domingo, 6 de abril de 2008

HU JIA. O NASCIMENTO DE UM MÁRTIR DA DEMOCRACIA?

Pensava há pouco num facto. Não temos consciência de como somos felizes com essa coisa estraordinária – e que usamos muitas vezes de forma tão leviana – chamada liberdade de expressão e de pensamento. Isso a propósito do activista de direitos humanos Hu Jia.

Na Quinta-feira, 3 de Abril de 2008, Hu Jia – activista de direitos humanos e uma das consciências chinesas na luta contra o HIV-SIDA –, foi condenado por um Tribunal do povo de Pequim a três anos e meio de prisão e a um ano de privação de direitos políticos por, na perspectiva do Tribunal, ter atentado contra o sistema político e social chinês e instigar a subversão do Estado ao publicar dois artigos na Internet: “China Political Law-enforcement Organs Create Large-scale Horror ahead of CPC National Congress” e “One Country Doesn't Need Two Systems”, onde defende a democracia, a liberdade religiosa e a autodeterminação do Tibete.

A mulher de Hu Jia, Zeng Jinyan – também ela uma crítica do Governo chinés – encontra-se em prisão domiciliária com uma criança de tenra idade e com os telefones cortados, não podendo contactar com o exterior da sua casa e dizer o que pensa ou não. Assistiu, acompanhada pela sua filha e sob escolta policial, à leitura da sentença do marido. Não será dificil imaginar o que irá na sua alma enquanto escrevo ou lê estas linhas.

Hu Jia foi um dos nomeados pelo Parlamento Europeu para o Prémio Shakarov de 2007 e foi objecto de conversa aquando da visita de Condoleezza Rice a Pequim em Fevereiro de 2008. Segundo o seu Advogado, Hu Jia – que se encontrava em prisão domiciliária há cerca de dois anos –, poderá sair da prisão por razões de saúde. A ver vamos.

Se a questão da defesa ou apologia da autodeterminação do Tibete tem uma dimensão complexa e pode ser vista como crime pela ordem jurídica chinesa, a verdade é que em qualquer outro país democrático – ou com padrões de respeito pela individualidade e liberdade da pessoa humana que o actual estádio de desenvolvimento da humanidade exige – tal estaria abrangido pelo direito, pela liberdade e garantia de expressão.

Ser preso por defender a democracia e os seus valores, assim como os direitos, liberdades e garantias fundamentais do homem, é contrário aos direitos humanos. E não me venham dizer que a China tem “outra perspectiva” dos Direitos humanos! É mera falácia argumentativa.

Os Direitos humanos têm uma dimensão universal pois alicerçam-se em valores que não estão sujeitos ao arbítrio da decisão política. A dignidade humana é fundamento, não é para ser espezinhada em nome de qualquer razão de Estado ou de partido-Estado.

Hoje, também sou Hu Jia.

2 comentários:

Alex disse...

A China (só falando dela) não teria Igrejas, Templos e Pagodes suficientes para tantos mártires anónimos. Ao menos este Hu Jia tem nome e tem rosto. No seu nome e no seu rosto, brilham nomes e rostos de todos aqueles que não viram a luz da denúncia iluminar a sua causa. Não há causas perdidas. Nem mesmo as esquecidas.
A luta continua!
ZCunha

Nota - Escrevi primeiro assim:
"Não há causas perdidas. Só as esquecidas." Não sei muito bem porque a corrigi.

Anónimo disse...

Cunha,

há alguns anos, antes da queda do Muro de Berlim, colaborei com a “Igreja do Silêncio” que trabalhava no bloco de leste e, podes crer, não existem capelas no mundo para o número de mártires gerado nessa parte do Mundo e na China onde a Igreja do Silêncio ainda trabalha.

Felizmente vão aparecendo rostos que podemos identificar e que nos afastam da abstracção.

Concordo mais com a primeira formulação ("Não há causas perdidas. Só as esquecidas."), pois esquecer é, certamente, perder. Como está escrito na Capela Sistina, “Só tem importância aquilo que é eterno”. Não é "só", mas...

A luta pela liberdade, seja ela qual for, é uma odisseia da humanidade, de toda a humanidade. E a “Justiça” pode ser tão injusta e abjecta! Não raras vezes agonia-me…

Abraço fraterno