quarta-feira, 25 de junho de 2008

  • O DILEMA DE MARCO AURÉLIO
Marcus Aurelius Antoninus foi, reconhecidamente, um homem sábio; mas como todos os sábios tinha as suas fraquezas. Casou com Faustina, uma mulher de uma beleza lendária e, segundo as vozes do povo do seu tempo, de uma libido correspondente.

Deu ao sábio imperador treze filhos, mas nem por isso – segundo a vox populi – andava satisfeita com o desempenho do marido. Quando as vozes se levantaram contra ela e a sua filha Lucilla – que Marco Aurélio casou com Lucius Verus, com quem compartilhava o legado imperial de Antoninus Pius – disse-lhe: «Faustina, a mulher de César não basta ser séria, também tem de parecer que o é».

E o Imperador era sério? Segundo Antoninus Bassianus (Caracalla), parecia mas não era; pois – segundo a sua versão da história, quando se defendia no Senado da acusação de ter morto o seu irmão Antoninus Geta nos braços de Júlia Domna, a mãe – o sábio Marco Aurélio cometeu um crime hediondo contra o amigo Lucius Verus.

Depois de ter casado a filha Lucilla com Lucius Verus, Marco Aurélio acabaria por engendrar a morte do amigo e co-Imperador para ficar com o Império sozinho. Argumento de defesa de um homicida? Talvez fosse, mas a verdade é que a vox populi assim pensava, pois assim parecia – ainda que custe a crer que fosse verdade.

Mas o sábio Marco Aurélio acabou por ser traído pela única coisa a que não resiste nenhuma virtude: o seu amor aos filhos. O seu dilecto foi Veríssimo, que morreu muito jovem – tendo deixado o Imperador desolado e sem aquele que via como seu sucessor natural.

Lucilla (a que se vê no filme «Gladiador») teria sido, entre os filhos de Marco Aurélio, aquela que era mais dotada para o ofício – mas os tempos eram outros, mas o Imperador amava o seu outro filho varão, Aurelius Commodus. Assim – depois de nomear Commodus César, isto é seu sucessor no Imperium, aos 12 anos de idade – deixou-lhe o Império.

É quase unânime entre os historiadores de que este foi o único erro da governação de Marco Aurélio: ter deixado o Império a um jovem dissoluto e não ao «melhor homem» de Roma, como se fazia entre os Antoninos e que era uma regra que tinha trazido paz e prosperidade ao Império romano com Imperadores como Adriano, Trajano, Nerva, Antonino Pio e ele próprio.

Será erro amar? E amar os filhos mais do que a coisa pública, é erro? Deve-se pensar mais nos filhos do que no bem comum e nas normas estabelecidas para o bem-estar da sociedade? Foi o dilema de Marco Aurélio ao escolher o seu filho para o suceder. Escolheu mal, sacrificando os interesses de Roma aos seus interesses pessoais e amor filial.

É verdade que terá pensado que os sábios que colocou ao redor do filho o afastariam da má senda, mas a sua escolha não foi uma escolha política; foi uma escolha paternal. E, enquanto Imperador de Roma – detentor do poder político – não podia pensar como pai mas como Imperador.

Tenho outra opinião sobre isto, mas não vem ao caso agora; o que sei é que o conselho de Epicteto – mestre estóico de Marco Aurélio – ao sábio imperador terá ajudado a sua decisão: «Se podes fazer alguma coisa, porque te preocupas? Se não podes fazer nada, porque te preocupas?»

É próprio do homem estas fraquezas, bastará lembrarmos as palavras de Príamo a Aquiles – depois deste ter morto Heitor às portas de Tróia – quando pedia-lhe o corpo do herói troiano para prestar-lhe as homenagens fúnebres:
– «Calcula quanto é excessiva a minha dor, visto que beijo a mão que matou o meu filho!»

Aquiles poderia tê-lo morto aí e selado, mais cedo, o destino de Tróia. E Príamo sabia disso, sim.

As dores e as razões de pai são incompatíveis com as razões de Estado e as suas regras. É um exórdio do discurso e da acção política; nunca se deve colocar os interesses pessoais acima dos interesses colectivos – mais ainda em democracia representativa.
  • Salvador Dali, Palace of the winds

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