terça-feira, 3 de fevereiro de 2009


República de Cabo Verde
- Procuradoria da República da Comarca do Sal –


Of.n.º09/PRCS/08
Vila de Espargos, 19 de Dezembro de 2008


Muito Urgente

À

Excelentíssima Senhora Ministra da Economia e Competitividade

.

Excelência

C/c:
Excelentíssimo senhor Primeiro Ministro da República de Cabo Verde;
Excelentíssima senhora Ministra do Ambiente;
Digníssimo Procurador Geral da República;
Excelentíssimo senhor Presidente da Câmara da ilha do Sal;
Digno Procurador da República da ilha do Sal.

Excelências

Assunto: Marina de Murdeira

O Magistrado do Ministério Público Coordenador/Presidente da Procuradoria da República da Comarca Judicial da ilha do Sal, signatário, vem muito humilde e respeitosamente se dirigir à Vossa Excelência para se auxiliar de algumas informações, e, para se certificar de alguns rumores concretos relativos a uma eventual construção de uma Marina na localidade da Murdeira.

Consta que, a Sociedade de Turismo e Imobiliária – Turim, obteve autorização do Governo de Cabo Verde aprovado em sede de Conselho de Ministros que decorreu na ilha do Sal, para realizar uma Marina na Baia da Murdeira, designada de Marina da Murdeira com a finalidade de, entre outros, receber cem (100) embarcações de pequeno e médio porte e acomodar outras embarcações que atravessem a ilha do Sal com a superfície total de quatro (4) hectares dos quais, 1,6 (um virgula seis) constituirão aérea molhada.

No entanto, e, pretendo ser o mais claro e sucinto possível, a reserva natural marítima da Murdeira/Baia da Murdeira foi declarada reserva natural pelo Decreto Lei n.º3/03 a qual define como actividades permitidas nesta área apenas as de carácter cientifico e educacional.

Pretendia-se (diz-se) com a qualificação supra mencionada que se venha a constituir uma área de alta qualidade paisagística e ambiental da área classificada de grande importância para o mergulho e a contemplação da fauna e da flora subaquáticas.

Ora, os estudos encomendados pelos serviços de Vossa Excelência, nomeadamente do impacte ambiental, de acordo, e, em cumprimento do Decreto Lei n.º 29/06 de 06 de Março, levados a cabo por equipes multidisciplinares e quadros competentes das áreas em intervenção (mormente: especialistas na área ecológica marinha e costeira, hidráulica, geomorfologia costeira, sócio económica e turismo), apontam sinais claro evidentes que, no nosso entendimento, se se materializar o projecto in casu, são idóneos a integrar (para além de incumprimento da lei de protecção de zonas protegidas e responsabilidade civil objectiva/pelo risco), em abstracto, elementos de um eventual crime (acrescenta-se, irreversível) de Danos ao ambiente, descrito e passível de pena no artigo 206.º do Código Penal, cuja natureza processual é pública e constitui um crime de perigo (que preenche o elemento subjectivo independentemente de dolo e inclusive punível na modalidade de negligência).
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Artigo 206° (Código Penal)
(Danos ao ambiente)

Quem, em violação das disposições legais ou regulamentares, provocar danos ao ambiente:
a) Eliminando exemplares de fauna ou flora, de forma a fazer desaparecer ou a criar perigo de desaparecimento de uma ou mais espécies;
b) Destruindo o habitat natural ou esgotando os recursos do subsolo, de forma a impedir ou a fazer perigar a renovação de um ou mais recursos
será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa de 100 a 450 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

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Ao Ministério Público, como saberá e bem Vossa Excelência, cabe, entre outras, a nobre tarefa de defender a legalidade democrática, os direitos dos cidadãos e o interesse público, em conformidade com a Constituição da República/C.R.C.V (vide artigo 222.º,n.º01) o que, no nosso modesto entendimento não estaríamos a fazer (em igual atropelo a Lei Magna no seu artigo 16.º - responsabilidade das entidades públicas) caso ficássemos omissos face aos elementos que dispomos até ao momento, e que, evidenciam as consequências (desastrosas causados ao ambiente) prováveis do avanço com tal implementação.

É uma tarefa fundamental do Estado proteger a paisagem, a natureza, os recursos naturais e o meio ambiente, cfr. Artigo 7.º,al.k) da C.R.C.V.

O ambiente é consagrado como um direito fundamental pela C.R.C.V e, como tal, os artigos respeitantes ao mesmo têm aplicação directa e imediata de forma a sua protecção e preservação cfr. Artigo 72.º – tarefa esta que cabe por dever a todo o cidadão enquanto parte de uma Nação e Comunidade, cfr. Artigo 84.º, al.h) igualmente do mesmo último diploma citado.

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Penitenciamo-nos se algum inconveniente trazemos à Vossa Excelência quanto a presente questão – mormente se estivermos equivocados e não haja nada de concreto nesta matéria (a não ser pura especulação) mas, se o que dispomos até ao momento corresponde a verdade, o Ministério Público lançará certamente mãos de todos os meios legais e constitucionais a seu dispor para travar tal medida de forma a repor a legalidade (caso infringida), defender os direitos dos cidadãos e o interesse público – maxime o Ambiente.

Em resumo: pretende-se, permitida devida vénia, com a presente nota chamar a atenção de Vossa Excelência para a concreta e efectiva protecção da reserva natural marítima da Murdeira com a conservação do seu espaço de excepcional riqueza dos seus ecossistemas submarinos, com uma elevada proporção de elementos endémicos e singulares; assim como das praias de alimentação e nidificação de algumas espécies de tartarugas marinhas (em risco sério de extinção) e por constituir parte do habitat de algumas aves marinhas singulares, tais como guinchos e rabijuncos (Phaeton aethereus), pela presença estacional das baleias rorqual (Megaptera novaeangliae), espécie ameaçada, cuja conservação reveste uma grande importância a nível mundial.

As gerações vindouras agradecerão certamente a conservação do nosso ambiente e deste em particular.

Agradece-se desde já a Vossa atenção e aguarda-se uma resposta por parte de Vossa Excelência.

Com os melhores cumprimentos.



O Magistrado do Ministério Público,

Vital Moeda, Filho.

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