quarta-feira, 31 de março de 2010

| MAIS LUZ AO FUNDO DOS CÉUS

Lia as normas publicadas nos últimos dois dias, e anoto duas — de atentar:
1. O REGULAMENTO (UE) 273/2010 DA COMISSÃO de 30 de Março de 2010 relativo à alteração do Regulamento (CE) 474/2006 que estabelece a lista comunitária das transportadoras aéreas que são objecto de uma proibição de operação na Comunidade. A TAAG — Linhas Aéreas de Angola e Angola como país têm boas notícias. Não tão boas como se seria de esperar, mas mesmo assim podemos dizer que são animadoras.

2. REGULAMENTO (UE) 265/2010 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 25 de Março de 2010 que altera a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e o Regulamento (CE) 562/2006 no que se refere à circulação de pessoas titulares de um visto de longa duração (igual ou superior a três meses). O Regulamento entra em vigor em 5 de Abril de 2010.

Passos de caracol. É a minha primeira impressão…

| ACORDO DE ASSOCIAÇÃO UNIÃO EUROPEIA — BOSNIA HERZEGOVINA

Especialmente para um amigo (e para eventuais interessados), fica aqui publicado, em termos formais e em substancia, aquilo que se entende por um Acordo de Associação em Direito Internacional Público, nomeadamente do Direito da União Europeia e da relação desta com os seus vizinhos. Boa leitura!

| A NÃO MOÇÃO DE CENSURA, A NACIONALIDADE E OS PÔNCIOS PILATOS DE CABO VERDE

Estava a ler uma documentação sobre o Julgamento de Jesus Cristo pelo Prefeito Pôncio Pilatos, e parei um pouco para meditar. O homem revelou-se de uma inabilidade política confrangedora, um verdadeiro aselha político, e, estranhamente — em razão das suas funções jurisdicionais —, um jurista bastante falho em termos técnicos, ainda que, ao que me parece, fosse um homem justo.

E lá veio a minha tendência de extrapolar juízos, de fazer analogia de situações; de pensar na minha Pátria. Voltei a ver e a ouvir as declarações do Primeiro Ministro sobre o encontro com os thugs — promovidos a «parceiros sociais» num up grade social que os terá surpreendido —, e fiquei a pensar que o MPD perdeu a possibilidade de, justa e devidamente, apresentar uma Moção de Censura ao Governo de José Maria Neves. Ou será que o MPD não está, neste momento, interessado na possibilidade de haver uma queda do Governo? Matéria que merece reflexão cuidada e que não cabe aqui.

Nesta questão da violência urbana, ninguém pode ficar de fora, todos temos de assumir as nossas responsabilidades; ninguém pode lavar as mãos — eu, como cidadão, recuso-me a fazê-lo. Os políticos muito menos, pois têm o ónus de encontrar a solução adequada e nada menos do que isso. O Primeiro Ministro não pode deixar de ter tempo para debater com o líder da Oposição e dizer que vai dialogar com organizações criminosas — é disso que se trata e não de lideres comunitários que trabalham em prol das populações mais desfavorecidas e que, em muitos aspectos, substituem o Estado ou colmatam as falhas da acção social dos Governos. E não vale a pena andar-se a tentar limpar a realidade, pois esta e as palavras não se lavam nem se limpam.

Creio que o Primeiro Ministro José Maria Neves tem boas intenções nesta matéria, mas disse o que disse; e não corrigiu o que se poderia ter como um lapsus calalmi ou lapsus linguae. Pelo que só se pode interpretar de forma literal o que disse. Agora, não ter tempo para discutir com o líder da oposição mas ter tempo para dialogar com organizações criminosas é, no mínimo, estranho — e revela uma inversão de prioridades e uma desconexão com a realidade do que é plano das instituições da República. Quem foi que, há pouco mais de dois meses, falava de «perda de valores» e de «desrespeito pelas instituições da República»? A memória não prescreve.

Conexo com isto, está o adiamento da análise do diploma que incide sobre a Lei da nacionalidade cabo-verdiana. O MPD fez bem em ter forçado o adiamento do debate parlamentar e, assim, analisar a questão da atribuição da nacionalidade ex lege aos descendentes dos emigrantes cabo-verdianos com a calma e a serenidade que merece. Pode dar votos, mas pode (este é meramente retórico) trazer ainda maiores problemas do que aqueles que procura dar resposta.

