sábado, 3 de outubro de 2009

  • COISAS INSÓLITAS: DE CABO VERDE A LUSITANIA E A EXTRADIÇÃO DE POLANSKY


    I. CONSTITUIÇÃO AUSENTE. Alguém é capaz de me dizer porque o site do Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional de Cabo Verde não tem a Constituição da República no seu site como Legislação? É algo meio insólito, mas deverá haver alguma razão; certamente.

    O Conselho Superior da Magistratura Judicial apresentou o Relatório Sobre o Estado da Justiça em Cabo Verde ao Presidente da Assembleia Nacional, considerando estar, com este acto, a prestar contas aos cidadãos. Assim deve ser, mas e os cidadãos, onde poderão ler o relatório? Disponibilizá-lo nos sítios do Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional e da Assembleia Nacional seria uma boa solução, parece-me. Que importa ter um relatório para os cidadãos se não se tem acesso a ele?

    A questão do ALUPEC, agora transformada em Alfabeto Cabo-verdiano à revelia da Constituição, continua a ser mal percebida e explicada. Talvez porque muitos, por reserva mental ou outra razão qualquer não tenham disponibilidade mental para pensar nela de forma séria e despreconceituosa. Uma lei inconstitucional que esteja em vigor é lei. Enquanto não for revogada ou declarada inconstitucional é lei, e a experiencia diz que se todos ficarem calados a razão nunca triunfará. Há quem, ao que parece, não perceba isso. Dimensões da iliteracia.

    Defender a legalidade e a Constituição não é, de forma alguma, estar contra seja quem for ou o que for. A língua Cabo-verdiana é de todos, e todos temos o dever de a respeitar e de a promover, manda a Constituição. Colocar qualquer discurso no plano do Norte/Sul ou vice-versa a propósito de um instrumento da língua é coisa de mentecapto, assim como confundir exercício da cidadania com política partidária ou mandado de boca é, de todo, não saber o que é uma coisa e outra. O Mundo é assim porque ainda não é assado — diria o meu poeta.

    II.
    LE VIOL. Roman Polanski é preso no âmbito de um processo de extradição, e não faltam protestos, manifestações de solidariedade e movimentos em defesa do realizador de cinema, que confessou ter embriagado, drogado e violado uma menor de 13 anos (isso depois de ter exercido a sua «arte» a tirar fotografias à menor drogada) há trinta anos atrás. Foi preso, e conseguir escapar à justiça. Anda há trinta anos fugido, até agora. Os americanos acham que a pena prescreva para este tipo de crime não prescreve (em razão da sua fuga estará em situação de contumácia). Mas e o Código Penal Suíço? Como é que trata esta matéria dos crimes sexuais e da extradição? Leia o Código, verá que é interessante…

    Como é possível que, por ser um realizador genial na sua arte (o que eu não acho que seja, mas isso sou eu), se pense que não vale a pena perseguir o homem, que a Justiça o deveria deixar em paz? A violação, em particular a violação de menores, é um crime hediondo, um crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoal e particularmente censurável. Quem pensa que o génio e as influências políticas e sociais permitem tudo, até violar menores e ficar impune, não está em sintonia com a humanidade.

    As únicas motivações políticas que vejo nesta questão é a França a dizer que vai pedir ao poder politico norte-americano para travar a extradição de
    Roman Polanski (dá jeito ter amigos Ministros, não dá? Lembra-me qualquer coisa em terras da Lusitânia. O que será mesmo?...). O que, em tese, poderia acontecer se o Estado requerente declarasse não ter ou ter deixado de ter interesse na extradição. A Administração Obama não alinhará em tal suicídio político, certamente. A esperança de Roman Polanski está na magistratura Suíça, na dimensão adjectiva da questão extradicional.

