sexta-feira, 4 de abril de 2008

  • INDÚSTRIA DE CULTURA OU "INDUSTRIALIZAÇÃO" DA CULTURA?

Li, sim li.

Não quis crer, mas li. Manuel Veiga dixit.

"Vamos discutir o financiamento corporativo que deve existir na cultura, porque a responsabilidade de financiar a cultura é dos poderes públicos mas também é da cidadania, do mecenato, e sobretudo vamos discutir a questão da industrialização da cultura" – disse Manuel Veiga, Ministro da Cultura de Cabo Verde, sobre o Fórum internacional sobre a economia do desenvolvimento cultural que o seu ministério promoverá.

Mas, a cultura pode (ou deve) ser industrializada?

Vou reflectir sobre isso, começando a pensar em como se industrializa Salvador Dali ou, para ficarmos na terra, o talento de Vasco Martins, Bau ou Mário Lúcio, a poesia de José Luiz Tavares ou de Arménio Vieira, as vozes de Cesária, Bana ou Lura…
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Cultura não é coisa democrática, não.

Deve haver alguma maneira de se encontrar pílulas de cultura e, com felicidade, arranjar uma forma de fabricá-las no Maderalzinho, na Assomada ou n´Lajêde. Deve, e de certeza que há, uma forma de tornar o acto de criar e a grandeza estética meras massas informes para o consumo rápido, sim – tem de haver. Vamos em frente, vamos criar o nosso Capeverdean Fried Culture - sim, for all e p´tude gente.
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Sei que já estivemos mais longe, já. O futuro, em catarse de grandeza chega devagar – mas vai chegando. Sempre pensei que Cultura não liga(va) muito com industrialização, mas é mea culpa, mea maxima culpa!

Oh! Abra-me os olhos, meu Deus. Tenho olhos e não vejo…

6 comentários:

Alex disse...

Calma aí companheiro. Nem tudo o que parece é! A questão não é a da produção individual da arte (criação) formas de condicionamento, interferência, ou sequer as muitas formas da sua reprodução, tema que vem sendo debatido desde os inícios do Sec XX (Walter Benjamin, Adorno e mesmo Heidegger têm reflexões fundamentais a respeito), mas todo o imenso fenómeno (comercial, financeiro, institucional, legal, etc.) que gravita em torno da arte e dos artistas. Ora este debate é fundamental. Todos os países desenvolvidos já o fizeram, incorporando as reflexões daí decorrentes na política cultural, no ordenamento jurídico, nas regras comerciais e fiscais, e nas forma de gestão. Pretender-se-á com ele criar condições materiais para a produção, divulgação e difusão, do fenómeno artístico, condições de gestão ajudem a disciplinar, dinamizar e diversificar as ofertas, que contribua para a sua democraticidade de acesso e oportunidades, que crie públicos, que explore espaços, promova e gira eventos, desenvolva negócios, crie postos de trabalho, contribua para a riqueza, num sector que, hoje, é analisado como qualquer outra actividade económica (há, inequivocamente, um mercado da arte que não pode ser deixado ao ‘Deus dará’) e financeira (a cotação dos nossos artistas é um bom exemplo, e um importante activo). Verdadeiras indústrias da arte, é o que fazem, e mt bem, os Espanhóis, os Franceses, os Ingleses e os Italianos (só para citar alguns). É ver o peso que a cultura tem nos PIB's desses países. É assunto muito sério, actual, e pertinente. Lamento que só agora tenhamos acordado para ele. Antes tarde do que nunca.
Que os pintores pintem, que os actores representem, que os músicos componham, que os escritores escrevam, etc. Toda esta produção faz parte, A JUZANTE, do mercado. Este, pode e deve contribuir, directa e indirectamente, para criar condições para que os artistas criem, para que as suas obras sejam lidas, ouvidas e vistas pelo maior número de públicos. Hoje, com a globalização, a existência de uma verdadeira (e séria) Indústria Cultural, é condição sinequanon, e factor crítico de sucesso para um País pequeno como Cabo Verde, mas onde a cultura tem peso, e uma presença, que extravasou as nossas fronteiras. Não é o Sol turístico, nem o betão armado de ordenha fácil, o mel e o leite do nosso actual rincão, as nossas maiores riquezas. O nosso maior activo, o nosso ‘petróleo’ é a cultura. Temos de o saber explorar tão bem, ou melhor, como muitos não sabem fazer ao seu ‘ouro negro’ ou aos seus diamantes.
Não te deixes escandalizar.
No entanto, há tantos passos ainda por dar antes desta discussão, tantas coisas por fazer, que a proposta de facto parece ser hilariante e delirante, mas não é. Já me vou habituando à ideia de ver Cabo Verde a ser forçado a saltar etapas fundamentais, e naturais, de qualquer percurso de desenvolvimento, que fico com sérias dúvidas quanto à sustentabilidade de certas medidas, ou acções.
Esta é uma discussão que vale a pena, acredita. E actualíssima.