A revisão da Constituição, nomeadamente no plano da extradição de nacionais, mostra-se, no plano da lógica política, incompatível com esta Lei ou esta Lei com ela (no plano lógico e dos fins prosseguidos e não no plano valorativo, note-se). Esta lei poderá vir a tornar Cabo Verde, de uma forma ainda mais grave do que já é, um importador necessário e massivo de uma geração renegada e expatriada na diáspora. Portugal, v.g., resolveu o problema da importação de delinquentes — só terá efeitos práticos daqui a alguns anos, mas foi uma solução engenhosa — na última revisão da Lei da nacionalidade portuguesa. Cabo Verde quer ir no sentido contrário, e não deveria! O índice de criminalidade que temos já é bastante grave, e não precisamos de nos colocar em situação de receptor — até pela estrutura geográfica, social e económica do país — de deportados dos países desenvolvidos. Não podemos querer fechar uma porta com a revisão da Constituição e alargar o portão das nossas ilhas por outra via.

Na verdade, sou defensor de uma nacionalidade desejada, não uma nacionalidade dada. E quem a deseja deverá ser quem se identifica com ela e é, como cidadão, desejada pela sociedade. O país tem de ser pensado de forma sistemática, não de uma forma casuística e de acordo com interesses conjunturais. E, alguém tem de dizê-lo!, existe um link entre a criminalidade existente em Cabo Verde e a chegada de descendentes de nacionais cabo-verdianos expulsos dos seus países de nascimento e que, desenraizados, chegam ao país e caem nas malhas das redes criminosas — muitas com ligações transnacionais — e que levaram e introduziram novas formas de criminalidade para o país.

A nacionalidade não é um refúgio; não pode ser. Essa é a lógica da última revisão constitucional que feriu a nacionalidade cabo-verdiana, e concordo com ela; ainda que discorde das soluções, que tenho como desadequadas e inconstitucionais. Mas a nacionalidade não pode ser, também, um instituto que desobrigue os países de nascimento dos filhos dos cabo-verdianos e coloque sobre o Estado de Cabo Verde o ónus de receber aqueles que expulsam dos seus territórios. O Estado tem o dever de defender os seus cidadãos — todos! E todos são os nas ilhas, de Brava a Santo Antão, passando pelo Maio, Boavista, S. Nicolau… até os da Diáspora. E os filhos dos cabo-verdianos não precisam de ser, ex lege, cabo-verdianos; o que precisam é da nacionalidade do país de nascimento, para se integrarem e terem melhores condições de singrarem na vida social dessas comunidades. Serão cabo-verdianos por relação afectiva, que é o que liga, de facto, o cidadão à uma pátria e não o documento que constitui uma relação jurídica.

A nacionalidade afectiva é que conta, para esses cidadãos (basta vermos que muitos cabo-verdianos na diáspora, a maioria que detém outras nacionalidades, não usam documentos de Cabo Verde mas nem por isso deixam de se considerar cabo-verdianos). Na verdade, se a questão for vista de todos os primas do direito comparado da nacionalidade, a atribuição da nacionalidade cabo-verdiana aos descendentes dos cabo-verdianos acaba(rá) por prejudicá-los em dadas situações — desde a questão da nacionalidade de origem que deterão ao nascer à questão da expulsão ou deportação do país de nascimento — em vez de beneficiá-los. É o que os sociólogos chamam de «efeito boomerang». Cabo Verde deve, em razão das necessidades objectivas da sua diáspora e da comunidade residente, pensar de forma profunda a sua Lei da nacionalidade.

Ouvindo o Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Brito, a falar na Assembleia Nacional fiquei a saber, eu os demais cidadãos nacionais que ouviram o debate na RCV, que se atribui passaportes nacionais a empresários e nacionalidade económica aos mesmos desde de 1993 em determinados consulados, nomeadamente em Macau. A nacionalidade não dá, adquire-se por efeito de Lei ou da vontade. Esta forma de reconhecimento da nacionalidade — efectiva ou por reconhecimento formal, através da por identificação por documento nacional cabo-verdiano detido por estrangeiros — é uma degradação da nacionalidade cabo-verdiana. Quem quiser deter documentos nacionais, que a adquira a nacionalidade cabo-verdiana nos termos prescritos pela Lei da nacionalidade, sem excepções! E, já agora, que fale uma das nossas línguas nacionais — o cabo-verdiano e o português — e conheça a nossa história; como exigem aos nossos cidadãos, de Portugal aos Estados Unidos da América, passando pela Holanda. Cabo Verde não é um Estado menor no concerto das nações, e deve agir como agem os demais; nada menos e nada mais; isso é o sentido mais nobre da soberania, da independência nacional.

