quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

  • O ESTERNOCLEIDOMASTOIDEO POLÍTICO, A AUTORIDADE, CHÁ E CALDOS DE GALINHA...
O Ministro das Infraestruturas e Transportes, Manuel Inocêncio, durante a discussão do Orçamento do Estado de Cabo Verde, desrespeitou afrontosamente, o Primeiro Ministro José Maria Neves ao afirmar – gargantud, à velha e boa moda mindelense – que só sai do Governo quando quiser; sim, primeiro quando quiser e só depois se o Primeiro Ministro lhe retirar a confiança.

Parece que, embalado pelas palavras elogiosas na voz canora da Ministra Jandira Hopffer Almada, deixou-se infectar pelo pecado da vaidade e da arrogância e não só inverteu a ordem do cânon da situação ministerial como desrespeitou no Parlamento o Primeiro Ministro. Esqueceu, por momentos, quem é o chefe, quem manda. Ou será que foi um acto falhado? Não sei. Só sei que foi de uma deselegância afrontosa para com o Primeiro Ministro e tal correu Mundo através da rádio e da RTP África (a peça televisiva, neste particular, não pode ser vista como mera coincidência... não é só quem se pensa que escuta e vê o país, pois...).

É, o Ministro usou mal e extemporaneamente o esternocleidomastoideo como músculo ético e político. Cabo Verde dispensa – como não consegue dispensar outras coisas – as gafes Manuelinas. Do Governo e da Oposição.

Estas situações custam caro ao Governo, pois dão ou podem dar a ideia de que a autoridade do Primeiro Ministro encontra-se enfraquecida no seio do seu executivo. Se é verdade que o Primeiro Ministro é um Primus inter pares, os Ministros – além de incondicional solidariedade –, estão, devem estar, sempre e em qualquer momento, sujeitos à autoridade funcional e política do Primeiro Ministro. O Ministro Manuel Inocêncio – como já tinha feito Júlio Correia, ex-Ministro da Administração Interna, na questão da negociação do Código Eleitoral – deixou passar uma ideia totalmente diferente, de um Primeiro Ministro que não tem mão nos membros do Governo.

E a oposição dorme, ou está desatenta. A opção de nomear Fernando Elísio Freire – para além das qualidades que terá e que não vêm ao caso – líder da bancada parlamentar do MPD parece ter sido um erro de casting, extemporânea ou um então foi colocado na Assembleia Nacional como cordeiro sacrificial; para, como Jorge Santos, ser queimado politicamente, como diz o povo.

A discussão do Orçamento do Estado, por exemplo, foi de uma pobreza tal que dificilmente se poderá falar em dialéctica parlamentar. E havia questões fundamentais de técnica orçamental para colocar este OE em crise, assim como questões de substância da política económica, financeira, social e cultural do Governo a merecer escrutínio cerrado e cuidado da Oposição e esclarecimentos esmiuçados e sustentados do Governo. Mas os deputados preferiram o show político, para inglês ver e alimentar o ego de tricas com gritos silenciosos de eureca!

Até o Deputado Pascoal Santos se escudou nas «letras pequenas» do texto orçamental, como se não existisse uma função no computador que permitisse aumentar as letras do texto... O país tem de acordar, pois precisa de mais de tudo, nomeadamente de uma Oposição atenta, que seja alternativa ao Governo. Já se viu que nem Jorge Santos é o líder que o MPD precisa – penso que os seus militantes têm consciencia disso há muito – nem Fernando Elísio Freire é (neste momento não é) o D. Sebastião do partido da ventoninha (dentre e fora do Parlamento), ainda órfão da liderança de Carlos Veiga.

Quem ouve atentamente os debates parlamentares fica com a ideia de que o grupo parlamentar do MpD é uma espécie de manta de retalhos e de que a sua liderança carece de sentido estratégico e de visão política alternativa. Se o MpD almeja poder discutir as eleições de 2011, terá de mudar de líder, ou o líder mudar o sentido da não estratégia que tem ostentado e construir uma estratégia sustentada e que afronte com razão e com a razão o Governo. O MpD deveria ter um programa de Governo alternativo ao seu opositor nas últimas eleiões e hoje Governo do país, mas parece que não tem. E se o tem, faz tábula rasa dele.

O país precisa de uma boa oposição como precisa de um bom Governo. E ainda que este Governo fosse o melhor ou o pior Governo do Mundo, só teria a ganhar (e a nação também...) com uma oposição forte na razão, na estratégia e com uma ideia de e para o país. Mas, infelizmente, isso não acontece.

É uma evidência: o MpD precisa de visão, como de pão para a boca. O MpD não anda à bolina em águas tormentosas, não: o MpD anda à deriva! O também desrespeitoso, para Jorge Santos, debate entre Carlos Veiga e José Maria Neves é prova disso. Há que haver autoridade efectiva, no Governo e na Oposição; mas chá e caldos de galinha não fazem mal a ninguém, pois não?
. Publicado originariamente in
Liberal
  • Imagem: She was astonished to see how her grandmother looked, Gustave Dore

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