Quo usque tandem abutere, Manuel Veiga, patientia nostra?
- A INCONSTITUCIONALIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ALUPEC — O IUS ABUTENDI DO CABO-VERDIANO
Cabo Verde, sub-repticiamente, já tem o Alfabeto nacional, a forma de escrever o cabo-verdiano ou crioulo. O Alfabeto cabo-verdiano no sistema ALUPEC é uma realidade. Facto. Anda muita gente a discutir, mas para nada; assiste-se a um canto de cisne retórico. E outros, soberbos vencedores, assobiam para o ar… singing in the rain. Beijaram o céu, sem passar pelo purgatório para escrutínio dos pecados do ALUPEC e demais erros do processo de instauração de um Alfabeto cabo-verdiano. Não houve festa, para não acordar o povo anestesiado; nem se ouviu os sábios da «sociedade civil» aplaudir ou criticar (de forma expressa, e sem tibiezas) aquilo que é uma afronta ao Povo e às instituições do Estado. E lá tenho de interromper o meu silêncio, relembrar algumas coisas que não consigo engolir pois quem deveria fazê-lo não o fez, não o faz nem o fará — a minha responsabilidade intelectual obriga-me a clamar, ainda que seja no deserto!
O mínimo que exijo aos governantes da minha pátria é simples: que me respeitem como Povo, que respeitem a Constituição! E sempre que assim não acontecer, cá estarei para dizer que não pertenço a nenhum rebanho de cordeiros nem sou de uma terra de cegos ou gente acrítica. Esse é o penhor da minha cidadania, o valor do meu voto para além das urnas, a minha responsabilidade de «irmão mais velho» daqueles que, por infortúnio ou acidente social, não tiveram a fortuna de conhecer as letras e/ou não têm acesso à informação sobre a gestão da República, a coisa comum do povo cabo-verdiano.
O primeiro artigo que escrevi aqui no Liberal (aí por volta de 2005) chamava-se «Desconstitucionalização do Crioulo?», e defendia já então a necessidade de se rever a Constituição de forma a clarificar-se o estatuto ius fundamental da língua cabo-verdiana. Desde então tenho deixado claro que sou um defensor da língua cabo-verdiana e do imperativo constitucional dela ser um instrumento de trabalho oficial da nação e factor de união e de afirmação contínua da nossa identidade. Que seja o ALUPEC ou qualquer outra forma de construção do Alfabeto cabo-verdiano, isso é de todo irrelevante; o que importa é que seja algo instituído com bases e critérios científicos e que sirva os interesses do povo cabo-verdiano no seu todo e não os de um punhado de linguistas, curiosos e videirinhos linguísticos que buscam no ALUPEC um nicho académico.
Ao longo destes anos tenho anotado alguns aspectos sociais e jurídicos desta problemática da «legalização» da língua cabo-verdiana que não é, de todo, o Alfabeto ALUPEC como se apresenta e tenho dito que o mesmo é, ab ibnito, inconstitucional e que não deveria ser considerado, à luz do quadro legal inicial (Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro) e da Constituição, como um instrumento constitucionalmente admissível. Mas, ao que parece, o Governo tem orelhas moucas e decidiu institucionalizar o ALUPEC como Alfabeto não somente à revelia do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e da Constituição — como demonstrarei — mas faz isso com imprudência, critérios acientíficos (e sem ter de entrar em razões de linguística que deixo para os entendidos) e um descuido e dislate legislativos a todos os níveis incompreensível e inaceitável num Estado de Direito que se diz e se quer exemplo para África e os africanos.
Ainda que o Decreto-Lei tenha sido publicado no dia 16 de Março de 2009 e entrado em vigor no dia 17 de Março de 2009, poucos são os cabo-verdianos (inclusive pessoas habilitadas no plano académico e outras que anseiam sê-lo — como se pode ver na discussão que correu e/ou corre no site Tertúlia Crioula) que têm consciência que se está perante um facto consumado: o ALUPEC é o Alfabeto cabo-verdiano, o instrumento de escrita da língua cabo-verdiana. Eu até que não sou contra o facto de se ter a coragem política de se decidir pelo ALUPEC ou qualquer outro critério com fundamentos científicos, o que sou contra é, mais uma vez, «pela forma como se fazem as coisas» e, ao caso, foi feito à surdina, a revelia quer do estatuído no Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro quer da Constituição.
A instituição do ALUPEC fez-se, como já tinha previsto e escrito antes — aquando do Fórum sobre a língua cabo-verdiana feita na Cidade da Praia e sob a égide do Ministério da Cultura — num quadro de fraude à lei e que é, de todo, inadmissível em qualquer Governo democrático. Fossem os deputados da nação mais atentos (é por essa e por outras que sou um crítico do trabalho da Assembleia Nacional que, em muitas questões, 1) se revela desatenta, 2) não faz o trabalho de casa e 3) não exerce a sua função fiscalizadora sobre o Governo — mas já iremos a este aspecto) e estaríamos perante um facto político mais do que merecedor de uma Moção de Censura ao Governo.
O mínimo que exijo aos governantes da minha pátria é simples: que me respeitem como Povo, que respeitem a Constituição! E sempre que assim não acontecer, cá estarei para dizer que não pertenço a nenhum rebanho de cordeiros nem sou de uma terra de cegos ou gente acrítica. Esse é o penhor da minha cidadania, o valor do meu voto para além das urnas, a minha responsabilidade de «irmão mais velho» daqueles que, por infortúnio ou acidente social, não tiveram a fortuna de conhecer as letras e/ou não têm acesso à informação sobre a gestão da República, a coisa comum do povo cabo-verdiano.
O primeiro artigo que escrevi aqui no Liberal (aí por volta de 2005) chamava-se «Desconstitucionalização do Crioulo?», e defendia já então a necessidade de se rever a Constituição de forma a clarificar-se o estatuto ius fundamental da língua cabo-verdiana. Desde então tenho deixado claro que sou um defensor da língua cabo-verdiana e do imperativo constitucional dela ser um instrumento de trabalho oficial da nação e factor de união e de afirmação contínua da nossa identidade. Que seja o ALUPEC ou qualquer outra forma de construção do Alfabeto cabo-verdiano, isso é de todo irrelevante; o que importa é que seja algo instituído com bases e critérios científicos e que sirva os interesses do povo cabo-verdiano no seu todo e não os de um punhado de linguistas, curiosos e videirinhos linguísticos que buscam no ALUPEC um nicho académico.
Ao longo destes anos tenho anotado alguns aspectos sociais e jurídicos desta problemática da «legalização» da língua cabo-verdiana que não é, de todo, o Alfabeto ALUPEC como se apresenta e tenho dito que o mesmo é, ab ibnito, inconstitucional e que não deveria ser considerado, à luz do quadro legal inicial (Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro) e da Constituição, como um instrumento constitucionalmente admissível. Mas, ao que parece, o Governo tem orelhas moucas e decidiu institucionalizar o ALUPEC como Alfabeto não somente à revelia do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e da Constituição — como demonstrarei — mas faz isso com imprudência, critérios acientíficos (e sem ter de entrar em razões de linguística que deixo para os entendidos) e um descuido e dislate legislativos a todos os níveis incompreensível e inaceitável num Estado de Direito que se diz e se quer exemplo para África e os africanos.
Ainda que o Decreto-Lei tenha sido publicado no dia 16 de Março de 2009 e entrado em vigor no dia 17 de Março de 2009, poucos são os cabo-verdianos (inclusive pessoas habilitadas no plano académico e outras que anseiam sê-lo — como se pode ver na discussão que correu e/ou corre no site Tertúlia Crioula) que têm consciência que se está perante um facto consumado: o ALUPEC é o Alfabeto cabo-verdiano, o instrumento de escrita da língua cabo-verdiana. Eu até que não sou contra o facto de se ter a coragem política de se decidir pelo ALUPEC ou qualquer outro critério com fundamentos científicos, o que sou contra é, mais uma vez, «pela forma como se fazem as coisas» e, ao caso, foi feito à surdina, a revelia quer do estatuído no Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro quer da Constituição.
A instituição do ALUPEC fez-se, como já tinha previsto e escrito antes — aquando do Fórum sobre a língua cabo-verdiana feita na Cidade da Praia e sob a égide do Ministério da Cultura — num quadro de fraude à lei e que é, de todo, inadmissível em qualquer Governo democrático. Fossem os deputados da nação mais atentos (é por essa e por outras que sou um crítico do trabalho da Assembleia Nacional que, em muitas questões, 1) se revela desatenta, 2) não faz o trabalho de casa e 3) não exerce a sua função fiscalizadora sobre o Governo — mas já iremos a este aspecto) e estaríamos perante um facto político mais do que merecedor de uma Moção de Censura ao Governo.