O país não pode ser uma espécie de Pôncio Pilatos no colectivo. Sei que é difícil para o MPD — enquanto partido político — se posicionar nestas matérias, mas, como bem tem vindo Carlos Veiga a dizer, o interesse das pessoas está acima dos Partidos e os seus interesses; a que acrescento que os valores fundamentais da nação, aquilo que sustenta a alma pátria, não devem ceder à lógica dos interesses, sejam eles quais forem. (Já basta a última revisão constitucional, que foi, um dia se perceberá isso, um dos momentos mais tristes e vergonhosos da história do parlamentarismo cabo-verdiano.) Esta questão da nacionalidade, neste momento, é uma questão armadilhada, com custos consideráveis, quer para o país quer para o MPD (a conjunção pode ser alternativa…). O MPD percebeu isso — é a minha percepção. É uma questão a ser pensada com tamanha seriedade que demanda uma atitude de estadista de todos os deputados da nação; pois está em causa muito mais do que parece. Há coisas que a pátria agradece, outra que não! O povo é julgador, mas a história é o maior julgador; depois de Deus, é claro. E ela não deixa de censurar o censurável.
------- Prima forma: Liberal

Imagem: Luis Royo (1984)

terça-feira, 30 de março de 2010


Como-te maçã, maçã vermelha,
génesis do pecado, oh fruta linda

maçã redonda, polpa cheirosa,
vivo em teus beijos
elevam-se átomos,

meus braços, um abraço,
Meus pés fincados,

miro os teus olhos
desço aos teus lábios,
traqueia ardendo, saliva quente,

cama de estrelas, unhas ferindo,
Lençol de seda, tigre rugindo,
porta aberta, flauta tocando.
----- Tchalé Figueira

Imagem: Tchalé Figueira

| LA PERCEPCIÓN DEL MUNDO

"Si las puertas de la percepción se depurasen,
todo aparecería a los hombres como realmente es: infinito.
Pues el hombre se ha encerrado en sí mismo hasta ver
todas las cosas a través de las estrechas rendijas de su caverna."
William Blake, Las Bodas del Cielo y el Infierno (1793)

Imagem: O Ancião dos Dias, William Blake

segunda-feira, 29 de março de 2010


  • O DIÁLOGO, A NUVEM E O AMANHÃ QUE NÃO CANTA
A pobreza ou a origem social das pessoas não é, nunca foi, causa directa da criminalidade; ainda que, de certo modo, uma coisa acabe por potenciar outra em dadas circunstâncias — estas extraordinárias. Em circunstâncias de normalidade, a pobreza não serve de desculpa para as acções socialmente censuráveis. De forma alguma. As pessoas mais dignas que conheço e conheci ao longo da vida são ou eram pobres, mas pobres de coisas, nunca de alma. A verdade é que, do ponto de vista empírico, parece haver uma relação entre o bem-estar social e a alma das pessoas; e os pobres ganham nessa aferição entre o ter e o ser, pois parecem ser mais boas, puras e solidárias que os ditos «ricos» e «letrados».

Todos, de tempos em tempos, deveríamos nos despir de todos os bens materiais, como de pele material — como fazem alguns répteis ou fizeram Francisco de Assis e Tomás de Aquino —, para nos tornarmos mais humildes, menos ambiciosos de coisas e mais conscientes do que somos, do que nos rodeia e do outro. Um jejum de bens materiais ajudaria, certamente, muita da humanidade carnívora que nos rodeia a ser melhor do que é. No entanto, há que distinguir a pessoa em si e a sua situação — entender «o homem e a sua circunstância», como diria José Ortega y Gasset. E isso é uma tragédia que por vezes transborda para a sociedade, a mesma sociedade que por cegueira ou inabilidade não se constrói tendo em conta o seu fim último: bem-estar colectivo, para todos — pelo menos para a maioria, dentro da reserva do possível.

