segunda-feira, 7 de abril de 2008

~ Francisco de Goya - Saturn devouring one of his chidren ~

  • PLÁGIO. DITIRAMBO MATINAL

A propósito de um artigo do Nuno Ferro Marques publicado no Liberal on line de 07.05.2006, lembrei-me de um facto: quem plagia come-se a si mesmo – a sua capacidade de criar, o seu pensamento e a sua consciência.

São as únicas coisas que o homem nunca, mas nunca deveria colocar sujeito a vitupério. Quem não pode construir uma barragem, que construa um dique. Ademais, como dizia Confuncio em sábio conselho, “quem carrega uma mão de terra todos os dias um dia terá uma montanha”.

Mas a tentação de carregar uma montanha de uma vez só é terrível, terrível como querer e não poder. Summ cuique tribuere (dar a cada um o que lhe é devido), dizia Ulpiano no Digesto – citar os autores é isso. Acrescenta: neminem laedere (não prejudicar a ninguém) – isto é, tirar o mérito a quem o merece ou, ao caso, os direitos de autor ao criador.

E Ulpiano dizia isso a propósito do princípio da Justiça. É uma coisa bela, mas anda nua pelas ruas da amargura, em todo o lado, com cadeias de mentira a tolher o seu caminho. Segundo José Ortega Y Gasset, o homem é ele mesmo e a sua circunstância – nunca está sozinho. E quem escreve, tem de ter consciência disso – é ele mesmo e a sua circunstância. Esta nos rodeia e nos condiciona – como se fosse uma extensão da nossa consciência.

O que não tem nada de fatalismo, não; pois o que o filósofo disse realmente foi "Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo". A imagen do que dizia Jean Paul Sastre – o que importa não é o que fazem com o homem, mas o que faz do que fizeram dele. Se a herança genética ou o adquirido social não fez de um homem um criador, então que use a criação de outrem – mas que o diga.

Há algum tempo falei com José Luís Hoppfer Almada sobre uma novela que estava a escrever e, depois de falarmos an passant sobre o conteúdo da mesma disse-me:

– Olha que o João Vário escreveu algo parecido em o «O Estado Impenitente da Fragilidade” (romance de D. T. Didial).

Fiquei a pensar nisso, pois não conhecia a obra, e lá fui a procura dela. Comprei o livro e li-o com prazer, verificando que não tinha nada a ver (quer na forma quer no conteúdo) com “O Morto Que Não Queria Morrer” que estava, na altura, a ultimar. Dei-lhe um draft do esboço de livro, que entretanto foi substancialmente modificado e que hoje, certamente, não reconhecerá de todo.

E porque digo isso? Porque é possível, mesmo sem conhecer o texto de um autor, coincidir com ele no pensamento, na ideia substancial e na dimensão estética – é possível e acontece com maior frequência do que se imaginará. Agora, o que não é possível de ser coincidência criativa é a identificação formal plena, com estrutura gramatical e vocabulário iguais, de duas obras.

Isso, não. Está na moda, em Portugal, pagar-se a quem tem talento para escrever obras que depois são apostas os nomes dos autores (desde celebridades a trabalhos científicos). Uma ideia para quem plagia porque a circunstância assim o obriga; basta contratar um writer e terá obra feita sem crime.

É uma ideia, uma ideia que fica como conselho pro bono.

6 comentários:

Alex disse...

Como diz Friedrich von Logau "Quem diz que o poeta inveta/É juiz de pouca conta".

Afinal, a escrita é como as cerejas, não é verdade?!
Por isso, e "en passant" sugiro-te também outra leitura: MIA COUTO "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", Caminho.

O teu título fez-me lembrar a história do velho Mariano, do livro do Mia.

Não sabia que estavas a escrever um romance. Mas por alguma razão benigna, também não me surpreendes.
Confesso-me, isso sim, curioso. Muito curioso! Venha lá livro.
1 Ab
Cunha

Anónimo disse...

Pois…

Vou ler “MIA COUTO, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", sim.

“O morto que não queria morrer” é uma história de sobreviventes da fome de 1947 e das marcas profundas que deixou em gerações. E é, de certa forma, uma(s) história(s) de amor, sendo uma delas homossexual e que nos revela a natureza humana na sua nudez, quando liberta de preconceitos.

Um livro sobre migrações de pessoas e de almas, da ideia de que o que vemos não é, de forma alguma, a realidade das pessoas e os seus segredos. Tem uma linguagem que, eventualmente, chocará as almas menos livres, mas é a vida.

Tenho outras duas obras em esboço. “O tempo do Intocável Colibri” – um livro sobre mutações internas das pessoas e sobre a dicotomia sonho/realidade.

O outro, “O Shadu da Abundância”, é um livro de buscas e descobertas. Tem uma dimensão espiritual e religiosa: um magistrado rígido, “defensor da moral” e auto proclamado “educador social” descobre que é capaz de mentir, roubar e cometer todas as faltas que condena no ser humano, isso para conseguir o que deseja; não por necessidade natural mas por necessidade de ambição. Fica milionário por fortuna e, sabendo de um segredo guardado nos arquivos mortos do círculo interior de uma ordem maçónica, sai em sua busca.

Acaba por encontrar Jesus Cristo, que não morrera na Cruz – assim como o Apóstolo Sundar Shing – nos Himalaias. Consegue o segredo da vida eterna, mas não como desejava.

Dedico-lhes, religiosamente, duas horas e meia por noite (o tempo de ver um filme na TV) e demais tempo livre. Mas se tiver o mesmo problema que estou a ter com o livro que tenho pronto, irá demorar até poderes lê-los.

O meu livro “Os Imperadores Africanos do Império Romano – A multiculturalidade no berço da Europa” está na editora mas como estão com problemas financeiros a edição está em stand by. É um livro de investigação histórica (450 páginas), com informações verdadeiramente surpreendentes para a compreensão da história de África e dos africanos.

Gostava, verdadeiramente, de ter tempo para escrever. Mas o que fazer? Talvez com o tempo, quando voltar para a minha terra, isso aconteça.

Abraço e dia bom

Alex disse...

Fico contente por saber tudo isso. Espero que as obras nasçam, amadureçam e depois sejam dados à estampa. Fazes bem em não mostrar pressa.
Provavelmente o livro do Mia Couto terá muito pouco a ver com a tua história.
Experimenta também o Faulkner "Na minha morte" e "Pedro Páramo" do Juan Rulfo, poderão ser úteis. O único texto que insisto que leias, e releias, é o conto do Virgílio Pires "Herança". Este sim é fundamental para o tema que descreves. Mais do que um texto literário é uma oração, um hino, uma parábola. Guarda em si os fundamentais da Cabo-verdianidade.
Estarei atento ao prelo. Não deixes de avisar.
1 ab
Cunha

Anónimo disse...

A pressa, excepto em matéria de saias (eh, eh...) não é boa, não.

Se me puderes arranjar o texto "Herança" do Virgílio Pires...

De Faulkner, deves estar a falar da edição portuguesa do extraordinário "As I lay Dying".

Abraço fraterno

Alex disse...

Já te enviei o texto por e-mail!
1ab
Cunha

Anónimo disse...

Acabo de ver. Vou lê-lo logo.

Abraço e dia bom