quinta-feira, 3 de abril de 2008

A grandeza de um povo
está na maneira como enfrenta a adversidade.

Plutarco

ÁFRICA

A tua realidade é ser gaivota.
Dor, voando no tempo.
No mar, cruel solidão…
Fome olhando os céus
ouvind´os sons do silêncio
quebrando a voz dos canhões
que cantam teu pranto.

No rio vermelho da batalha,
chora, ó Mãe velha!
Chora lágrimas que alimentam
crianças de ventre circular,
sonhos desérticos, efémeros,
divino arrependimento.

Nas sombras das palavras sedentas
as nuvens impiedosas não choram
pelos poetas que enganam a realidade
à imagem da minha imagem.

O mundo gira, languidamente…
Nas fogueiras nocturnas, de esperanças
perdidas, mamas insensíveis estendem-se
sem prazer, sem dor, de regresso da morte
por via do pão
perecem ternamente,
o prazer de ser Mãe,
a dor de ser filho…

Nos olhos horizontais, cansados,
sonham o descanso do estômago
os esquecidos do trigo.
Um sonho latejante, goteja
lágrimas secas fertilizando a terra
de vermelho transitório.

Com o corpo sugado pela memória
abutres invisíveis cantam ao sol
que tarda em chegar. Na aurora do sonho
África grita e chora liberdade
pela força da águia do norte,
pela força do urso cansado
para além do sol; a morte é miragem.

No corpo de ébano, o prazer é voar
para lá dos insondáveis sons da dor
procurando o verde da alma menina
que ficou florida de cinza.

  • Este poema é do princípio dos anos oitenta, talvez 1984. Represtino-o hoje. Com um pouco mais de esperança? - Sim, muito mais; mas foi construida pelo tempo alheio.

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