sábado, 19 de setembro de 2009

  • DESPOJOS DE FESTIM – VIAGEM SENTIMENTAL

Há uns anos, fazia o Curso Geral dos Liceus em Lisboa, mais concretamente: na Póvoa de Santo Adrião, quando me chegou às mãos o livro Palavras Cínicas, do professor Albino Forjaz de Sampaio. Vinha de uma colega, mais velha do que eu (confesso que atentava mais nas suas formas opulentas do que no que dizia) e fiquei, confesso, espantado com a obra e, hoje, estive a ler um pouco do livro. Foi a Primeira Carta que, paradoxalmente, me apresentou Ivan Turgueniev… ainda me lembro das primeiras palavras amadas de Turgueniev e que me assaltaram a alma, presas e a voar para mim de O Sonho: «A minha mãe depositara em mim todos os seus pensamentos e cuidados, enlaçando a sua vida com a minha».

Tornei-me devedor, de Albino Forjaz de Sampaio (apoucadíssimo por Almada Negreiros no poema «Manifesto Anti Dantas» pelos seus escritos no jornal A Luta) – por me ter apresentado Turgueniev, e, a modo dessa apresentação, devo a Machado de Assis o achamento de Shelley, quando, lendo Helena, encontrei grafado este excerto de poema: I can´t give what men call love e apaixonei-me pela poeta. A Borges, por exemplo, depois de ter lido El Golem (um dos melhores poemas que já li) e Los Conjurados devo a introdução a Adolfo Bioy Casares, Gustav Meyrink e Amiel, numa perseguição que faço ao pensamento interior do poeta e meio vislumbrada na sua poética. «Serei capaz de escrever poemas de amor depois dos oitenta anos?» — pergunto-me.

Mormente estes benefícios mediatos de busca de beleza num mundo pejado de darwinismo social — visto por Hobbes, Turgueniev e decantado por Forjaz de Sampaio —, as Palavras Cínicas ainda hoje me incomodam e me impelem, sempre, a procurar a beleza, a consolação da filosofia, como diria Boeccio, e da arte, trazendo-me esta desejos e sensações, coisas meio vislumbradas… como voz de Kavafys. E hoje, nem o ter tido o prazer de acrescentar mais duas interpretações à colecção do meu Adágio preferido (Concierto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo) me salva de alguma putrefacção de alma que a verdade por vezes transporta. Mas há que, como Cândido, continuar a cultivar o nosso jardim, a cuidar da rosa silenciosa, a sentir o seu aroma ausente pois o bem não exige recompensa, é a recompensa.

E decidi (pondero nisso há muito), que deveria compartilhar as cartas de Palavras Cínicas de Albino Forjaz de Sampaio, e não sei se faço um favor de partilha; não sei não... mais uma incerteza para a minha colecção de dúvidas. Seja como for, que estejas num festim, sempre! Diz o autor no proémio das mesmas: «Vi que a vida era má e escrevi estas cartas. Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar.» Mas vida não é má, só é cruel para os bons e corrompedor da beleza. O que faz toda diferença, parece-me.

A Viagem Sentimental - Konstantin Kalynovychend

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