A ideia autoritária do Governo, na pura lógica do «toma e cala; e não bufes!», cheira mal, mas tão mal que o seu fedor chega a Shamayim, passando pelos recantos da Diáspora. E uma coisa é certa: o ALUPEC pode ter sido aprovado pelo Conselho de Ministros e publicado no Boletim Oficial da República sob a forma do Decreto-Lei nº. 8/2009 de 16 de Março, mas não é, verdadeiramente, o Alfabeto Cabo-verdiano, pois sofre dos três maiores males que uma lei pode sofrer: inconstitucionalidade orgânica, formal e material, por esta ordem crescente de gravidade, de violação da Constituição de Cabo Verde. É um facto: o ALUPEC, como Alfabeto no plano jurídico, é um nado morto; pior: é inexistente. Pode ter forma e ser instrumento do que esse quiser, mas no plano constitucional está-se perante uma lei que não existe por violar ostensivamente a Magna Carta da República.
O Ministro da Cultura, encarnado na pessoa do Manuel Veiga, ao dizer ao povo de Cabo Verde (vejam lá os registos na Comunicação Social nacional…) de que iria submeter a Assembleia Nacional uma Proposta de Lei para instaurar o ALUPEC como Alfabeto Cabo-verdiano, enganou-se no Palácio… foi ao do Governo e não à Assembleia Nacional. Senhores jornalistas, por favor, por amor à nação e em honra aos Zolas deste Mundo: perguntem ao Ministro da Cultura se, quando disse que ia apresentar uma Proposta de Lei à Assembleia Nacional estava (i) a mentir com dolo directo ao povo de Cabo Verde, (ii) não sabia o que estava a dizer ou (iii) ao assinar o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março estava em situação de incapacidade acidental com o demais Conselho de Ministros ou se, pura e simplesmente, (iv) resolveu que a Constituição é mera letra morta e não conta para nada, que o Governo pode passar por cima dela, como se não existisse? O povo agradece este esclarecimento! Creiam-me que sim; mas mais do que isso: o povo merece ser tratado com respeito, não merece que lhe mintam e/ou que espezinhem os seus direitos fundamentais.
O que andam a fazer e a pensar os representantes da Nação cabo-verdiana, os adormecidos da Assembleia Nacional e a que chamamos de deputados? — pergunto-me como cidadão eleitor, aquele a quem o Governo e o Legislador parlamentar devem prestar contas. Gostaria de saber o que pensam sobre isto (e os demais compatriotas, vulgo cabo-verdiano, também…), sobre a usurpação ilegítima das competências constitucionais da Assembleia Nacional, e porque os parlamentares se silenciam perante facto tão gravoso. Os direitos fundamentais dos cidadãos estão a saque, em perigo com tal forma de agir e sem fiscalização que omissões tão insustentáveis e gravosas como esta demonstram de forma cabal!
E o processo de Revisão da Constituição traz com ela situações análogas, que fazem perigar conquistas fundamentais dos cidadãos na II República. Deputados há que, por exemplo, fazendo parte da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, não aparecem nas reuniões. Mas, mais do que isso, «não dão cavaco» ao povo que representam! Acorda ó povo! Acorda! Acorda, e dê uma vista de olhos nas Actas da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição. Eu vou querer vê-las, mas será que verei? Será que o povo as verá, mesmo querendo? Há momentos — felizmente passam depressa — em que parece-me justo que um povo anestesiado tenha uma representação política adormecida ou igualmente anestesiada. Nesta questão da língua materna, nomeadamente a opção pelo modelo do ALUPEC e o processo de «negociação» da revisão constitucional, esta evidência é colocada a nu e na rua.
A ILEGALIDADE, IMORALIDADE E IRRACIONALIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ALUPEC
Ao ler os fundamentos, a exposição de motivos do Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março e que institui a título definitivo o Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana (ALUPEC) um leitor atento fica, no mínimo, estupefacto. Em particular se ao cotejá-lo com o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro que instituiu a título experimental o ALUPEC. O Artº.4º. do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro estatui que:
O Ministro da Cultura, encarnado na pessoa do Manuel Veiga, ao dizer ao povo de Cabo Verde (vejam lá os registos na Comunicação Social nacional…) de que iria submeter a Assembleia Nacional uma Proposta de Lei para instaurar o ALUPEC como Alfabeto Cabo-verdiano, enganou-se no Palácio… foi ao do Governo e não à Assembleia Nacional. Senhores jornalistas, por favor, por amor à nação e em honra aos Zolas deste Mundo: perguntem ao Ministro da Cultura se, quando disse que ia apresentar uma Proposta de Lei à Assembleia Nacional estava (i) a mentir com dolo directo ao povo de Cabo Verde, (ii) não sabia o que estava a dizer ou (iii) ao assinar o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março estava em situação de incapacidade acidental com o demais Conselho de Ministros ou se, pura e simplesmente, (iv) resolveu que a Constituição é mera letra morta e não conta para nada, que o Governo pode passar por cima dela, como se não existisse? O povo agradece este esclarecimento! Creiam-me que sim; mas mais do que isso: o povo merece ser tratado com respeito, não merece que lhe mintam e/ou que espezinhem os seus direitos fundamentais.
O que andam a fazer e a pensar os representantes da Nação cabo-verdiana, os adormecidos da Assembleia Nacional e a que chamamos de deputados? — pergunto-me como cidadão eleitor, aquele a quem o Governo e o Legislador parlamentar devem prestar contas. Gostaria de saber o que pensam sobre isto (e os demais compatriotas, vulgo cabo-verdiano, também…), sobre a usurpação ilegítima das competências constitucionais da Assembleia Nacional, e porque os parlamentares se silenciam perante facto tão gravoso. Os direitos fundamentais dos cidadãos estão a saque, em perigo com tal forma de agir e sem fiscalização que omissões tão insustentáveis e gravosas como esta demonstram de forma cabal!
E o processo de Revisão da Constituição traz com ela situações análogas, que fazem perigar conquistas fundamentais dos cidadãos na II República. Deputados há que, por exemplo, fazendo parte da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, não aparecem nas reuniões. Mas, mais do que isso, «não dão cavaco» ao povo que representam! Acorda ó povo! Acorda! Acorda, e dê uma vista de olhos nas Actas da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição. Eu vou querer vê-las, mas será que verei? Será que o povo as verá, mesmo querendo? Há momentos — felizmente passam depressa — em que parece-me justo que um povo anestesiado tenha uma representação política adormecida ou igualmente anestesiada. Nesta questão da língua materna, nomeadamente a opção pelo modelo do ALUPEC e o processo de «negociação» da revisão constitucional, esta evidência é colocada a nu e na rua.
A ILEGALIDADE, IMORALIDADE E IRRACIONALIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ALUPEC
Ao ler os fundamentos, a exposição de motivos do Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março e que institui a título definitivo o Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana (ALUPEC) um leitor atento fica, no mínimo, estupefacto. Em particular se ao cotejá-lo com o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro que instituiu a título experimental o ALUPEC. O Artº.4º. do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro estatui que:
«Findo o período experimental e ouvidas a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana e demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma, procederá o Governo a uma avaliação final do impacto do uso do ALUPEC e adoptará as medidas que se mostrarem convenientes.»
Mas a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana nunca foi criada, e não se desenvolveu qualquer trabalho científico de relevo que seja invocado pelo legislador para se instaurar o ALUPEC (o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março é, neste aspecto, bastante elucidativo — e, já agora, alguém que diga ao Legislador que a enumeração é péssima técnica legislativa…). E, na falta grave de não se ter cumprido com a lei, o Ministro da Cultura, Manuel Veiga — com a chancela do Concelho de Ministros — recorreu a um expediente que chamaria de «Chico esperto» se não estivesse perante autoridades representantes do povo e saber haver pessoas no Governo que se preocupam: fez um Fórum de «utilizadores do ALUPEC» para suprir a falta da Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana e o trabalho de promoção da língua cabo-verdiana que não foi feito de forma adequada desde de 1998.
Sem o dizer e assumir expressamente — era previsível que o Ministério da Cultura agisse assim (até este escriba no exílio da diáspora adivinhou essa sua intenção, como está escrito e registado a data) — o Fórum de «alupecadores» fez de conta que era o que não era, e fez, na qualidade do poderia ser em parte mas não era: avaliou o ALUPEC e, como Juiz em causa própria, de amigo ou de amigo de amigo, avalizou o que o Ministro da Cultura desejava e não a realidade objectiva e com razões de ciência. O que era exigido pela lei e que antes não tinha sido feito foi realizado de forma ad hoc pelo Ministério da Cultura: (i) a criação da Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana, (ii) ouvir demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma e, assim, (iii) fazer de conta que se estudou, se investigou, se promoveu o ensino e o desenvolvimento da língua materna durante como exigido pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e que, durante uma década de sonolência, não se curou.