A culpa dos males sociais é, em larga medida, do todo e não do indivíduo que segue caminhos desviantes por imperativos de sobrevivência própria ou da sua família. Ao contrário do que muitos dizem por aí, não é o desenvolvimento que potencia o crescimento da criminalidade mas sim o contrário — a falta de desenvolvimento e a inerente falta de bem-estar, as necessidades fracturantes e desesperadoras emergentes da pobreza.

«A necessidade é inimigo da honra», ouvia em menino. Um santo pode, no limite, tornar-se um monstro a luz dos padrões morais dominantes. E da mesma forma como o mentir é — por vezes, e como bem ensina Kant — um dever, a verdade é que tenho dificuldade em censurar um pai ou uma mãe que se indignifica socialmente para suprir as necessidades da sua família. Mas será que se indignifica mesmo? O estado de necessidade diz-nos o que é o homem ou revela-nos o que deve ser o homem? Penso que, em dadas circunstâncias, é mais este do que aquele. É somente uma questão de perspectiva moral, análogo ao que Bertrand Russell demonstra sobre a nossa percepção das coisas em Os Problemas da Filosofia.

E é Bertrand Russell que nos diz que «Aquilo que passa por conhecimento, na vida comum, padece de três defeitos: é convencido, incerto e, em si mesmo, contraditório.» E, na verdade, conhecemos, assim, em parte — tomando emprestado uma expressão de S. Paulo — porque queremos saber o que nos é útil e não (i) o que as coisas são e (ii) muito menos movidos pelo amor ao saber ou ao outro. Esquecemos que, como diria Russell, que «toda aquisição de conhecimento é um alargamento do Eu […]». Perguntar às coisas e às situações, sejam elas quais forem, o que são e entendê-las na sua essência é o princípio do conhecimento. Isso quer dizer que devemos amar o objecto do nosso conhecimento, o que não quer dizer que ele — em si mesmo e por natureza — seja capaz de responder a todas as perguntas e de retribuir a afeição e dedicação inerentes ao processo de conhecer, mas que é um devir que nos levará ou contribuirá para o encontro da solução adequada, da escolha certa (em linguagem política).

Neste plano é que o diálogo é fundamental — não como meio ou fim mas como ponto de partida de um caminhar para um bem maior que é a compreensão do outro, das coisas e da realidade. O diálogo instrumental, deste modo, é, em si mesmo, uma contradição e, fatalmente — porque representa uma falácia —, leva a maiores males do que qualquer bem previsto por quem o utiliza. É que isso de ser-se ou querer ser-se cartesiano em política tem muito que se lhe diga. Assim como forçar a realidade para que se tome a nuvem por Juno pode até resultar, hoje. Mas o amanhã, se é verdade que não cantou até hoje, nunca se enganou.

Imagem: Sydnei (Júlio Santos)

  • VOZES DE ATENTAR…
Si Dios fuese todo para mí, nada podría perturbarme — Meister Eckhart.

Imagem: Dante y Estacio duermen mientras Virgilio vela, William Blake

domingo, 28 de março de 2010

| O VERME E A LEPRA DOS TEMPOS

Lembrei-me de Herodes estrangeiro,
e dos filhos de que foi prévio Ugolino
e Marco Aurélio antes do poder tornar este sábio.

Foi ludi de Adonai mostrar-lhe que somos
— a final, e segundo sonhos tetragrámicos de nós —
todos vermes e subespécies?

O meu poeta, que anda na Universidade
e está prestes a receber o título de El Eloha, diz-me:
«A beleza aspiramos de dentro de nós
mesmo quando a omnipotência retira-nos a essência
e de uma Séfora esfíngica, adormecida — apontada
como raia do mosto, heres de opróbrio da marca —,
sai a causa da crosta branca, venosa e maldita dos irmãos
mosaicos que viram a Lei antes dela chegar à tábua.»

Ah, o sal dos tempos!
A roda Maia circula nos céus, esvoaça…
Uma borboleta, antes do verme — somos.
------ Virgílio Brandão


|Exclusive Interview: Gaddafi on Obama, Israel and Iran
Read the whole Interview at TIME website

sexta-feira, 26 de março de 2010

| EL NOMBRE DE MI PATRIA

Mi patria es altísima.
No puedo escribir una letra sin oír
el viento que viene de su nombre.
Su forma irregular la hace más bella
porque dan deseos de formarla, de hacerla
como a un niño a quien se enseña a hablar,
a decir palabras tiernas y verdaderas,
a quien se le muestran los peligros del mundo.
Mi patria es altísima.