Abç's
ZCunha

Anónimo disse...

Cunha,
entendo-te. Mas - desgraçado mas...

A questão da “Industria da Cultura”, que não é, necessariamente, a da “industrialização da cultura” ( há um “non liquet” da expressão do Manuel Veiga que não é despiciendo) é matéria que teve forma maior no segundo quartel do Século XX e, como bem dizes, com Adorno e Horkheimer, da Escola de Frankfurt.

Como sabes, Adorno, ao ter uma noção de elitista de cultura – da “arte autêntica”, como dizia –, degradava as formas do que hoje chamaríamos de “cultura dos media” ou via media. Movia-o razões de natureza não meramente filosóficas mas também de vivência pessoal, política, social e estética.

Adorno, ainda que estivesse na primeira fase desta discussão (mas que grande parte das suas conclusões continuam válidas), alerta-nos para alguns dos perigos da Industria da cultura – a massificação social e cultural, nomeadamente via "media" que podem ser usadas como instrumentos de repressão.

O que é natural que assim pensasse – pois estávamos no pós segunda guerra mundial… Mas há que estar vigilantes às novas formas de repressão subliminares, nomadamente da divergência estética feita pela normalização imposta pela “industria cultural”.

Tenho para mim que o sistema educacional (neste particular Adorno é ainda pertinente) é a maior arma de “normalização” ou “massificação” das pessoas que o Estado tem… Neste aspecto, ao contrário do que diz Max Weber, o “maior poder” que o Estado tem não é o da “violência legítima” – é o da normalização do homem, industrializando a sua formação e/ou formatação cultural.
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A questão – como dizes e bem – é pertinente e vale a pena. Não é tarde, não. Basta olhares para a história política de Cabo Verde para perceberes que esta discussão só poderia ter lugar agora. Talvez até esteja a saltar um patamar – o de uma sociedade politicamente mais aberta, em que o poder não está centralizado.

Mas as realidades da “sociedade de comunicação” e da “abertura” forçada pela nossa produção cultural são outras, não?

Sou a favor de uma Indústria da cultura, sim.

O país há muito que deixou isso nas mãos de “outros”, dando a ideia de que não tem um política de e para a Cultura. Aliás, basta ver os valores inscritos do Orçamento Geral do Estado para perceberes o que digo.

O que coloca o problema da sustentabilidade económica (e política) de uma Industria da Cultura em Cabo Verde. É possível, sim. Mas teríamos de passar, primeiro, por uma autocrítica profunda da nossa mentalidade e atitude em relação à cultura. A começar pelo Governo – não basta medalhas. Espero que seja isso que está na "mens" do Ministro.

Mas o que te digo, meu amigo, é que uma coisa é a criação de uma Industria da Cultura – no sentido de meios de criação, promoção, etc., da cultura – e outra a “industrialização” da cultura, a sua “massificação” e todos os perigos que ela traz.

Até porque, mesmo para a cultura que se promove, a “massificação” é inimiga da qualidade e da sua sustentabilidade.

Esperemos para ver.
Seguirei a discussão, quando se der, com interesse.

Abraço fraterno

Alex disse...