Mas a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana nunca foi criada, e não se desenvolveu qualquer trabalho científico de relevo que seja invocado pelo legislador para se instaurar o ALUPEC (o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março é, neste aspecto, bastante elucidativo — e, já agora, alguém que diga ao Legislador que a enumeração é péssima técnica legislativa…). E, na falta grave de não se ter cumprido com a lei, o Ministro da Cultura, Manuel Veiga — com a chancela do Concelho de Ministros — recorreu a um expediente que chamaria de «Chico esperto» se não estivesse perante autoridades representantes do povo e saber haver pessoas no Governo que se preocupam: fez um Fórum de «utilizadores do ALUPEC» para suprir a falta da Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana e o trabalho de promoção da língua cabo-verdiana que não foi feito de forma adequada desde de 1998.
Sem o dizer e assumir expressamente — era previsível que o Ministério da Cultura agisse assim (até este escriba no exílio da diáspora adivinhou essa sua intenção, como está escrito e registado a data) — o Fórum de «alupecadores» fez de conta que era o que não era, e fez, na qualidade do poderia ser em parte mas não era: avaliou o ALUPEC e, como Juiz em causa própria, de amigo ou de amigo de amigo, avalizou o que o Ministro da Cultura desejava e não a realidade objectiva e com razões de ciência. O que era exigido pela lei e que antes não tinha sido feito foi realizado de forma ad hoc pelo Ministério da Cultura: (i) a criação da Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana, (ii) ouvir demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma e, assim, (iii) fazer de conta que se estudou, se investigou, se promoveu o ensino e o desenvolvimento da língua materna durante como exigido pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e que, durante uma década de sonolência, não se curou.
E como se não bastasse, o Governo — numa compreensível pressa do Ministro da Cultura (que só convidou para o Fórum quem sabia que iria sancionar o ALUPEC: esse encontro foi um mero pró-forma, um formalismo de expediente e nada mais) — não procedeu à «avaliação final do impacto do uso do ALUPEC» antes de tomar a medida de aprovar o Alfabeto cabo-verdiano. Isto é, o Governo passou por cima da lei, como se ela não existisse (ironia das ironias…), como se pudesse fazer o que bem lhe aprouvesse. Mas isto, como veremos, sendo grave não é o mais grave. «Depressa e bem não há quem», diz bem o povo.
A também previsível criação de um «tacho alupekiano» (enquanto não aparece uma Cátedra da Língua Cabo-verdiana na Universidade de Cabo Verde) está prevista no ponto 4.3 do Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março ao dizer «Que se deve criar um Instituto Autónomo ou uma Academia para se ocupar da problemática da língua cabo-verdiana.» Proposta do Fórum do ALUPEC, pois claro. Não peço perdão pela minha frontalidade, pois a evidência é mais do que muita — a saciedade de se ir ao pote é tanta que se cometeram vários erros de forma e substância na elaboração desta lei medida (é, isso mesmo! Esta lei não foi feita a pensar na língua cabo-verdiana nem no povo cabo-verdiano, mas sim em determinadas pessoas e nos seus interesses).
Verifica-se, sem ter de recorrer a dados externos mas tão-somente ao vertido no Decreto-Lei nº. 8/2009 de 16 de Março que ela não respeita o Artigo 4º. do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro, não segue a lógica consistente de uma política da e para a língua materna, nem tem dados científicos nem práticos para avaliar o ALUPEC desde 1998. Todos os dados referidos nos pontos 1, 2 e 3 dos fundamentos, razões e motivos legislativos são anteriores a 1998 (com o ALUPEC emergir com base num estudo feito «durante seis meses» de 1993), havendo somente 5 (cinco) razões depois de desta data de 31 de Dezembro de 1998 para se instaurar e que transcrevo da lei (pois são extraordinárias – no sentido de escandalosas):
(i) De então para cá, esse modelo de escrita foi largamente utilizado no ensino em Cabo Verde e na diáspora (EUA, Portugal, Holanda…): na investigação académica e na elaboração de várias teses em Cabo Verde, EUA, Portugal, França…; na edição de várias obras poéticas, ensaísticas, lexicográficas e de divulgação de tradições orais.
(ii) De sublinhar que após a aprovação do ALUPEC todos os estudos académicos em Universidade estrangeiras e em Institutos Nacionais Superiores de Ensino utilizaram esse modelo de escrita, o que não deixa de ser muito significativo.
(iii) «É ainda de grande relevância o facto da Comissão Nazarena de Tradução da Bíblia ter adoptado esse modelo de escrita, desde 2000, tendo já traduzido alguns textos evangélicos no livro Notísias Sabi di Jezus.
(iv) Um outro dado relevante é a tradução, nesse modelo de alfabeto, de grandes clássicos da literatura portuguesa pelo poeta José Luís Tavares.
(v) Não deixa de ser relevante também a recente tradução, no ALUPEC, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (2008).»
Isso para além do Decreto-lei dizer invocar as conclusões do Fórum do ALUPEC de Dezembro de 2008 dizendo que uma das razões da opção para o mesmo é «por não ter tido a concorrência de nenhum outro modelo alfabético sistematizado e consistente». O que é um argumento extraordinário, se nunca foi promovido nenhum outro modelo — tem havido um quase fanatismo militante em torno do ALUPEC que não se tem dado espaço a nada mais, só se tem pensado num modelo (em circuito fechado) e em nada mais. Este argumento é falho de honestidade intelectual e académica mais do que evidentes e que não poderia ter guarida em sede de decisão governamental, mas teve. O Governo não fez o que devia, e usa as suas omissões para fazer valer o que tem sido alimentado pelo Ministro Manuel Veiga, primeiro como académico de depois como Ministro-missão do ALUPEC e que, por esta forma de fazer as coisas faz com que o povo se veja desditado com este Alfabeto feito a pensar numa dúzia de pessoas facilmente identificáveis.
E isto, para que o povo saiba, são os fundamentos do actual Governo de Cabo Verde para instituir o ALUPEC! Desvirtuou, de todo, aquilo que foi a intenção do Governo presidido por Carlos Veiga: estudar o ALUPEC a título experimental e, no âmbito de uma política de promoção e valorização da língua materna, depois, com base em critérios científicos, avaliar os resultados e tirar-se as conclusões pertinentes a dignificação da língua. Assim se deveria fazer, mas não se fez. Não seria, de todo, esta fraude à lei e à Constituição — sendo certo que o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro não é isento de falha constitucional, como veremos.
É grave o Governo proceder com tanta ligeireza no momento de legislar! E legislar em matéria tão importante como um direito e um princípio fundamental da Nação e do Estado de Cabo Verde. O facto de uma entidade privada ter recorrido ao ALUPEC para traduzir a Bíblia (que não é um facto acabado, mas um processo) é importante, mas não é critério científico para se avaliar o instrumento em si. E é grave num linguista com formação religiosa que sabe, deve saber, que a Bíblia sempre foi traduzida para todas as línguas e dialectos conhecidos como instrumento de cultura e missão evangélica, adaptando o texto às realidades.
E é consabido o exemplo escolástico de Isaías I.18: «[…] ainda que os Vossos pecados sejam como a escarlate, eles se tornarão brancos como a neve […]» Em línguas sem estrutura gramatical e que palavras, como a de «neve» no interior de África, não existia e os missionários conseguiram traduzir a Bíblia para estas línguas recorrendo-se a analogia. Aliás, basta ler-se os textos existentes da tradução de Os Lusíadas do Cónego Costa Teixeira — nomeadamente as transcritas por Leite de Vasconcelos, no texto Dialectos Crioulos Portugueses de África, e publicado em 1898 (Leite de Vasconcelos, «Dialectos Crioulos Portugueses de África», in Revista Lusitana, Volume IV, Fascículo 4, Lisboa, 1898, pp. 241.261) — para se perceber as dificuldades da tradução de um texto literário do português clássico para o cabo-verdiano (ao caso foi usado, decorria o ano de 1898 quando este texto foi editado, o cabo-verdiano ou crioulo de Santo Antão que o autor considera, assim como os demais crioulos cabo-verdianos, com origens no Sul de Portugal):
Tude aquês arma e quês home falláde,
Que lá de Gilbôa ond’ sol ta cambá,
Pa mar nunca dánts p’ôtes navêgáde,
Tê lá na cabe de munde ês chegá,
Na p’rigue má guerra desaf´nade
Més que tud’ força d’êss’ munde tá d’xá
E na mêi de gente longe ês fazê
Um nove naçom q’ês tant´ingrandcê;
No texto camoniano (Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, I.1) lê-se:
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
Mais, eu estou curioso para saber de que textos se está a traduzir a Bíblia para o cabo-verdiano no modelo ALUPEC… mas esta é, de todo, outra questão e contas de um outro rosário. É que ou falamos de ciência a sério, ou então somos meros copistas de traduções de traduções; e espero que não seja e este o caso, pois uma coisa é traduzir a Bíblia a partir dos seus textos originais, i.e., o Aramaico, o Hebraico e Grego antigo, e outra coisa é usar a Vulgata latina, a King James ou a João Ferreira de Almeida como referências, textos estes com erros de tradução (com consequências gravosas na hermenêutica bíblica) que passarão, se servirem de matriz, para o cabo-verdiano — e não importa se é o ALUPEC ou qualquer outro modelo de Alfabeto.
