sábado, 12 de abril de 2008

  • O MENTIROSO E O BURRO DE NAÇÃO SABE P´CAGÁ

Era uma vez, há muito, muito tempo, dois amigos e amantes da Respublica Nação Sabe p´Cagá – Mentiroso e Burro de seus nomes.

Viviam em Nação Sabe p´Cagá, ilha sobranceira à terra da abundância, contentes porque Mentiroso era Cônsul e quase dono da terra e Burro um ambicioso Senador que pensava que cedo ou tarde herdaria a Fortuna de Mentiroso e o seu consulado Sabe p´Cagá.

Era sabido de e por todos: Mentiroso dizia-se, além de Cônsul pró hereditário, futuro Senhor dos morgadios; enquanto Burro vociferava que isso era somente Sol de Inverno rigoroso e que ele, sim ele, seria nomeado pelo Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá como sucessor natural de Mentiroso e de todas as suas possessões consulares.

Mentiroso e Burro evitavam encontrar-se, como Diabo escondendo rosto da cruz ou dia da noite. Mas aconteceu que, num dia que Deus p´tâ n´Mund, encontraram-se no sopé de umas montanhas viçosas e prontas a perder a sua inocência. Iam encontra-se com alguns representantes do Rei de Nação Sabe p´Cagá e de ancoradouros da terra da abundância.

Discursos de circunstâncias foram ocorrendo, à moda de conversa pâ boi n´trapitche. Chegado a vez de Mentiroso, este não se fez rogado e, inspirado pela fortaleza das montanhas e pela brisa marítima próxima d´Aga-doce, adquiriu alma oratória de Cícero.

– Eu levei o povo desta terra à grande terra da abundância, não há gente com fome, quaisquer castas de necessidades ou salários abjectos por aqui; somos uma sociedade desenvolvida e da informação! Agora, nô stá na moda na tude Mundo – dizia.

Burro ouvia-o e franzia a testa, incomodado com as palavras de Mentiroso que continuou o seu discurso enquanto Burro pensava para si mesmo: «Este gajo deve andar no Mundo da Lua. Nação Sabe q´Cagá já psû nhondenga»…

– Nesta terra de Sabe q´Cagá, o desemprego desce a olhos vistos, a segurança nunca foi tão boa como agora e os índices macro económicos – fez uma pausa para agarrar numa pasta que mostrou orgulhosamente, brandindo-a no ar como se fosse um esforçado e sonhado diploma – satisfazem toda a gente; até o Banco Mundial! Ainda teremos asas! Podem estar certos disso; ainda teremos asas! E só não as temos porque não me deixaram ir buscá-las… – disse, com tom justificativo e só não foi aplaudido em apoteose pelos
correligionários porque o lugar não era próprio.

Burro mexia-se na cadeira, nervoso. «Será que o homem tinha razão? Asas!? Quem é que não queria asas?...» – pensava com os seus botões, enquanto olhava para o seu séquito com olhar inquisidor.

– Isto estava em trevas, eminências, Senhoras e Senhores; mas acabou! Eu sou a luzzzz desta terra! – disse Mentiroso com acentuada convicção de meteoro e um sorriso nos lábios. Ao ouvir isso, Burro não se conteve – era demais, pensava – e, levantando-se como que por instinto, gritou:

– Mentiroso!

A sua voz ecoou com estrondo na sala, como beijo melado de boca dos pais do Messias em hora de santa comunhão e com o penitente Cristo repartido em bocados que faltam em Tchom bom. Olharam todos para ele, espantados, mas ninguém atentou no que disse, excepto um jurista que sussurrou nos ouvidos de Mentiroso:

– Isso aí é ofensa, Sr. Mentiroso! É ofensa grave, muito grave. Dá lugar a processo criminal. Olhe que vem aí os morgadios…

Foi de imediato secundado pelos demais sequazes de Mentiroso que clamaram em uníssono:

– Desculpa ou processo! Processo ou desculpa!

Mentiroso olhou para eles, não entendia bem o que queriam dizer – até o seu adversário estava a aclamar o seu nome bendito entre os géneros e agora pediam-lhe para processar o homem… «Mas que néscia gente é esta que me acompanha?» – pensou e retorquiu placidamente:

– Porque Vos preocupais tanto? O meu nome é Mentiroso, não é?...

Sem saber o que dizer, ficaram calados – se o Cônsul Mentiroso não se importava com o agravo também não se importariam; assim diz a arcana “regra da mama sagrada”, criada pelo amado séquito de Sardanápalo. Ao ouvir o questionamento de Mentiroso, Burro levantou-se de novo e disse com esbatida convicção:

Layer! – E saiu apressado do encontro com os representantes do Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá e dos ancoradouros da terra da abundância. Tinha tempo para falar com eles – se calhar com o próprio Senhor Rei… –, mas não para ouvir o verbo inepto de Mentiroso; isso não, pensava.

