O TESTAMENTO VITAL DO POETA BORGES
Na Praça do Giraldo, descanso. O Templo de Diana (oh, eternidade! Como virastes mulher depois de morto, ó Augustus!...), a Capela dos Ossos, a limpeza das ruas… tudo me transporta à uma pergunta: como nos esquecem, apagam-nos da memória e esquecem a nossa vontade. A morte não é coisa de e para todos – penso. Lembrei-me do que li no El País de ontem (Quinta-feira): «Aguardo la muerte com esperanza … tiengo miedo de ser imortal». Uma citação de Borges. Era, então, 1978. A morte – condição que chega com a eutanásia, o suicídio, o homicídio… partidas da natureza das coisas – é um mero começo.
Ressurge a polémica em torno do descanso do poeta: Borges, em declarações públicas agora desnudadas, queria que o seu corpo fosse sepultado em Buenos Aires; no local onde estão os corpos dos pais, dos avós…Mas Borges está enterrado em Genebra – a sua pátria de adopção (lembro-me de «Os Conjurados» – um do mais belos poema políticos de Borges).
A Argentina quer os restos mortais do poeta na sua terra natal. A viúva do poeta, Maria Kodama, acha que não, que esse desejo do poeta era coisa do passado; que é algo que deveria ser vista e entendida no tempo da afirmação. Ah!, como se os poetas fossem seres que mudassem de sentido de alma profunda… como se dissessem as coisa por dizer e sentissem por sentir. Diz Maria Kodama que ela é «a única que pode decidir sobre Borges. O poder simbólico é a obra, não o corpo.»
Mas a viúva (casou com Borges meses antes da sua morte, depois de ser sua secretária entre 1978 e 1986) do poeta de Fundação Mítica de Buenos Aires, El Aleph, O Golem… vai mais longe ao questionar: «Quem é o resto do Mundo para questionar o que fazer com o corpo de Borges?»
Sim, quem é o “resto” do Mundo? Ya no seré feliz… – bem gritava o poeta. Mas e ela? Quem é Maria Kodama para se arrogar «a única» a poder decidir sobre a última morada do poeta? – pergunto eu, aprendiz de poeta. «O último amor do poeta…» – responde-me o meu poeta. Silêncio...
Na Praça do Giraldo, descanso. O Templo de Diana (oh, eternidade! Como virastes mulher depois de morto, ó Augustus!...), a Capela dos Ossos, a limpeza das ruas… tudo me transporta à uma pergunta: como nos esquecem, apagam-nos da memória e esquecem a nossa vontade. A morte não é coisa de e para todos – penso. Lembrei-me do que li no El País de ontem (Quinta-feira): «Aguardo la muerte com esperanza … tiengo miedo de ser imortal». Uma citação de Borges. Era, então, 1978. A morte – condição que chega com a eutanásia, o suicídio, o homicídio… partidas da natureza das coisas – é um mero começo.
Ressurge a polémica em torno do descanso do poeta: Borges, em declarações públicas agora desnudadas, queria que o seu corpo fosse sepultado em Buenos Aires; no local onde estão os corpos dos pais, dos avós…Mas Borges está enterrado em Genebra – a sua pátria de adopção (lembro-me de «Os Conjurados» – um do mais belos poema políticos de Borges).
A Argentina quer os restos mortais do poeta na sua terra natal. A viúva do poeta, Maria Kodama, acha que não, que esse desejo do poeta era coisa do passado; que é algo que deveria ser vista e entendida no tempo da afirmação. Ah!, como se os poetas fossem seres que mudassem de sentido de alma profunda… como se dissessem as coisa por dizer e sentissem por sentir. Diz Maria Kodama que ela é «a única que pode decidir sobre Borges. O poder simbólico é a obra, não o corpo.»
Mas a viúva (casou com Borges meses antes da sua morte, depois de ser sua secretária entre 1978 e 1986) do poeta de Fundação Mítica de Buenos Aires, El Aleph, O Golem… vai mais longe ao questionar: «Quem é o resto do Mundo para questionar o que fazer com o corpo de Borges?»
Sim, quem é o “resto” do Mundo? Ya no seré feliz… – bem gritava o poeta. Mas e ela? Quem é Maria Kodama para se arrogar «a única» a poder decidir sobre a última morada do poeta? – pergunto eu, aprendiz de poeta. «O último amor do poeta…» – responde-me o meu poeta. Silêncio...
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A morte. Expõe-nos, como o sono, à vontade alheia – amada ou não. Mas é legítimo – desejável até – que, além da sua vida (suicídio), alguém possa decidir (i) sobre a vida e a morte de outrem (eutanásia) ou (ii) sobre os despojos do invólucro da existência alheia?