Do mesmo modo que o texto que a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania fez da Declaração Universal dos Direitos Humanos com o ALUPEC como instrumento não é relevante pois é um documento com trinta artigos, mais de 360 traduções e em quase todas as línguas e dialectos conhecidos… além de que há anos que andava a circular na internet estamos a falar, tão-somente dos dois textos mais traduzidos do Mundo: a DUDH e a Bíblia e que invocá-los como razão de ciência é, no mínimo, desacreditar a ciência. De notar-se, ainda, que a tradução da Declaração está pejada de erros, como é o caso do Artº.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que enuncia:
«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»
A sua tradução para o cabo-verdiano no modelo ALUPEC foi:
«Tudu gentis ta nasi libri y igual ku se dignidadi y ku ses diretu. Es nasi ku intelijensia y ku konsiensia y es debe ten pa kunpanheru spritu di morabeza.»
Ora, quem fez esta tradução lavra em erros conceptuais graves (e dá para perceber que não leu os trabalhos preparatórios da Comissão dos Direitos Humanos da ONU antes de lançar-se nesta aventura; que se louva a iniciativa, mas que se critica o voluntarismo e a falta de rigor científico), como, v.g., (i) confundir «razão» com «intelijensia»; (ii) subjectivar a dignidade e os direitos, ignorando que a força destes conceitos está na sua dimensão objectiva; (iii) degradar o conceito de «outro» que não é, de todo, análogo ao de «kunpanheru», pelo contrário! até são diacrónicos no plano lógico. E se não se for «kunpanheru», mas sim o «outro», o estrangeiro, o judeu, o «mandjaku»? Onde fica(rá) o dever na ausência do bom samaritano? O «outro» permanece para além do «kunpanheru», e o que esta tradução da DUDH faz é desvirtuar o sentido e a natureza do sentido do «outro» — e, note-se, este conceito é um conceito filosófico fundamental, estruturante para o humanismo, e não uma palavra inócua, assim como a de companheiro não é, no cabo-verdiano (mesmo com fórceps), sinónimo de outrem… Enfim, amadorismos.
A redacção do artigo Artº.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que emergiu depois de uma longa e profunda discussão ética e filosófica no seio da Comissão dos Direitos Humanos da ONU, tem as suas origens no draft de John Peters Humphrey e depois revista por René Cassin, sendo certo que tem origens mais remotas, nomeadamente no pensamento de Francisco de Vitória e na sua defesa de uma dignidade humana e de direitos naturais universais com génese na obra de Ulpiano e nos jurisconsultos severianos: «[…] o que é sempre justo e bom, designa-se por Direito natural» (Digesto, I.1). Daí que a universalidade da dignidade humana e os direitos humanos tenham uma dimensão objectiva (opondo-se ao direito subjectivo, ou direito do sujeito, o direito de cada um… ou «[…] se dignidadi y ku ses diretu») e seja aceite por todos os povos do Mundo. Em Cabo Verde, ao que parece, alguém teve a perspectiva peregrina de subverter o sentido e a natureza do maior ganho civilizacional do século XX (e o que me preocupa é que tenha tido uma dimensão instrumental para esta questão da aprovação do ALUPEC — pelo menos assim parece).
E será que, neste aspecto, preciso de continuar? Sim, para dizer que, além destas falhas, anota-se ainda (iv) que fraternidade [que, em linguagem teológica, tem também o significado de Amor e, na tradição cultural e jurídica europeia da cidadania emergente da Revolução francesa e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, está ao lado da liberdade e da igualdade] não é a mesma coisa que «morabeza», ainda que nos soe bem aos ouvidos! Os conceitos de Liberté, Egalité, Fraternité têm foros históricos e conceptuais próprios e são os fundamentos imediatos da República moderna. E esta fraternidade é, como um ex-estudante de teologia como o Ministro da Cultura sabe(rá), é um dos pilares da «civilização do Amor»… e que é mais, muito mais do que a «morabeza» crioula. Neste aspecto, seria útil a leitura de algumas Constituições pastorias, nomeadamente a Rerum Novarum e a Gaudium et Spes…
Assim como a expressão «gentis» não é feliz; direi até que é muito infeliz pois a noção de «homem» e «pessoa» foram expressamente afastado da redacção final quer pelos problema sociais e culturais ligados a ideia de «homem» que pelos problemas conceptuais inerentes à de «pessoa». E é por isso que ficou «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.» fica claro que o cabo-verdiano continua e continuará tributário do português no que diz respeito a compreensão de dados conceitos, e que cabo-verdianizar conceitos não quer dizer, de todo, popularizá-los. Falamos de ciência, é posto.
Isto para dizer que se o Governo quis dar uma sustentação científica ao Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março, foi infeliz na escolha dos exemplo escolhidos (na falta de mais…), pois tais não correspondem à realidade. A tradução da Declaração Universal dos Direitos Humanos é um desastre no plano da ciência do Direito (e é disso que falamos), e uma confusão acabada no plano da transposição de conceitos filosóficos para o cabo-verdiano no modelo do ALUPEC. Prenúncio do futuro? Parece que sim, mas Espero que não. A verdade é que se num único artigo de um texto tão pequeno como este se encontram estes erros (não identificados pelo Governo, pejado de juristas e de linguistas… e já nem falo na dimensão estruturante que a DUDH tem na ordem jurídica cabo-verdiana), o que dizer de textos mais complexos? Tornar-se-ia impossível a tradução de Ulisses de James Joyce, de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll ou qualquer das obras de Jurgen Habermas (e os linguistas e amantes da literatura sabem das dificuldades linguísticas e conceptuais, no caso de Habermas, que estes autores, entre outros, colocam).
Mas se isso não fosse bastante, o Governo fundamenta-se ainda num facto, «dado relevante», que não é verdadeiro, que não tem realidade e o mínimo de correspondência com a verdade: «dado relevante é a tradução, nesse modelo de alfabeto, de grandes clássicos da literatura portuguesa pelo poeta José Luís Tavares» (lex dixit). Este facto não é, reitero, verdade! Isto é brincar ao «fazer leis», sem racionalidade e realidade de fundamentos.
José Luís Tavares (o poeta escreve o seu nome de poeta com Z — este facto é compreensível pois, infelizmente para o Ministro da Cultura, não deve ler a poesia do poeta de Txom Bom) nunca traduziu nenhum clássico português para com/o ALUPEC! Está, sim, ó Governo da minha terra! (sim, M.I. Ministro da Cultura), a traduzir (traduzindo, o gerúndio clarifica?) os Sonetos de Luís Vaz de Camões para o cabo-verdiano e usando o ALUPEC de que é cultor. Ah, já agora: gostaria de ver o que o poeta dirá quando e se o fizer, pedir ao Ministério da Cultura para financiar a publicação dos Sonetos de Camões que está o traduzir e o Ministério dizer que não… que não tem verba. Cá estarei para ver, e ouvir.
É uma infelicidade, invocar-se isso como fundamentação numa lei — sendo o facto não verdadeiro (não uso a palavra mentir porque respeito sobremaneira as instituições do meu país para usar palavra tão lapidar). Verter uma inverdade numa lei, para poder fundamentá-la, é de uma gravidade tal — proceder a omissões, ou cometer erros técnicos ou invocar-se ciência frouxa até que se engole… a custo! — que só o povo a quem a lei se dirige pode julgar com ciência bastante. E este povo, de que faço parte e me orgulho de pertencer, merece uma explicação do Governo, em particular do Ministério da Cultura.