Mas Mentiroso ouviu as vozes de bruxas em noite escura da Assomada que tinham voltado à carga e, agarrando no microfone de marfim da nação, foi até às portas do Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá reclamar.

– Burro ofendeu-me. Tem de me pedir desculpas! E já! – gritou, com dores de vitimado, no microfone de marfim.

O Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá, a pensar nas festas que se avizinhavam e que já lhe corriam nas veias de antecipado prazer, ao ouvir as suas queixas perguntou-lhe:

– Mas, Mentiroso; o teu nome não é Mentiroso?...

– Sim, é – respondeu Mentiroso, envergonhado pelo seu nome inusual. Não era epíteto, não. Era mesmo nome. Os pais quiseram dar-lhe «um nome sabe p´cagá» e deu nisso… Ainda chegou a pensar em falar com o Mestre da Liberdade para mudar o nome, mas pensou que isso poderia ser visto como favor e mudou não de nome mas de ideia. Mas, consciente da sua razão e da sua graça ofendida, continuou:

– Mas é que me ofendeu!... – acrescentou em voz suplicante, como se o Senhor Rei Nação Sabe p´Cagá fosse a Casa da Suplicação de Nação Sabe p´Cagá. Mas não era, não era não…

Ao ouvir isso, o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá perguntou-lhe porque é que se achava ofendido e pediu-lhe para expor as suas razões. E assim fez.

– E foi isso que aconteceu, Senhor Rei d´Sabe p´Cagá. Mas foi quando eu disse que era a luz da terra que Vossa Senhoria me entregou que o Burro me ofendeu – disse Mentiroso.

Ao ouvir isso o Rei de Nação Sabe p´Cagá riu-se desbragadamente e disse a Mentiroso.

– Oh, mentiroso!... Isso não é mentir, é dizer uma mentira. Vai, vai e não tornem a dizer mentiras.

– Tornem!?... – perguntou Mentiroso estupefacto. «Como é que o Senhor Rei se atrevia a dizer tornem? Ele, sim ele, é que fora ofendido!» – pensava enquanto olhava para o Senhor último de Nação Sabe p´Cagá que, meio aborrecido, cogitava em que festa iria nessa noite e tinha de perder o seu tempo precioso de quase sêbura a aturar dissensões menores. «Nação Sabe p´Cagá é p´sêbura e sêbura én´é p´ser estragôde» – pensava para os seus botões o Senhor Rei.

– Sim, tornem… – reiterou o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá com um sorriso divertido enquanto o dispensava com um gesto régio. «Felizmente – pensou, aliviado, o Senhor Rei – o Cônsul Mentiroso não veio falar de mais aumentos e da culpa culpada do petróleo»…

Mentiroso, confuso e escandalizado, foi-se embora. Mas haveria de apanhar o Burro. Ah, sim! Não perdia por esperar, não. Mas tinha de falar com os representantes do Senhor Rei, pois aproximava-se a época da divisão dos morgadios e queria que os seus filhos dilectos ficassem com as melhores terras, pois então sim – Nação Sabe p´Cagá seria mesmo sêbe p´q´guê.

E lá foi encontrar-se com os representantes da Nação Sabe p´Cagá. Ao chegar ao local, Burro já lá estava – queria ser o primeiro a falar do futuro dos morgadios aos representantes do Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá.

Burro levara os filhos e amigos mais próximos, assim como Mentiroso que nunca dispensava o seu séquito. Ambos queriam a precedência para falar com os representantes e dispunham-se a ocupar o lugar de eminência. Mas este, por natureza de situação, não podia ser de ambos. Então, como se fossem réprobos do verbo, iniciaram um fungagá elocutório.

– O lugar é meu, cheguei primeiro! – disse Mentiroso.

Burro olhou para Mentiroso e, ainda que sumamente aborrecido – queria, a todo o custo, mostrar a sua dimensão de Cônsul aos representantes de Nação Sabe p´Cagá –, sorriu e disse-lhe:

– Olha lá, ó Mentiroso; isto é mesmo coisa do teu nome!

– O quê, Burro? – perguntou Mentiroso, que não ouviu ou não entendeu bem o que Burro tinha dito, ou então não queria saber nem de uma coisa nem de outra.

– Eu disse que o lugar é meu, pois eu cheguei primeiro – insistiu Burro.