A resposta a estas duas perguntas é, para mim: não! Sobre a eutanásia sou defensor do testamento vital (em termos análogos ao que acontece hoje em Portugal para ao caso dos transplantes dos órgãos das vítimas de acidentes mortais) sobre o local onde se deve enterrar (os até cremar e depositar) os restos mortais do de cujus. Na sua ausência sou defensor da aferição da vontade declarada pelo mesmo ou daquela que, presumível ou inferivelmente, o «proprietário» do corpo manifestaria se pudesse ter feito um testamento vital e/ou post mortem.
Maria Kodama pode ter todas as razões do mundo, mas esta questão deve ser vista no plano da vontade e da esperança do poeta: voltar ao seio ancestral junto do seu eterno genético – ao pé do seu efémero desejado. É, de todo, o único bem que se pode fazer a Borges; pois imortal já é e será – mesmo não o desejando (Não escolheu outra forma de eternidade, o poeta...).
A resposta a estas duas perguntas é, para mim: não! Sobre a eutanásia sou defensor do testamento vital (em termos análogos ao que acontece hoje em Portugal para ao caso dos transplantes dos órgãos das vítimas de acidentes mortais) sobre o local onde se deve enterrar (os até cremar e depositar) os restos mortais do de cujus. Na sua ausência sou defensor da aferição da vontade declarada pelo mesmo ou daquela que, presumível ou inferivelmente, o «proprietário» do corpo manifestaria se pudesse ter feito um testamento vital e/ou post mortem.
Maria Kodama pode ter todas as razões do mundo, mas esta questão deve ser vista no plano da vontade e da esperança do poeta: voltar ao seio ancestral junto do seu eterno genético – ao pé do seu efémero desejado. É, de todo, o único bem que se pode fazer a Borges; pois imortal já é e será – mesmo não o desejando (Não escolheu outra forma de eternidade, o poeta...).
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Ah, Estela Canto! Borges, desertado… mais uma vez. Agora não no seu coração mas na sua vontade. Não respeitar a vontade de uma pessoa depois de morta é sujeitá-la à uma segunda morte: a morte do respeito pela memória e pela palavra. Destino de poetas? Talvez… e pode acontecer a todos. Sim: «And ne forhtedon na» (e quem é que não teme).
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- Imagem: Tumba de Jorge Luís Borges em Genebra, Suíça
4 comentários:
VB, julgo que está correcto o teu raciocinio, e que espelha a vontade do poeta.
De facto, ninguém é dono de ninguém, nomeadamente, depois da morte. Mas julgo que onde nascemos e deixamos o nosso umbigo enterrado, é lá que devemos ir descansar o corpo que envolveu a nossa alma.
De todo o modo a obra é imortal, de ninguêm, mas de todos.
;) dnb
A vontade declarada. Mas afinal o que é a vontade declarada? E se existe mais do que uma vontade declarada? E se aproximação da data da sua própria morte não alterasse a vontade declarada mas o imperativo dessa vontade? E se a vontade declarada deixasse de ter importância para o próprio? E se ele se estivesse nas tintas para o lugar do seu enterro? Acontece quando se está a morrer...Porque, e ao contrário, do que dizes um poeta é um ser como outro qualquer, que pode até não mudar de opinião mas deixar de dar importância a uma declaração proferida sabe-se lá em que circunstancias. A diferença entre um poeta famoso e um homem comum está apenas na importância atribuída à suas palavras, ficam vinculados a elas muitas vezes infelizmente para os próprios. E depois Genebra é uma cidade especial...
Descansar o corpo onde deixamos o umbigo parece um fechar de circulo perfeito no entanto no outro dia perguntei à minha mãe se queria ser enterrada na Madeira. Respondeu-me " se eu morrer (brincamos com este se porque a minha mãe tem um antepassado que viveu até aos 115 anos que dizia sempre se eu morrer em vez de quando eu morrer...) quero ficar onde tu estiveres. A minha mãe nasceu, casou, e viveu na Madeira. Eu própria nasci lá. Mas sobre a possibilidade de lá ser lá enterrada diz: Oh, filha! Na Madeira? A mãe já não conhece lá ninguém. Como se um cemitério fosse uma espécie de centro de dia pós apagamento :) O que é que queres? Não somos dadas a romantismos.
Esta questão provoca-me alguma ansiedade porque já mudei muitas vezes de casa e começo a ter os meus mortos espalhados pelo país. Primeiro a minha filha e depois o meu pai. Tudo se resolveria se a minha família aceitasse a cremação porque assim poderia andar com eles em potezinhos coloridos de casa em casa. Mas está fora de questão o crematório e já sei que apesar de ter dito tantas vezes que quero ser cremada isso não vai acontecer. Haverá alguém que dirá sempre "ela só dizia isso para nos afrontar" e vou ser enterrada. E estou em paz com isso porque sei que nessa hora estarei a pensar em coisas mais importantes apesar de não ser poeta como Borges.
E depois essa história da Argentina e os ossos do poeta faz-me lembrar aquela outra história da Vidigueira onde a malta é conhecida pelos "larga o osso"...
Joshua...
Vou ver o por-do-sol. Respondo-te logo...
:-)
Hum! O VB foi ver o "cambar di sol" alone?
:(
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