domingo, 13 de abril de 2008


  • O CANTO DOS PIRILAMPOS

    Epitáfio testamentário de um poeta:

    «Era um Deus louco
    que amava
    sob o canto dos pirilampos.

    Era um Deus louco
    que amava
    com as mãos inocentes sangrando.

    Era um Deus louco
    que amava
    com lágrimas eternamente rios
    em mim…

    Era um Deus louco
    que amava
    com egoísmo extremo e eterno
    – medo que trouxe igual saudade
    de mim no plenilúnio da hora.

    Era um Deus louco
    que amava,
    que nunca conheci ou amei
    como amo-me, gândara de ti,
    por imperativo de viver
    e de ser eternamente eu.

    Era um Deus louco
    que amava
    no momento que me perdi
    com a plena convicção da perdição
    empolgando meu coração
    com sonhos tão longínquos
    como um sonho e a banda do Norte
    podem ser…

    E era, enfim…
    um Deus louco que amava
    quando, com vontade renegada,
    colhi da bailar eternidade
    uma flor mais que flor
    permanecendo o orvalho eterno
    de uma manhã adiada
    e nunca nascida no rosto.

    E permanece na sombra de tudo o que sou
    essa imagem de Deus
    que Deus amou e perdeu
    por amar um sonho e uma loucura
    mais do que Eu.

    E, à beira da minha porta,
    misturado com o pó que já foi gente,
    escondem-se os pirilampos
    que no silêncio mais silencioso que o silêncio
    das negras noites canibais
    acordam-me com um canto sem palavras
    e perguntam-me para onde vou
    ao que eu respondo sempre: – “Sou um rio
    manando sem fonte para o deserto sem fim
    que espera-me landa
    como uma mãe um filho perdido”.

    Ah, sempre, sempre a sorrir, os pirilampos…
    E brilham, brilham como uma trilha
    sem nome. Sou eu, eu
    voltando da aventura. Enterrem-me, ali mesmo.»
  • Maio, 1992

  • Mad, Mad, Mad Minerva - Illustration for Memories of Surrealism (1968)

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