Por eso digo que su nombre se descompone
en millones de cosas para recordármela.
Lo he oído sonar en los caracoles incesantes.
Venía en los caballos y en los fuegos
que mis ojos han visto y admirado.
Lo traían las muchachas hermosas en la voz
y en una guitarra.

Mi patria es altísima.
No puedo imaginármela bajo el mar
o escondiéndose bajo su propia sombra.
Por eso digo que más allá del hombre,
del amor que nos dan en cucharadas,
de la presencia viva del cadáver,
está ardiendo el nombre de la patria.
--------- Oscar Acosta

Imagem: Bruegels broken clock — Konstantin Kalynovych

Yes, he did it!

Imagem: Barack Obama na casa dos familiares paternos, cerca de vinte anos atrás.

quinta-feira, 25 de março de 2010

| THE EPISTLE OF PONTIUS PILATE
(wrote to the roman Emperor Tiberius Caesar concerning our Lord Jesus Christ)

       Pontius Pilate to Tiberius Caesar the Emperor, Greetings:
       Upon Jesus Christ, whom I fully made known to thee in my last, a bitter punishment hath at length been inflicted by the will of the people although I was unwilling and apprehensive. In good truth, no age ever had or will have a man so good and strict. But the people made a wonderful effort, and all their scribes, chiefs and elders agreed to crucify this ambassador of truth, their own prophets, like the Sibyls with us, advising the contrary; and when he was hanged supernatural signs appeared, and in the judgment of philosophers menaced the whole world with ruin.
       His disciples flourish, not belying their master by their behavior and continence of life; nay, in his name they are most beneficent. Had I not feared a sedition might arise among the people, who were almost furious, perhaps this man would have yet been living with us. Although, being rather compelled by fidelity to thy dignity, than led by my own inclination, I did not strive with all my might to prevent the sale and suffering of righteous blood, guiltless of every accusation, unjustly, indeed, through the maliciouness of men, and yet, as the Scriptures interpret, to their own destruction.
       Farewell. The 5th of the Calends of April.

Image: Bamberg, Kaiserdom St. Peter und St. Georg, Fresko Christus vor Pontius Pilatus

quarta-feira, 24 de março de 2010

| CANCIÓN DE AMOR DE LA JOVEN LOCA

Cierro los ojos y el mundo muere;
Levanto los párpados y nace todo nuevamente.
(Creo que te inventé en mi mente).

Las estrellas salen valseando en azul y rojo,
Sin sentir galopa la negrura:
Cierro los ojos y el mundo muere.

Soñé que me hechizabas en la cama
Cantabas el sonido de la luna, me besabas locamente.
(Creo que te inventé en mi mente).

Dios cae del cielo, las llamas del infierno se debilitan:
Escapan serafines y soldados de satán:
Cierro los ojos y el mundo muere.

Imaginé que volverías como dijiste,
Pero crecí y olvidé tu nombre.
(Creo que te inventé en mi mente).

Debí haber amado al pájaro de trueno, no a ti;
Al menos cuando la primavera llega ruge nuevamente.
Cierro los ojos y el mundo muere.
(Creo que te inventé en mi mente).
---- Sylvia Plath

Imagem: Ecclesiastes I — Konstantin Kalynovych

terça-feira, 23 de março de 2010

| OS DIREITOS HUMANOS EM CABO VERDE

Ouvia o debate na RCV sobre direitos humanos em Cabo Verde, e ficou claro que o país precisa, urgentemente, de um Provedor de Justiça. E o que eu já pensava, ficou cimentada pelo que ouvi: o Dr. Manuel Faustino tem todas as condições para desempenhar a função de Ombudsman. O que espera o Governo, e a Assembleia Nacional para cumprirem com o mandado da Constituição? Que alguns deputados ou Ministros terminem a presente Legislatura para, de entre eles, «por consenso dos partidos», se escolher o Provedor de Justiça?