Posto isto, quem é que irá perguntar (i) ao Primeiro Ministro José Maria Neves; (ii) a Ministra da Educação, Vera Duarte; (iii) e ao Ministro da Cultura, Manuel Veiga (os dois primeiros com ambições poéticas e o segundo… Ministro da Cultura!), que assinaram o Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março em Conselho de Ministros, quais são «os grandes clássicos da literatura portuguesa» que José Luís Tavares traduziu para o ALUPEC? Têm a palavra os Senhores jornalistas (o povo, eu… por exemplo, gostaria de saber se estamos 1) perante incúria, 2) incompetência funcional, 3) desespero de fundamentação ou 4) falta de cultura no Conselho de Ministros e na Presidência da República). Como não sei, gostaria de saber.
Não sei quem mais é que quer saber, mas eu quero saber! Afinal, como é consabido e nunca o escondi de ninguém, dei o meu voto de confiança a este Primeiro Ministro, José Maria Neves, ao votar nele para governar o país por mais uma legislatura; o Presidente da República, como também se sabe, não mereceu o meu voto pois era meu entendimento que Carlos Veiga seria e faria melhor do que o Pedro Pires do primeiro mandato — e hoje estou cada vez mais convencido de que fiz a opção correcta ao não votar nele. É um vigia que não vigia, adormecido que está no Palácio presidencial (a promulgação do Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março é paradigmático).
Isto de meter o poeta no seio de uma inverdade, no mínimo, deveria dar lugar a um pedido formal de desculpas do Governo de Cabo Verde ao Poeta José Luís Tavares, a um esclarecimento ao Povo de Cabo Verde e a demissão do Ministro da Cultura (colocar o lugar a disposição do Primeiro Ministro, por razões pessoais, seria simpático e uma prova de que ainda respeita o povo de Cabo Verde — ou vai deixar a culpa para o chefe do Governo?).
O que é grave é que se atribui ao poeta de Txom Bom obra que não fez, e nem precisa ou precisará destes favores envenenados, e se omite que os «grandes clássicos» portugueses traduzidos para o cabo-verdiano não são nem do José Luiz Tavares nem de nenhum outro cultor do ALUPEC! Que eu tenha notícia — mas que não é valorizado devidamente —, Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões foi traduzido pelo Cónego Gomes Teixeira e o mítico poema Endechas à Barbara Escrava do mesmo Camões também vertido para o cabo-verdiano por Eugénio Tavares e que, como sabemos, não foi em modelo ALUPEC (e o Ministro da Cultura, enquanto académico, já orientou teses de mestrado em português e sobre o crioulo — que se Alupecou com a sua eucaliptica bênção — e conhecerá estas traduções como nenhum outro cabo-verdiano, e talvez por isso as não refere). A memória selectiva tem destas coisas: só são lembráveis as coisas e as situações que interessam para fundamentar o que se quer — o que eu até entendo, mas não posso aceitar como legítimo e aceitável neste contexto.
Mais, que a Ministra da Educação venha a público esclarecer onde e quando o ALUPEC, como «modelo de escrita foi largamente utilizado no ensino em Cabo Verde e na diáspora (EUA, Portugal, Holanda…): na investigação académica e na elaboração de várias teses em Cabo Verde», lex dixit. O ALUPEC a ser «largamente utilizado no ensino em Cabo Verde e em Portugal»? Impõe-se uma explicação aos encarregados de Educação dos discentes cabo-verdianos e ao povo em geral sobre (i) o quando é que os seus filhos estiveram a estudar o cabo-verdiano no modelo ALUPEC nas Escolas, (ii) quais são os estabelecimentos de Ensino Superior que assim fizeram e (iii) a que teses em cabo-verdiano alude a lei. É uma forma de justificar o não se ter procedido à reforma da Educação que o ensino do cabo-verdiano e experimentação do ALUPEC exigia com a aprovação do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro, mas é uma justificação inadequada.
Bom seria que se tivesse ensinado a língua materna nos estabelecimentos de ensino nacionais (como o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro previa no quadro de uma política de e para a língua cabo-verdiana), mas isso não aconteceu, nem acontece! Pelo que resulta uma outra inverdade dizer-se que tal aconteceu, sendo verdade que países como os Estados Unidos e a Holanda têm abertura para o ensino da língua materna cabo-verdiana no quadro das políticas de integração desses Estados, mas tal tem sido deixado ao Deus dará (os ao esforço e labor de académicos de origem cabo-verdiana que, justa e devidamente — à imagem de outras comunidades —, têm aproveitado este nicho académico), i.e., sem interferência directa do Estado de Cabo Verde na promoção devida da língua e da cultura materna. Pelo que as «demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma» exigidas pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro não eram, de todo, o Fórum ad hoc promovido em meados de Dezembro de 2008 e com um punhado de defensores do ALUPEC convocados para, consciente ou inconscientemente, irem dizer «Yes Minister!».
Corsino Tolentino, em entrevista ao Expresso das Ilhas dizia, a propósito desta matéria, que «[…] o processo parece viciado e é contra este modo de agir que muita gente estará […]» contra. Mas o processo «não parece estar viciado», ó meu Caro Corsino… está viciado! Viciado, tout court. E nem se teve a preocupação de dar uma aparência de legalidade e de transparência ao processo! E não é/será muita gente que deve(rá) estar contra este modo de agir: toda a gente deve(ria) estar contra esta forma de agir, de atropelo ostensivo da lei, da Constituição e do processo decisório que deve primar a acção de um bom governante.
Esta forma de agir não é somente um atentado à dignidade dos cabo-verdianos, dos seus direitos fundamentais e da sua cultura, é mais do que isso: constitui: (i) um atentado consciente contra a democracia e a separação de poderes dos órgãos de soberania do Estado de Cabo Verde, (ii) a demonstração da falta de cultura democrática do Ministério da Cultura em particular e (iii) de autoritarismo cultural que é ou pode ser o prelúdio de outras coisas e formas de ver e se viver o exercício do poder e a sua relação com os representados. E de algumas coisas o povo já disse basta no passado. Não preciso de lembrar o que está marcado na alma da nossa gente, pois não? E é por isso que nós, o povo, dispensamos estes tiques — o Estado autoritário e a confusão de poderes é coisa do passado, basta(ria) ler-se a Constituição da República (sei, sei que pode custar a ler, mas a Constituição também é cultura, ó M.I. Ministro da Cultura! Ó M.I. Ministra da Educação! Ó Primus inter pares!) e lembrar-se do conselho de Marco Aurélio a Annia Faustina e Annia Lucilla e que parafraseio aqui: aos governantes da República não basta dizerem que não são autoritários, não basta não serem autoritários: têm de não parecer que são autoritários.
Nem se diga que «após a aprovação do ALUPEC todos os estudos académicos em Universidades estrangeiras e em Institutos Nacionais Superiores de Ensino utilizaram esse modelo de escrita» (lex dixit) pois «todos» é demasiado vago e induz o destinatário da norma em erro, pois passa a ideia de que o ALUPEC tem sido usado como instrumento de trabalho em universidades estrangeiras e cabo-verdianas, e isso não corresponde à toda verdade. Ilide este juízo duas perguntas à Ministra da Educação, e que se reitera: (1) onde estão as teses defendidas em Cabo Verde sobre a língua materna? (2) Quais são ou foram os estabelecimentos de ensino superior em Cabo Verde que utilizaram e/ou utilizam o ALUPEC? É bom que se tenha a noção de que em política — ao contrário do que se pensa e se diz — não vale nem deve valer tudo; não!
Será verdade que nos últimos anos se tem promovido o estudo do ALUPEC no exterior e num círculo restrito para fins que agora se pode ver (como, v.g., neste momento, está um punhado de gente a ser formada em doutoramentos intensivos Bélgica para assumirem cargos de Professores na Universidade de Cabo Verde, ou de pessoas que nunca foram professores sejam quadros desta mesma Universidade…), mas com uma agenda de grupo — o que se pode(rá) chamar de «Confraria do ALUPEC» e que procura ser uma classe de experts e iluminados da língua cabo-verdiana. E depois, depois ouço o discurso da transparência governativa (nos planos executivo e administrativo) e da boa governação... Facto, non verba.
As conclusões aferidas do Fórum — o Ministério da Cultura parece, e digo-o sem acinte, sofrer de uma nova patologia: o «síndrome de fórum» — de um punhado de dias e com alguns especialistas foi uma farsa bem ensaiada para sancionar a aprovação do ALUPEC (grande parte dos melhores especialistas na língua cabo-verdiana não estiverem presentes, ao que me constou). O Fórum de Dezembro de 2008 não é, não foi a avaliação exigida pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro. Mas o Governo assumiu-o com se fosse essa avaliação, e fosse, também, a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana (o Ministério da Cultura parece ter uma Comissão ad hoc no grupo de pessoas que rodeiam, de forma tributária, o Ministro Manuel Veiga — pode não ser, mas que parece, parece…).