– Primeiro? Ah!, lugar de Bûrro ê na ladera. Nho ka sabê, Bûrro? – disse Mentiroso, convencido da sua prioridade como Cônsul e de que vox populi vox Dei est; isso segundo fladuprudência nascida com Sabe p´Cagá, ainda antes desta ser Nação Sabe p´Cagá, e que era consabida por todos.

Burro, “consulmente”, conteve-se, pois não havia nenhuma ladera por perto e os representantes estavam era ali; sim, ali mesmo e não na ladera… Não, não era ele que Mentiroso chamava burro, mesmo sendo Burro, era a gente que o acompanhava. Sim, era isso. Oh, isso sim, era ofensa! Tinha de falar com o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá. Se calhar – pensava –, depois de consultar os seus jurisconsultos, até teria de recorrer à Casa da Suplicação sabecaganense.

E lá foi Burro falar com o Senhor Rei, a quem aclarou as suas razões. Depois de terminar, o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá perguntou-lhe:

– Mas, Burro; o teu nome não é Burro?...

– Sim, é Burro… – respondeu, constrangido com o nome. «Mas porquê é que eu, sátrapa desta terra Sabe p´Cagá, não tenho um nome de santo, de Deus ou poeta grego?» – perguntou em silêncio a si mesmo.

– Então!?… – o Senhor Rei olhava para ele com um olhar inquisidor –. Como é dito n´Nação Sabe p´Cagá, lugar de burro é mesmo na ladera; não é?

– Sim, Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá; é sim… – disse Burro, meio titubeando pois tinha esquecido da fladuprudência d´Nação Sabe p´Cagá. «Porra! Mas como é que me esqueci da fladuprudência de Sabe p´Cagá?» – gritou ao seu silêncio, embaraçado.

Então – disse-lhe o Rei de Nação Sabe p´Cagá –, o que o Mentiroso disse foi uma verdade; não foi uma mentira.

Ao ouvir isso, Burro começou a rir. «Mentiroso a dizer uma verdade?» – pensou. Essa tinha de apontar, dizer aos filhos, aos amigos, ao seu séquito e fazer uma grande festa. Sim. Oh, sim!... Olhou para o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá – que não percebia nem queria perceber a razão do seu riso – e disse-lhe, com a alma satisfeita e grata à sabedoria colectiva de Sabe p´Cagá:

– Obrigado, obrigado! Mentiroso a dizer uma verdade?… Essa é boa!

Saiu maneando a cabeça e foi para casa contar este evangelho sabe p´cagá gerado pelo verbo de Nação Sabe p´Cagá. Teve então notícias de que Mentiroso tinha ido falar com o Senhor Rei através do microfone de marfim da terra e resolveu escutar as suas palavras. «O que iria dizer, o Mentiroso?» – cogitava.

– Não peço desculpas ao Burro nem aos seus burrinhos; mas, como Cônsul sabe p´cagá, retiro as palavras que proferi – disse Mentiroso, contente e com a alma tranquila porque sabia que o Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá iria gostar da sua resposta.

Burro, ao ouvir estas palavras, passou horas e horas a rir. Quando conseguiram falar com ele, perguntaram-lhe porque ria tanto. E respondeu:

– Mas Vocês não vêem? Ele não sabe que palavra dita não se retira, que nunca volta atrás sima pedra lançôde n´ladera? Eu sou Burro, mas é só de nome…

E voltou ao riso compulsivo. Não estava só, agora.

No dia seguinte, encontraram-se em Cidade Escura – capital de Nação Sabe p´Cagá – e começou tudo de novo.

O Senhor Rei de Nação Sabe p´Cagá, farto destas polémicas estéreis que o distraíam da sua distracção, decidiu fixar polisprudência nacional por liminar Real Édito Sabe p´Cagá:

1. Mentiroso e Burro têm de mudar de nome.

2. Se Burro e Mentiroso não mudarem de nome até a escolha dos morgadios, serão nomeados Morgados de acordo com o livre alvedrio de Sabe p´Cagá e outro Cônsul e Senador, com nomes mais simples, serão ponderados para o futuro da Nação Sabe p´Cagá.
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3. Nação Sabe p´Cagá tem de mudar de nome. Assim, determino que será efectuado um referendo para decidir se Nação Sabe p´Cagá quer continuar a ser ou não Nação Sabe p´Cagá.
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4. Eu é que voto. Vai ser Sabe p´Cagá.

E continuaram a viver Sabe p´Cagá para sempre.
  • Nota de escriba: Qualquer semelhança desta quase fábula com a realidade – que a alma de Ceres me contou ao fim da tarde na Praia de Carcavelos – ou com qualquer pessoa física ou moral é pura, mas pura coincidência. E se, por mera ventura, encontrarem algum laivo de comparabilidade com a realidade, é porque a realidade se engana.
    Virgílio Rodrigues Brandão

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