes de resultado em que se visa a execução dos mesmos, senhores deputados do MPD?

Ser-se irracionalmente defensor de um princípio é matar esse mesmo princípio, é retira-lhe efeito útil. Não faz sentido as buscas nocturnas serem acompanhadas de um Juiz, até por razões práticas e da nossa realidade: imagine-se nos locais onde há somente um Juiz. Seria uma forma de abrir-se mão do princípio do Juiz natural, (ou de o afastar) além de que existem outras razões ponderosas (e que são de ordem da filosofia do Direito e das políticas criminais que as devem sustentar) para se proceder a tal revisão. Existe, deve existir, «uma razão das coisas» e não razões dos partidos para as coisas.

Chove na terra, e na transparência democrática. E, volto a perguntar: por onde andam as actas da Comissão Eventual da Revisão Constitucional? Será segredo de Estado, ou a CERC não elaborou actas dos seus trabalhos? O que será que será?

Imagem: Transparence - Jean Louis Grig

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