    Mas e se algum génio (ou tido como tal), de repente, se lembrar de violar as filhas ou filhos dos defensores da impunidade de
    Roman Polanski? Pois é, pois é… Existe um certo laxismo moral da sociedade para com os homens do cinema. Lembro-me de grande parte do Mundo achou «normal» que Woody Allen tivesse tido relações sexuais com Soon-Yi, a filha adoptiva da mulher, Mia Farrow, e, segundo esta, com uma filha adoptiva de ambos, então menor. Uma questão privada, pois claro! Justiça? Oh, não! Era o Woody Allen… (o coitadinho do velho inofensivo, só tirava fotografias de nus da filha adoptiva da mulher e brincava ao papá e à mamã com a filha adoptiva, e até que toca saxofone, a jazz man!) e a questão acabou por se resolver inter pares de Hollywood. Roman Polanski nem tentou esconder o seu facto, pois tudo indica que se achava intocável.

    Ah! Quando a mulher, Sharon Tate, foi barbaramente assassinada por
    Charles Mason e sua gang feminina, Roman Polanski reclamou justiça, e conseguiu-a. Charles Mason morrerá na prisão (no outro dia vi uma reportagem com ele na prisão e fiquei com a convicção de que este será o seu destino necessário). Aqui, admitindo que se venha a conseguir a extradição de Polansky, e que será o mais certo que não é inocente, pois confessou o crime , a questão parece pender para os interesses do realizador, pois a vítima, hoje adulta e com família, não pretende avançar com o processo (um cheque chorudo parece ter curado as suas mágoas, mas e o mal social inerente a este tipo de crime?).

    Mas será que o Procurador entenderá que ela tem legitimidade para desistir do processo? Parece-me que não; nem deverá ser assim. Está claro que a questão da clarificação da situação jurídica de
    Polanski se resolverá na forma, e não na substância da situação (ainda que, ao que parece, tivesse razões para não acredita na justiça americana, num Juiz em concreto, quando fugiu do Estados Unidos). Lembro-me, agora, de Mike Tayson que passou uns anos na prisão depois de ser acusado de violação por uma vindeirinha que foi para o seu quarto de hotel apanhar flores, caçar coelhos e fumar puros. Acabou a carreira, foi esmagado e destruído, pois não tinha amigos Ministros, Procuradores, políticos & etc. para moverem o Mundo e tudo por ele.

    A única esperança de Roman Polanski será os juízes helvéticos considerarem que a pena prescreveu à luz da lei Suíça (é: existe um limite ético ao direito de punir). Se tal acontecer, o cineasta vai passar a andar com códigos na mala, como se fossem cuecas (de homens, que não de criancinhas, seja dito) ou pasta dentífrica. Os Estados Unidos da América, nomeadamente o sistema judicial, não irá desistir dele, é um facto: está em causa a honra do convento judicial. E o Departamento de Justiça da Administração Obama sabe que está em causa muito mais do que um simples caso de violação de menor — desistir de Polansky é, de certo modo, desistir de uma política criminal e dar sinal em sentido contrário aos agressores sexuais. E, nesse aspecto, o affair Polansky é um problema político.

    III. A ELEIÇÃO QUE TODOS GANHARAM. Houve eleições em Portugal. Um tédio! Nem os Gatos Fedorentos (ainda não consegui perceber totalmente este fenómeno de popularidade) conseguiram dar algum élan à campanha eleitoral. Sem surpresas, o PS terá um Governo a prazo
    o sistema político foi desenhado para este tipo de situação parlamentar: pluripartidário e com uma Assembleia da República independente do Governo, mas ninguém parece gostar disso. Porque será? Ninguém gosta de ser controlado, e ninguém se mostra capaz de controlar com Justiça, com equidade — é a resposta mais evidente que me ocorre agora.

