domingo, 18 de outubro de 2009

  • A ORGIA DOS DIPLOMAS OU A DITADURA DO CONHECIMENTO EM CABO-VERDE

    Existem várias formas de opressão. Verifica-se, ao longo da história, uma mutação desta realidade, e, não raras vezes, os oprimidos se tornam os piores opressores: sendo libertos se tornam arrogantes e «senhores» do opressor ou do instrumento de opressão. Em Cabo Verde, e nos países pobres em geral, grassa há muito uma forma de opressão subliminar e que tem uma dimensão hedionda; não somente pela sua natureza ou visibilidade, mas pela qualidade de quem é o seu agente activo: os detentores do conhecimento. Sim, esses que se chamam doutores & engenheiros, mestres & doutorados, investigadores & cientistas, políticos & politólogos, banqueiros & gestores, filhos de fulano & sicrano… que, em razão de uma ciência qualquer — adquirida pela fortuna de dadas condições sociais ou a ferros de estudo acessível à qualquer mente —, se acham homens e mulheres «melhores» e «mais capazes» do que os outros, aqueles que não tiveram a oportunidade de estudar como eles.

    É uma realidade entristecedora, que custa perceber e encarar com o sorriso e o riso que me provoca, em regra. E é triste ver quem tem a responsabilidade de ajudar aquele que conhece menos ou tem um défice de informação (mas que não é menos inteligente ou menos capaz por isso), a ter foros de sábio, de homem superior. E, por via disso, tem-se criado uma aristocracia intelectual, não raras vezes bacoca, snob de razão tout court e cheia de vento; uma classe que acede ao melhor que a terra tem, que oprime o povo que a pobreza ou outras responsabilidades existenciais (como o sobreviver) não permitiram ou permitem o aceder às letras e, consequentemente, à informação privilegiada. São vistos, de certo modo, como o vulgo mais vulgo, a «arraia-miúda», os plebeus do saber e tributários da casta universitária.

    Os diplomados são, em África, o sucedâneo do «branco» colonial, os comendadores ou encomendados da República; os outros, os insapientes formais, são os descamisados, os passeantes da periferia, da parte baixa da Praça Nova — os pés-descalços sem licença formal, os excluídos da «cultura». Rabelados forçados pela pobreza, pela estrutura social que dita, como Heliogabalus, que cruzamento fecundo só mesmo entre iluminados, para iluminados nascerem. Já basta deste pedantismo de forma, é tempo de valorizarmos as pessoas pelo que são e não pelos papéis que mostram e de «onde» os exibem. Que importa se o cidadão X, Y ou Z estudou em Bolonha, Oxford, Salamanca, Lisboa ou Montpellier (precursoras das universidades no ocidente, i.e., da Europa), se passou pelo MIT, John Hopkins, Harvard, MIT, Standford, LBS, Sorbonne, etc… se sai dessas instituições como uma ilha, um pedaço de pedra lascada, fria e arrogante?

    A escola por onde se passa é uma espécie de pedigree, de passaporte para a competência? Não, de todo que não. A formação de uma pessoa é muito mais do que formação escolar ou académica, e ela só tem valor pelo que projecta no futuro da pessoa e da sua comunidade. Pode-se ter todos os diplomas do Mundo, de bacharelatos a Phd’s magna cum laude, se não se pensar que isso é e serve para sermos mais humanos e ajudar os outros a irem mais além e serem felizes, nada mais se será que uma pedra polida, com algumas lascas e sem valor.

    E é essa mesma elite ilustrada que, por prática, exibe os diplomas — e parece que quem não os tem é excluído, não importa o que sabe ou não, o título académico é a nova cavalaria, a Aristocracia académica. E essa, parece, também levar à aristocracia política, à poliarquia necessária. Nos países pobres isso quer dizer, necessariamente, uma ditadura do conhecimento formal em detrimento de outras formas de saber e de estar na vida.

    Os sábios dos diplomas, sendo necessários, não são podem ver na sua titulação qualquer forma de
    licencia ou alforria académica para oprimir os que – segundo o papel ou de facto conhecem ou sabem menos; devem, sim, assumir essa faculdade colectiva para o saber como uma forma para aprenderem mais, como uma responsabilidade intelectual pessoal e social. Só assim se será, verdadeiramente, mestre, professor ou conselheiro. E os maiores mestres da humanidade, que eu saiba, nunca passaram por nenhuma universidade (e nem gritaram aos quatros ventos as suas notas, pois notas não é saber como prova Albert Einstein)

    Ser-se e/ou parecer-se, em determinadas circunstâncias, menos do que se é, ou até mesmo um pouco “burro” ou “pateta”, é, de todo, a forma maior de ser-se sábio. É, em grande medida com a humildade e a urbanidade de juízo
    , o que diferencia o conhecer e o saber. A cultura é a essência do povo, mas como o povo aspira à excelência, há uma dimensão de cultura que não é escolástica e muito menos livresca — e esta dimensão da cultura não é democrática, e não se consegue com meros títulos académicos e, de certeza, não é um contra humanismo ou instrumento de opressão, pelo contrário. Há coisas que não se compram, nem estão à venda ou sujeitas a qualquer forma de negócio jurídico. Em lado nenhum — felizmente, tenho de assentir. Os génios instituídos da minha pátria deveriam ser mais humildes, que é dizer mais humanos, mais fraternos, mais propensos a serem pessoas humanas e não pavões escolásticos. O humanismo é a verdadeira cultura, sem ela os títulos académicos nada mais são que cal de sepulcros.

3 comentários:

Ariane Morais-Abreu disse...

Une évidence de tous les temps!! Ma Cab Verde sta fora d'temp...

Severiano Miranda disse...

Sou do Brasil, e da forma como escreveste, parece que moramos no mesmo lugar! Muito bom o post! Parabéns pelo ótimo trabalho, e que continue assim... =)

Virgilio Brandao disse...

Prezado Severiano:
o mundo é pequeno, e a massificação da cultura torna-o cada vez mais pequeno.
Abraço fraterno, e volta sempre