quarta-feira, 9 de abril de 2008

~ Nun, Milo Manara ~

  • NOVA JERUSALÉM

Quando nasci,
tanta dor senti
que gritei de protesto…

Desde então
procuro a sua ausência
sorrindo com lágrimas
e pés cansados…

Ainda moço, falaram-me
de uma cidade justa
chamada Nova Jerusalém
cujos muros são compreensão
e a dor irmã
palavra insana e sem sentido.

Depois de muitas buscas
e já com os anos pesando,
encontrei a cidade sagrada.
Aproximei-me dos seus portões de bronze,
toquei nos seus ferrolhos de ferro
e abriram-se…

Vi então um ancião –
tão velho como a noite,
de cabelos brilhantes como o Sol
sentado num tronco de azinheira
– e perguntei-lhe: – "É-me lícito
entrar no descanso que procuro
desde o primeiro pulsar no meu peito?"

O ancião agarrou num livro
e leu do verbo das coisas ditas:
– “Só é digno de entrar na cidade santa
quem tenha as mãos limpas,
o coração puro
e saiba amar.”

Ditas estas palavras,
fechou o livro e continuou
sentado com o Sol no tronco de azinheira.

Então pensei para comigo
e disse-lhe: – "As minhas mãos
estão sangrando o sangue da minha mãe
que não viu o meu rosto;

o meu coração está manchado
pelo ódio
que sinto pelo mal
que me afronta sem razão;

e não sei amar,
como diz o Nazareno,
sem ser hipócrita, verme
e indigno de mim…"

O ancião voltou a abrir o livro
e leu com a tez serena e enegrecida
pela testemunha das auroras:
– “Pelas tuas palavras serás salvo
e pelas tuas palavras serás condenado…”

Percebi então que a cidade santa
não era para mim
pois até no Paraíso
uns são mais iguais que outros.

E grito; sim, grito de protesto…

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