- O DIA DA RAÇA LUSITANA OU NEGAÇÃO DA HISTÓRIA?
Chego à Lisboa nas vésperas do 10 de Junho e a minha alma fica estupefacta ao ouvir as notícias e as palavras de circunstância (será mesmo verdade que o que verdadeiramente importa não é como se age mas como se reage?) do Presidente da República.
Hoje é o «Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas» ou, como diz o Presidente da República Portuguesa – Aníbal Cavaco Silva – “dia a raça”? Lapsus linguae ou não, a verdade é que fez feliz muita gente, nomeadamente os nacionalistas e os racistas (que têm um léxico próprio e que dão à expressão em si um sentido próprio).
Um momento infeliz a que, ao que parece, ninguém deu cavaco. Será porque se pensa, reconditamente, que Portugal, as comunidades portuguesas e Camões (isto é, o império da língua lusitana) têm um substrato racial?
Cotejando este facto com algumas práticas sociais do Estado e da sociedade portuguesa a minha alma fica apreensiva. Há anos que prego no deserto, dizendo às comunidades imigradas em Portugal e aos seus descendentes que existe uma conspiração social contra a sua integração social e política plenas e ouvidos moucos teimam em não escutar a realidade.
Mas sou teimoso. Será que conseguem ouvir melhor o que está atrás do lapsus linguae ou do acto falhado? Espero, tenho esperança que sim. Portugal é, deve ser, multiracial. E digo isso sem reclamar nada, pois – tendo nascido lusitano de nacionalidade – não sou português.
Será que – como diz Nicolai Gogol em «O Capote» – «o espírito de imitação infestou a nossa santa Rússia, todos a querer fazer de conta que são chefes e atingir o patamar mais alto possível» (Gogol, O Capote, Porto Alegre, 2005, p.38)? Mutatis mutandis (?) escuto o sibilar subliminar de Berlusconi e Sarkosy…
Ah!, esta Europa que vai matando o sonho de Jean Monet, Robert Schuman e René Cassin… E, Senhor Presidente da República Portuguesa, por onde andam os descendentes dos ibéricos que combaterem ao lado de Aníbal, O Africano, contra o império romano e os lusitanos que foram súbditos de África antes desta ser colónia romana? Sim, onde andam?
A história responde, inequivocamente: na “raça” lusitana. A tez desta – em particular a dos algarvios, de Sagres a Boliqueime – é eloquente. Do genocídio da memória à negação da história se chega à negação do português negro, do «outro» racial.
Infelizmente, tal discurso não me surpreende; mas deixa-me atónito ouvi-lo de quem ouvi; é que as responsabilidades de uns e de outros são diferentes, assim como o peso das palavras de uns e de outros são substancialmente diferentes. Podemos dar ou não cavaco a isso, mas é a verdade. Mas há aqui uma virtude: sabe-se a verdade e esta, mesmo dolorida, pode ser semente de algo positivo.
- Imagem: Milo Manara, Les femmes