Resulta assim não somente (i) ilegal, por se desrespeitar a lei, mas também (ii) imoral por se invocar factos que se sabem e se tem o dever de saber serem falsas, e ser (iii) politicamente irracional a inexistência de critérios científicos sustentáveis para fundamentar-se a decisão no âmbito da escolha certa governamental (o «conveniente» do Artº.4º. in fine do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro). Este Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março é “conveniente” para alguns — até para um povo de cegos, mas não para Cabo Verde.
Isto de meter o poeta no seio de uma inverdade, no mínimo, deveria dar lugar a um pedido formal de desculpas do Governo de Cabo Verde ao Poeta José Luís Tavares, a um esclarecimento ao Povo de Cabo Verde e a demissão do Ministro da Cultura (colocar o lugar a disposição do Primeiro Ministro, por razões pessoais, seria simpático e uma prova de que ainda respeita o povo de Cabo Verde — ou vai deixar a culpa para o chefe do Governo?).
O que é grave é que se atribui ao poeta de Txom Bom obra que não fez, e nem precisa ou precisará destes favores envenenados, e se omite que os «grandes clássicos» portugueses traduzidos para o cabo-verdiano não são nem do José Luiz Tavares nem de nenhum outro cultor do ALUPEC! Que eu tenha notícia — mas que não é valorizado devidamente —, Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões foi traduzido pelo Cónego Gomes Teixeira e o mítico poema Endechas à Barbara Escrava do mesmo Camões também vertido para o cabo-verdiano por Eugénio Tavares e que, como sabemos, não foi em modelo ALUPEC (e o Ministro da Cultura, enquanto académico, já orientou teses de mestrado em português e sobre o crioulo — que se Alupecou com a sua eucaliptica bênção — e conhecerá estas traduções como nenhum outro cabo-verdiano, e talvez por isso as não refere). A memória selectiva tem destas coisas: só são lembráveis as coisas e as situações que interessam para fundamentar o que se quer — o que eu até entendo, mas não posso aceitar como legítimo e aceitável neste contexto.
Mais, que a Ministra da Educação venha a público esclarecer onde e quando o ALUPEC, como «modelo de escrita foi largamente utilizado no ensino em Cabo Verde e na diáspora (EUA, Portugal, Holanda…): na investigação académica e na elaboração de várias teses em Cabo Verde», lex dixit. O ALUPEC a ser «largamente utilizado no ensino em Cabo Verde e em Portugal»? Impõe-se uma explicação aos encarregados de Educação dos discentes cabo-verdianos e ao povo em geral sobre (i) o quando é que os seus filhos estiveram a estudar o cabo-verdiano no modelo ALUPEC nas Escolas, (ii) quais são os estabelecimentos de Ensino Superior que assim fizeram e (iii) a que teses em cabo-verdiano alude a lei. É uma forma de justificar o não se ter procedido à reforma da Educação que o ensino do cabo-verdiano e experimentação do ALUPEC exigia com a aprovação do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro, mas é uma justificação inadequada.
Bom seria que se tivesse ensinado a língua materna nos estabelecimentos de ensino nacionais (como o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro previa no quadro de uma política de e para a língua cabo-verdiana), mas isso não aconteceu, nem acontece! Pelo que resulta uma outra inverdade dizer-se que tal aconteceu, sendo verdade que países como os Estados Unidos e a Holanda têm abertura para o ensino da língua materna cabo-verdiana no quadro das políticas de integração desses Estados, mas tal tem sido deixado ao Deus dará (os ao esforço e labor de académicos de origem cabo-verdiana que, justa e devidamente — à imagem de outras comunidades —, têm aproveitado este nicho académico), i.e., sem interferência directa do Estado de Cabo Verde na promoção devida da língua e da cultura materna. Pelo que as «demais entidades ligadas à problemática da escrita da mesma» exigidas pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro não eram, de todo, o Fórum ad hoc promovido em meados de Dezembro de 2008 e com um punhado de defensores do ALUPEC convocados para, consciente ou inconscientemente, irem dizer «Yes Minister!».
Corsino Tolentino, em entrevista ao Expresso das Ilhas dizia, a propósito desta matéria, que «[…] o processo parece viciado e é contra este modo de agir que muita gente estará […]» contra. Mas o processo «não parece estar viciado», ó meu Caro Corsino… está viciado! Viciado, tout court. E nem se teve a preocupação de dar uma aparência de legalidade e de transparência ao processo! E não é/será muita gente que deve(rá) estar contra este modo de agir: toda a gente deve(ria) estar contra esta forma de agir, de atropelo ostensivo da lei, da Constituição e do processo decisório que deve primar a acção de um bom governante.
Esta forma de agir não é somente um atentado à dignidade dos cabo-verdianos, dos seus direitos fundamentais e da sua cultura, é mais do que isso: constitui: (i) um atentado consciente contra a democracia e a separação de poderes dos órgãos de soberania do Estado de Cabo Verde, (ii) a demonstração da falta de cultura democrática do Ministério da Cultura em particular e (iii) de autoritarismo cultural que é ou pode ser o prelúdio de outras coisas e formas de ver e se viver o exercício do poder e a sua relação com os representados. E de algumas coisas o povo já disse basta no passado. Não preciso de lembrar o que está marcado na alma da nossa gente, pois não? E é por isso que nós, o povo, dispensamos estes tiques — o Estado autoritário e a confusão de poderes é coisa do passado, basta(ria) ler-se a Constituição da República (sei, sei que pode custar a ler, mas a Constituição também é cultura, ó M.I. Ministro da Cultura! Ó M.I. Ministra da Educação! Ó Primus inter pares!) e lembrar-se do conselho de Marco Aurélio a Annia Faustina e Annia Lucilla e que parafraseio aqui: aos governantes da República não basta dizerem que não são autoritários, não basta não serem autoritários: têm de não parecer que são autoritários.
Nem se diga que «após a aprovação do ALUPEC todos os estudos académicos em Universidades estrangeiras e em Institutos Nacionais Superiores de Ensino utilizaram esse modelo de escrita» (lex dixit) pois «todos» é demasiado vago e induz o destinatário da norma em erro, pois passa a ideia de que o ALUPEC tem sido usado como instrumento de trabalho em universidades estrangeiras e cabo-verdianas, e isso não corresponde à toda verdade. Ilide este juízo duas perguntas à Ministra da Educação, e que se reitera: (1) onde estão as teses defendidas em Cabo Verde sobre a língua materna? (2) Quais são ou foram os estabelecimentos de ensino superior em Cabo Verde que utilizaram e/ou utilizam o ALUPEC? É bom que se tenha a noção de que em política — ao contrário do que se pensa e se diz — não vale nem deve valer tudo; não!
Será verdade que nos últimos anos se tem promovido o estudo do ALUPEC no exterior e num círculo restrito para fins que agora se pode ver (como, v.g., neste momento, está um punhado de gente a ser formada em doutoramentos intensivos Bélgica para assumirem cargos de Professores na Universidade de Cabo Verde, ou de pessoas que nunca foram professores sejam quadros desta mesma Universidade…), mas com uma agenda de grupo — o que se pode(rá) chamar de «Confraria do ALUPEC» e que procura ser uma classe de experts e iluminados da língua cabo-verdiana. E depois, depois ouço o discurso da transparência governativa (nos planos executivo e administrativo) e da boa governação... Facto, non verba.
As conclusões aferidas do Fórum — o Ministério da Cultura parece, e digo-o sem acinte, sofrer de uma nova patologia: o «síndrome de fórum» — de um punhado de dias e com alguns especialistas foi uma farsa bem ensaiada para sancionar a aprovação do ALUPEC (grande parte dos melhores especialistas na língua cabo-verdiana não estiverem presentes, ao que me constou). O Fórum de Dezembro de 2008 não é, não foi a avaliação exigida pelo Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro. Mas o Governo assumiu-o com se fosse essa avaliação, e fosse, também, a Comissão Consultiva para a Língua Cabo-verdiana (o Ministério da Cultura parece ter uma Comissão ad hoc no grupo de pessoas que rodeiam, de forma tributária, o Ministro Manuel Veiga — pode não ser, mas que parece, parece…).