Meu Caro

O meu incurável optimismo é um tanto alérgico à 'dialética negativa', e ao pessimismo beato dos Frankfurtianos.
Industrialização, Massificação, Globalização. PERIGOS? Viver é perigoso. Onde vês perigos, vejo desafios.
Não transformes numa 'guerra' o que foi apenas um deslize, uma inabilidade do verbo.
Este assunto pode levar-nos longe. E longe é sempre um bom caminho a seguir, não achas?
Para mim o que importa é o seguinte:
- pressuposto: o debate é necessário e deve ter lugar.
- desafio: vamos tomar parte nele, mesmo que o convite não chegue.

Já estou alinhavando ideias. Só ou acompanhado algo sairá. Chamemos-lhe pomposamente, Prolegómenos para um debate futuro.
Seria importante que por estas bandas fizessemos o nosso trabalho de casa. Que te parece?
Abç's
Cunha

Anónimo disse...

Cunha,

Partilho do teu saudável optimismo.

No entanto, não acho que os frankfurtianos sejam arautos de um pessimismo “beato”; são mais a expressão de uma consciência ferida que se preocupa em alertar a sociedade de alguns perigos. Temos de os situar no seu tempo e pensar no que viveram e viram viver durante tempo do nacional socialismo…

Alertam-nos, de certo modo, para eventuais “tocadores de tambor”. E, nesse aspecto, acompanho-os. Agora, que estou de acordo que devamos ter uma “industria da cultura” é claro e inquestionável – aliás, já deveríamos tê-la há muito. O que não é mesmo que "industrializar" a cultura, não.

É claro que, em momento algum, pensei em qualquer forma de “guerra”. Percebi que, certamente, seria um “lapsus linguae” do Ministro Manuel Veiga e, como esse meu mau feitio do rigor das coisas, não pude deixar de lançar a questão.

Isso, já é participar da discussão.

Agora, não me parece que sejamos lembrados nela, não. Lembro-te de um mail que me mandaste (para ter conhecimento do mesmo) sobre os blogs de CV… Não disse nada de propósito, a espera do que sabia que aconteceria. Uma correcção ou sujestão tua foi atendida, como deves ter notado. Mas isso é coisa menor, e só to lembro à laia de suporte discursivo.

Sobre o que “importa”, como dizes, esperar qualquer tipo de convite é, certamente, ficar à espera de Godot.

Agora que o debate é, por natureza, aberto e imperativo, é.

Não sendo sobre a metafísica futura, pode e deve haver prolegómenos sobre a cultura futura, sim. É nosso dever contribuir para isso, perto ou longe a terra é nossa – e não há “também” aqui, não.

Sim, concordo contigo que podemos – como povo e nação – ir longe neste aspecto e marcar pontos na globalização positiva da nossa cultura. Seguir em frente é, verdadeiramente, um bom caminho.

Abraço e resto de dia bom (com esta chuva…)

Alex disse...

Viva

Meu caro, talvez eu me tenha exprimido mal, mas o meu "mesmo que o convite não chegue" era pura ironia. Nem estou à espera dele como deves calcular. Já aprendi que os que estão fora estão irremediavelmente DE FORA. O nosso papel é dizer-lhes que não aceitamos essa condição de "fidjus di fora". E isso só se faz de uma maneira. Aqueles que estão cá deveriam fazer o seu próprio debate, e dar pública nota disso, nos Blogues, nos Jornais, etc. (aliás tu já o fazes nas páginas do Liberal). Depois, quem quiser ouvir que ouça, quem quiser ignorar que ignore.
Já vai sendo tempo de construirmos uma verdadeira comunidade de ideias (informalíssima), e porque não de afectos tb, cá por estas bandas tão desabrigadas da lonjura. Estamos longe mas não distantes, muito menos indiferentes.
Abç's
Cunha

Anónimo disse...

Percebi-te à primeira companheiro; não te expressaste mal, não.

Daí ter feito referência aos blogs…

Ah, gostei dessa “informalíssima”. Ademais, é sempre tempo para tudo. E estou de acordo contigo; não podemos continuar a ser somente os que votam e só têm deveres.

Abraço fraterno