    Uma leitura atenta mostra que todos os principais partidos ganharam, uns mais do que outros; até o PSD, na sua derrota esperada mas nem por isso menos humilhante, ganhou… uns pontos percentuais nos votos. O Bloco de Esquerda, que falhou o seu objectivo terceiro partido nacional, clama vitória de ter dobrado o número de deputados. Falhar objectivos é vitória, pois claro! O PCP, foi para cauda do pelotão parlamentar — ficou em último lugar, mas ganhou! Sim, é o menor grupo parlamentar, mas ganhou… mais um deputado! O PS, perdeu a maioria absoluta — sofreu uma derrota eleitoral pois o povo demonstra não confiar como confiava há quatro anos. Mas canta vitória, mesmo perdendo a maioria parlamentar e se sujeitar a ter um Governo refém.

    E o CDS/PP, de Paulo Portas. Ganhou, ganhou mesmo. Foi o Partido que cresceu para além dos seus objectivos, e o seu líder sentiu que pode ter uma palavra a dizer no próximo Governo e/ou na governação do país. Não ter falado antes de José Sócrates, líder do partido mais votado, não foi nem inocente nem falta de cortesia. Noutra pessoa, poderia ser uma coisa ou outra; em Paulo Portas deve ser lido de outra forma, necessariamente. Mostrou quem ganhou, de verdade, estas eleições que todos ganharam. E quem perdeu? O mexilhão, é claro!

    IV. OS ESCUTAS OU AS ESCUTAS DE BELÉM? Ainda anda toda a gente em volta das escutas em Belém, com insónias e problema existenciais. Não vá haver uma explosão qualquer por aí. Mas, não é mais grave que o Procurador Geral da Republica (que tem lidar com a gestão de processo crime complexos, desde terrorismo, crimes transnacionais, corrupção nos órgãos do Estado…) seja escutado do que o Presidente da República ser ou não ou a mando dos membros do Governo? Da perspectiva do cidadão, é; deve ser! Quem se lembra das escutas encontradas no gabinete de Cunha Rodrigues, então
    Procurador Geral da Republica? Ninguém, pois claro…

    E se o Procurador Geral da Republica teme ser escutado, o que dirá o cidadão comum? Vamos ter medo, muito medo… se ouvirmos barulhos estranhos no telemóvel? Não, se nada tivermos a temer. Esta guerra é de outros, mas o mexilhão é que, como sempre, se lixa(rá).

    O PS lá vai dizendo que o Presidente da República, Cavaco Silva, não foi imparcial no período pré eleitoral, e se calhar até que terá alguma razão. Mas, e Jorge Sampaio? O Presidente Sampaio foi justo com Santana Lopes? Não me parece. Se o PSD tivesse tido um outro resultado eleitoral (e não teve por culpa própria, por manifesta falta de estratégia e não ter percebido que com Manuela Ferreira Leite não ganharia o PS de José Sócrates), o bastante para poder formar Governo com o CDS é que veríamos até onde vai a imparcialidade do Presidente da República.

    O PSD vai ter a sua oportunidade de uma maioria, um Governo e um Presidente; ai se vai! Manuela Ferreira Leite pode ter conseguido, na derrota, uma vitória a prazo para o seu partido. Se José Sócrates não hipotecar muitas das sua políticas sociais e coligar-se com o
    CDS/PP, e resistir a tentação de uma desesperada aliança de esquerda com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, o seu Governo minoritário cairá à primeira Moção de Censura, e que será proposta à primeira oportunidade, pois beneficia(ria) o Bloco de Esquerda e o CDS/PP em termos eleitorais (e estarão convencidos disso). Mas para isso, a liderança do PSD tem de ser reformada, preparar-se para uma liderança que possa ambicionar governar sozinho ou com o CDS/PP de Paulo Portas.

    Será por isso, como dizia-me o meu poeta, que aparece, agora, o escândalo dos submarinos? — Não sei – respondo. Mas apetece-me perguntar: — Quem é que irá ser afundado na batalha naval? E na guerra das escutas? Quem ficará sem mãos e ouvidos? Não sei, também. Mas, caro leitor, se ouvir barulhos estranhos no seu telemóvel, cuidado! Muito cuidado! Pois o que sei é que algo de muito podre vai pela República da Lusitânia, lá isso vai… e se vai. E não só na Lusitânia…

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