Resulta assim não somente (i) ilegal, por se desrespeitar a lei, mas também (ii) imoral por se invocar factos que se sabem e se tem o dever de saber serem falsas, e ser (iii) politicamente irracional a inexistência de critérios científicos sustentáveis para fundamentar-se a decisão no âmbito da escolha certa governamental (o «conveniente» do Artº.4º. in fine do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro). Este Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março é “conveniente” para alguns — até para um povo de cegos, mas não para Cabo Verde.
Não sou contra o ALUPEC (sistema em que reconheço virtualidades), mas sou contra esta forma de fazer as coisas, esta forma de acção governativa — sem nexo e a esmo, que trata esta questão da língua cabo-verdiana como se fosse uma coutada de interesses de alguns e que o povo tem de aceitar de qualquer maneira. A língua cabo-verdiana não é quintal de ninguém! Não escrevo isto por prazer, mas por dever de dizer: não! Mesmo um homem paciente como eu, e que vê o bem mesmo onde não existe, acaba por dizer, cedo ou tarde, o que todos deveriam dizer: chega!
Mas há mais, pois é… há mais: o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e o Decreto-Lei nº. 8/2009 de 16 de Março são inconstitucionais! É o que veremos de seguida, com as limitações de escrita célere e da natureza deste espaço.
A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS QUE APROVARAM A INSTITUIÇÃO O ALUPEC
A língua cabo-verdiana, enquanto elemento estruturante da nossa nacionalidade, por natureza e estatuto constitucional, um princípio fundamental do Estado e um direito fundamental dos cidadãos. Pelo que estamos perante um direito que beneficia do regime específico dos direitos, liberdade e garantias fundamentais da Constituição da República de Cabo Verde (Artº.17º. CRCV).
Pelo que não estamos a falar de um direito qualquer, mas sim de um direito fundamental que a Constituição trata de forma especial — quer estabelecendo quem deve legislar sobre ela quer em que sentido e alcance se deve legislar. Esta matéria é da competência da Assembleia Nacional (Artº.176º., nº.1, alínea c) da Constituição da República de Cabo Verde), e não do Governo; pelo que falecia e falece competências ao Executivo para a aprovação do ALUPEC — uma vez que se trata de matéria de reserva relativa da Assembleia Nacional. Assim, quer o Decreto-Lei nº. 67/98, de 31 de Dezembro quer o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março estão inquinados de inconstitucionalidade material, formal e orgânica. E, o que é estranho (?) é o Ministro Manuel Veiga saber que a competência para aprovar o Alfabeto Cabo-verdiano — no modelo ALUPEC ou outro qualquer — é da Assembleia Nacional, pois estamos perante um princípio e um direito fundamental, e mesmo assim aventurar-se em legislar sobre tal matéria. Tal deveria ser bastante para travar os ímpetos do Ministério da Cultura, entusiasmado com alguma e efémera visibilidade, mas não.
O Governo tinha pressa em aprovar o ALUPEC como o Alfabeto Cabo-verdiano e resolveu atrever-se a ir para além do que devia, pois o povo é sereno — esperneia mas fica calado quando precisa de gritar (no caso é: kosta na txom e kaneta alupek na mom). Sem remissão, o Conselho de Ministros diz ao povo: «Toma lá o ALUPEC, e cala-te!» Constituição? O que é isso!? — a sua acção parece dizer. Aliás, o Conselho de Ministros nem se olhou para a Constituição: (i) copiou-se o § 3 do Decreto-Lei nº 67/98, de 31 de Dezembro como norma habilitadora, (ii) escreveu-se um breve enquadramento histórico, que é basicamente a mesma da norma de 1998, (iii) torceu-se a verdade e (iv) o Primeiro Ministro, a Ministra da Educação e o Ministro da Cultura assinaram o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março tornando o ALUPEC o Alfabeto Cabo-verdiano.
Em 3 meses o Ministro Manuel Veiga fez a façanha de resolver um problema sobre o qual o Governo dormiu durante anos, fazendo tabula rasa da Constituição da República e defraudando as expectativas legítimas de grande parte da nação. O que é certo e sabido é que sabia e sabe que o que fazia e fez era e é contra a Constituição de Cabo Verde, pois usurpou matéria que é da competência legislativa da Assembleia Nacional e não do Governo (como, aliás, o mesmo disse à Comunicação Social pouco tempo antes da decisão do Conselho de Ministros, em meados de Janeiro, se não me falha a memória) Pelo que a sua acção é tudo menos inocente ou negligente: o que fez foi consciente e em desconsideração dolosa da Magna Carta da nação cabo-verdiana. Note-se que não faço nenhuma imputação gratuita ou acintosa ao Governo e/ou ao Ministro da Cultura em particular, é um facto consabido, verificável e escrutinável por todos.
E fez isso com ligeireza, com o amadorismo puro e duro dos temerários. Faz-me lembrar uma situação que aconteceu em Lisboa por volta de 1992. Trabalhava como assessor do Conselho de Administração (CA) de uma Fundação quando esta decidiu transformar os contratos de trabalho dos seus efectivos, alguns com anos de trabalho na instituição, em contratos a termo certo (contratos a prazo). Chamei o Presidente do CA em privado, e disse-lhe:
— Não podes fazer isto, ó X…
— Mas porque não posso fazer isto, Virgílio?
— Porque é ilegal, e lesa direitos fundamentais e interesses legítimos dos trabalhadores — respondi, explicando-lhe as razões de tal ser assim. Olhou para mim, sorriu, e volveu:
— Percebi, e tens razão. Não sabia que era assim…
— Bem, então não vais fazer os contratos, não é? Posso arquivar os contratos? — quis saber, aliviado, pois o contrato de trabalho a termo estava elaborado para todo o quadro de trabalhadores assinar.
— Ah, não! Toda a gente vai assinar o contrato — disse-me, sorrindo.
— Mas, X… isso não faz sentido, e não é lícito — anotei, e ele sai-se como uma explicação que ainda hoje é uma das maiores lições que aprendi nesse período da minha vida:
— Faz o que foi acordado, Virgílio. E sabes porquê? Tu sabes que é ilegal, eu sei que é ilegal porque me disseste que é, mas eles não sabem…
«Eles» eram os trabalhadores da instituição. «Eles», nesta história do ALUPEC, é o povo de Cabo Verde. Não sei se isso é tratar as pessoas (os cidadãos de Cabo verde) de inocentes ou de parvas — mas que uma destas coisas é; lá isso é!
Enunciam o proémio e o Artº.1º. do Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março que «No uso da faculdade conferida pela alínea a) do nº 2 do artigo 216º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Mas há mais, pois é… há mais: o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e o Decreto-Lei nº. 8/2009 de 16 de Março são inconstitucionais! É o que veremos de seguida, com as limitações de escrita célere e da natureza deste espaço.
A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS QUE APROVARAM A INSTITUIÇÃO O ALUPEC
A língua cabo-verdiana, enquanto elemento estruturante da nossa nacionalidade, por natureza e estatuto constitucional, um princípio fundamental do Estado e um direito fundamental dos cidadãos. Pelo que estamos perante um direito que beneficia do regime específico dos direitos, liberdade e garantias fundamentais da Constituição da República de Cabo Verde (Artº.17º. CRCV).
Pelo que não estamos a falar de um direito qualquer, mas sim de um direito fundamental que a Constituição trata de forma especial — quer estabelecendo quem deve legislar sobre ela quer em que sentido e alcance se deve legislar. Esta matéria é da competência da Assembleia Nacional (Artº.176º., nº.1, alínea c) da Constituição da República de Cabo Verde), e não do Governo; pelo que falecia e falece competências ao Executivo para a aprovação do ALUPEC — uma vez que se trata de matéria de reserva relativa da Assembleia Nacional. Assim, quer o Decreto-Lei nº. 67/98, de 31 de Dezembro quer o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março estão inquinados de inconstitucionalidade material, formal e orgânica. E, o que é estranho (?) é o Ministro Manuel Veiga saber que a competência para aprovar o Alfabeto Cabo-verdiano — no modelo ALUPEC ou outro qualquer — é da Assembleia Nacional, pois estamos perante um princípio e um direito fundamental, e mesmo assim aventurar-se em legislar sobre tal matéria. Tal deveria ser bastante para travar os ímpetos do Ministério da Cultura, entusiasmado com alguma e efémera visibilidade, mas não.
