sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

  • A ÉTICA POLÍTICA CABO-VERDIANA E O ESCANDALO DA SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS
Alguns deputados da Nação cabo-verdiana, e os líderes partidários, ao que parece, têm em comum uma coisa: querem, todos, ver esclarecidos a novela do Banco Insular, Sociedade Lusa de Negócio, Banco Português de Negócios e as suas eventuais ligações à classe política e à Banca cabo-verdianas. As motivações, ao que parece, são diversas e não têm a ver, necessariamente, com a Justiça em si.

É um facto inferível da realidade. Por isso, será bom que não venham a usar a Procuradoria Geral da República como bode expiatório das limitações que uma investigação desta natureza acarreta. Espero não ver ninguém a escudar-se em imunidade parlamentar, nem ver a Assembleia Nacional a servir de entrave à uma investigação profunda do Ministério Público. Não se pode pedir ao Procurador Geral da República para investigar se, depois, quem deve ser investigado não o pode ser.

É bem pior do que apresentar uma moção de confiança cuja aprovação se encontra garantida no Parlamento em razão da maioria ou não apresentar uma moção de censura pelas mesmas razões. Estas – as moções de confiança e de censura – têm a sua justificação, legitimidade e encontram-se ancoradas na ética e na legitimidade democráticas; já a instrumentalização mediata da PGR, seja por quem for e por que meios forem, é que não me parece legítima e muito menos justa e eticamente sustentável.

Esta, sim, é matéria para existir um alargado consenso parlamentar – para não dizer unanimidade: quem for suspeito deve ser investigado e, se for esse o caso, ser constituído arguido nos termos da lei penal. Mas para isso acontecer, a Assembleia Nacional deve se pronunciar de forma inequívoca; de outro modo estar-se-á a deixar o odioso para a Procuradoria Geral da República. Não é uma questão que depende, ao contrário da ideia que se passa para a opinião pública, única e exclusivamente (como deveria ser num país democrático – e, neste plano em concreto, a nossa Constituição é falha no que concerne à lógica da separação de poderes) da Procuradoria Geral da República. Não é assim. É justo que tal seja dito, que os cidadãos tenham consciência disso.

Quero ver quem terá a coragem política de propor uma Resolução parlamentar sobre esta questão; isto é, permitindo a instauração de processos crimes contra eventuais políticos prevaricadores. Silêncios e omissões, não são admissíveis; flic-flac, muito menos. Isso, sim, é, será, levar as coisas às últimas consequências, é levar a ética política para o seu lugar natural. É dar à Magistratura o que lhe é devido; é deixar o braço da lei estender-se a todos; é não permitir um nicho de impunidade e de dar-se guarida à acções de pessoas que se encontram acima da lei na sociedade cabo-verdiana.

Esta necessidade, imperiosa, permitiria as pessoas sujeitas à suspeições, a partir do momento em que fossem constituídas arguidas em eventuais processos, de se defenderem ou não das imputações; e das pessoas que as imputam de as provar. Mas é evidente que uns têm mais a perder do que outra no plano da autoridade moral e dos ganhos e perdas políticas, por essa razão é que se deverá despolitizar a Justiça – este sentido não é unívoco. E não é unívoco porque tanto tem o sentido de haver um maior respeito institucional pelos órgãos jurisdicionais como de não haver uma interferência directa do poder político na administração da Justiça – como acontece em Cabo Verde quando estão em causa membros dos órgãos de soberania, nomeadamente membros do Governo e deputados da nação. Um destes problemas é do plano ético e moral, que demanda uma abstenção do poder político de usar os órgãos jurisdicionais como instrumentos de fazer política. O outro, porque consubstancia uma decisão do legislador constituinte, só poderá ser resolvido no plano da revisão constitucional.

As peregrinações à Procuradoria Geral da República não valerão de nada se a Assembleia Nacional servir de escudo seja a quem for, e em que momento for. O Estado de Direito não pode ser ficção jurídica, tem de ser algo de efectivo, de real, de palpável. Cabo Verde não é uma aristodemocracia; é uma democracia.

  • Imagem: I and the Village, Marc Chagall

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