O Governo tinha pressa em aprovar o ALUPEC como o Alfabeto Cabo-verdiano e resolveu atrever-se a ir para além do que devia, pois o povo é sereno — esperneia mas fica calado quando precisa de gritar (no caso é: kosta na txom e kaneta alupek na mom). Sem remissão, o Conselho de Ministros diz ao povo: «Toma lá o ALUPEC, e cala-te!» Constituição? O que é isso!? — a sua acção parece dizer. Aliás, o Conselho de Ministros nem se olhou para a Constituição: (i) copiou-se o § 3 do Decreto-Lei nº 67/98, de 31 de Dezembro como norma habilitadora, (ii) escreveu-se um breve enquadramento histórico, que é basicamente a mesma da norma de 1998, (iii) torceu-se a verdade e (iv) o Primeiro Ministro, a Ministra da Educação e o Ministro da Cultura assinaram o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março tornando o ALUPEC o Alfabeto Cabo-verdiano.
Em 3 meses o Ministro Manuel Veiga fez a façanha de resolver um problema sobre o qual o Governo dormiu durante anos, fazendo tabula rasa da Constituição da República e defraudando as expectativas legítimas de grande parte da nação. O que é certo e sabido é que sabia e sabe que o que fazia e fez era e é contra a Constituição de Cabo Verde, pois usurpou matéria que é da competência legislativa da Assembleia Nacional e não do Governo (como, aliás, o mesmo disse à Comunicação Social pouco tempo antes da decisão do Conselho de Ministros, em meados de Janeiro, se não me falha a memória) Pelo que a sua acção é tudo menos inocente ou negligente: o que fez foi consciente e em desconsideração dolosa da Magna Carta da nação cabo-verdiana. Note-se que não faço nenhuma imputação gratuita ou acintosa ao Governo e/ou ao Ministro da Cultura em particular, é um facto consabido, verificável e escrutinável por todos.
E fez isso com ligeireza, com o amadorismo puro e duro dos temerários. Faz-me lembrar uma situação que aconteceu em Lisboa por volta de 1992. Trabalhava como assessor do Conselho de Administração (CA) de uma Fundação quando esta decidiu transformar os contratos de trabalho dos seus efectivos, alguns com anos de trabalho na instituição, em contratos a termo certo (contratos a prazo). Chamei o Presidente do CA em privado, e disse-lhe:
— Não podes fazer isto, ó X…
— Mas porque não posso fazer isto, Virgílio?
— Porque é ilegal, e lesa direitos fundamentais e interesses legítimos dos trabalhadores — respondi, explicando-lhe as razões de tal ser assim. Olhou para mim, sorriu, e volveu:
— Percebi, e tens razão. Não sabia que era assim…
— Bem, então não vais fazer os contratos, não é? Posso arquivar os contratos? — quis saber, aliviado, pois o contrato de trabalho a termo estava elaborado para todo o quadro de trabalhadores assinar.
— Ah, não! Toda a gente vai assinar o contrato — disse-me, sorrindo.
— Mas, X… isso não faz sentido, e não é lícito — anotei, e ele sai-se como uma explicação que ainda hoje é uma das maiores lições que aprendi nesse período da minha vida:
— Faz o que foi acordado, Virgílio. E sabes porquê? Tu sabes que é ilegal, eu sei que é ilegal porque me disseste que é, mas eles não sabem…
«Eles» eram os trabalhadores da instituição. «Eles», nesta história do ALUPEC, é o povo de Cabo Verde. Não sei se isso é tratar as pessoas (os cidadãos de Cabo verde) de inocentes ou de parvas — mas que uma destas coisas é; lá isso é!
Enunciam o proémio e o Artº.1º. do Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março que «No uso da faculdade conferida pela alínea a) do nº 2 do artigo 216º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo1º. (Instituição do Alfabeto Cabo-verdiano) 1. O Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Cabo-verdiana (ALUPEC), aprovado, em regime experimental, pelo Decreto-Lei nº. 67/98, de 31 de Dezembro, é instituído como Alfabeto Cabo-verdiano.»
Acontece que a Constituição de Cabo Verde, na versão dada pela Lei Constitucional Nº. 1/V/99, de 23 de Novembro, não atribui, no Artº.216º, alínea a) quaisquer competências legislativas ao Governo, como invocado no Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março. A norma em causa diz o seguinte (transcrevo-a para atalhar tempo, e pode ser lida e verificada no sítio da Assembleia Nacional):
Artigo 216º. (Tribunal de Contas)
«1. O Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe.
2. O mandato dos Juízes do Tribunal de Contas tem a duração de cinco anos, é renovável e só pode cessar antes do fim do mandato por ocorrência de:
a) Morte ou incapacidade física ou psíquica permanente e inabilitante;»
Sim, leu bem! Não é nenhum equívoco, é outra coisa. A saber: o Governo nem se deu ao trabalho de verificar se tinha ou não competências para legislar sobre esta matéria; nem se deu ao trabalho de ler a Constituição. Só isso e uma cópia ipsis verbis de parte do Decreto-Lei nº. 67/98, de 31 de Dezembro explicam a invocação desta norma constitucional habilitadora. Mas para quê ler a Constituição? Sim, para quê é que o Conselho de Ministros leria uma Constituição que, nesta matéria, não respeita, que não conta para nada?
Mas a gravidade desta situação, também se estende ao Presidente da República (tenho, como se vê, as minhas razões quando digo que Pedro Pires não deixa(rá) saudades como Presidente da República…) que, mais uma vez, promulga uma lei ostensivamente inconstitucional sem analisá-la com olhos de fiscalizador das leis e guardião da Constituição da República. O que demonstra, também e mais uma e outra vez, que o país precisa de um Presidente da República com cultura da Constituição e que o faça respeitar. E a Assembleia Nacional e a Oposição? — perguntar-me-á. Andaram a dormir na forma, mais uma vez... E o povo é que se lixa!, não é? Sim, é.
E note-se que esta matéria não é de grande complexidade jurídica, pois é aprendida no primeiro ano das faculdades de Direito (Direito Constitucional I) e é, deve(ria) ser, o bê-á-bá de qualquer cidadão com assento em qualquer órgão legiferante (Parlamento ou Governo) ou de controle e/ou fiscalização da legalidade — seja no plano político (Parlamento e Presidência da República) ou jurisdicional (Procuradoria-Geral da República e demais membros do Ministério Público, Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional e tribunais de primeira instância). O veículo primeiro da expressão da nossa cultura, da nossa identidade nacional, não merecia nem merece ser tratado desta forma — e o silêncio que cobre Cabo Verde sobre esta matéria é insustentável, o silêncio dos intelectuais da nação fere os céus e a pátria de morte, de uma morte envenenada.
A responsabilidade intelectual e moral dos cidadãos deve vir ao de cima, elevar-se em forma de voz e demonstrar ser um factor conformador da acção política sempre que se apresente em defesa dos interesses fundamentais da nação e dos mais desfavorecidos — não somente no plano económico e social, mas de percepção da realidade e do conhecimento das (man)obras dos políticos que fazem tabula rasa dos fundamentos da República e rasgam a Constituição.
O problema fundamental reside no facto de que em 1998 fez-se uma opção que pretendia promover a língua cabo-verdiana no modelo ALUPEC, procurando a «livre adesão» dos cidadãos à mesma, com base em critérios científicos e numa política de cultura de promoção da língua cabo-verdiana. O desinvestimento nesse projecto e processo social e cultural fundamental tornou-o numa coutada privada, e o resultado é o que vê. O que o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março faz é, tão-somente, repristinar o Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março. Mas somente na parte que interessava, como convinha e convém para manter o povo com uma venda nos olhos. Mas, porque é que os que vêm estão calados? Estamos perante o ius abutendi do cabo-verdiano, i.e., de o direito de abusar do cabo-verdiano (dos dois, dos dois: do povo e da sua língua, da sua cultura).
O ALUPEC até que poderá ser o caminho necessário (estou convencido de que o será, a seu tempo e devidamente depurado e cientificamente sustentado), mas não assim, não assim. Aqui trata-se de defender a Constituição, a minha língua materna e o povo que está a ser vituperado por uma forma de agir manifestamente errática.
E tenho de parafrasear Marcus Tullius Cicero: Quo usque tandem abutere, Manuel Veiga, patientia nostra? Sim: Até quando, Manuel Veiga, abusarás da nossa paciência?
PS: Penitencio-me por texto tão extenso, mas quando não se percebe uma frase, há que fazer-se uma oração; e espero que não estar a pregar no deserto. Há quem tenha outros deveres…
----- Publicação originária: Liberal on line
2 comentários:
Meu caro, tanto blá blá blá para dizer "Pessoal, em 2011, votem no meu amor Carlos Veiga"
Oh! Meus Deus... não me entendeu, ao que parece.
Amores, tenho um mas demasiado pequeno para ser contado nestas coisas e ser chamado para elas.
Ademais, amo no feminino: minha terra, minha pátria, mulher.
O meu voto, é o meu voto. Não está caucionado, não. Só pensa assim porque não me entende...
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