Os problemas não se resolvem somente com leis (e parece que, para alguns, bastará legislar — isso num país em que a Constituição é letra morta em muitos aspectos fundamentais), pois o problema é mais profundo; e esse debate foi esclarecedor desta realidade. A voz dos cidadãos é, não raras vezes, voz de Deus. E deveria ser ouvida com mais atenção, mais do que aquela com que se escuta os estrangeiros e respectivos relatórios. Bem, pelo menos há um dia é que o cidadão é o Deus da democracia — julga e dá a sentença que considerada adequada.

A gafe política do Primeiro Ministro (ao dizer que ia se encontrar com os thugs) foi salva, de forma feliz, por uma feliz interpretação de Manuel Faustino — que estará muito próximo ou mais do que próximo da realidade. Com uma perspectiva humana da questão, disse que «José Maria Neves [o humanismo de… quis dizer, pelo menos assim o entendi] traiu o Primeiro Ministro»; mas Janira Hopffer Almada, a Ministra da Juventude — talvez por isso mesmo —, tinha de discordar, de não deixar proceder o juízo que resulta feliz como argumento, e de fazer uma interpretação autêntica do que o chefe do Governo quis dizer e indo além do elemento literal do que o homem disse e foi transcrito na comunicação social. Já bem dizia Simeão, filho de Gamaliel, que «passei a vida entre sábios e nada encontrei melhor do que o silêncio. O essencial não é falar, é fazer.»

Imagem: Psyche entering the Cupid's garden — John Williams Waterhouse (1904)

Nymphs finding the head of Orpheus — John Williams Waterhouse
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Si buscas a Dios lo encontrarás junto con todo lo bueno, Meister Eckhart

segunda-feira, 22 de março de 2010

| EVA-FLORA

.Quando o Bem é escuso
como os ribeiros de prata ao meio dia,
e as petúnias mamas, opulentamente frescas,
me afrontam de visões de ti
só duas coisas escapam da eternidade:
— prescrever Deus
e expurgar-te de mim.
----- Virgílio Brandão

| PRONTO SE HARÁ DE NOCHE

Todo el mundo está solo
en el corazón de la tierra
traspasada por un rayo de sol,
y pronto se hará de noche.
----- Salvatore Quasimodo

Imagen: A fúria de Rufus, Mariano Villalba

| CERRÉ MI PUERTA AL MUNDO

Cerré mi puerta al mundo;
se me perdió la carne por el sueño...
Me quedé, interno, mágico, invisible,
desnudo como un ciego.


Lleno hasta el mismo borde de los ojos,
me iluminé por dentro.

Trémulo, transparente,
me quedé sobre el viento,
igual que un vaso limpio
de agua pura,
como un ángel de vidrio
en un espejo.
------- Emilio Prados

Imagem: Evolução (fragmento), Luis Royo

| ¡BASTA YA!

Para que o silêncio de alguns não se torne regra de muitos, nem lei para todos.

Serei de novo, como um dia fui,
choro de mães na Plaza de Mayo,
lado a lado serei, com Luisa Tamayo,
a irada multidão que pelas ruas flui.

Serei de novo, como um dia fui,
Dama de Blanco em La Habana
Gritando ao silêncio onde afinal rui
Olvidados sonhos da nação cubana.

Esquecido e sem amparo, morreu Zapata
No silêncio da palavra livre tornada ingrata
Murió solo, lejos de los suyos en Camagüey.

Diz-me Che, a Luisa, mãe e Pietá, o que direi
Se a ‘Primavera Negra’ de Março ainda mata,
Na Cuba que, como Orlando Zapata, tanto amei.
---- Alex (Zé Cunha), 21-03-2010

Imagem: A noite de Quixote — Mariano Villalba

sábado, 20 de março de 2010

| VOZES DE ATENTAR...

Bonum enim aliarum virtutum consistit in medio — Tomás de Aquino.

sexta-feira, 19 de março de 2010

| MEMÓRIAS FRUTUOSAS, MIGUEL DELIBES E A VIDA ETERNA

Lembro-me. Acabara de sair de um Seminário sobre Direito do Ambiente na União Europeia e, depois de beber um copo de rioja com os colegas na taberna em frente da velha Universidade e nos despedirmos para cada um se mover aos locais mais recônditos da velha Hispânia, fui almoçar. Não conseguia deixar de pensar na referência que uma colega — um encanto de mulher, e de uma inteligência estonteante! que só tinha o defeito de estar apaixonada por um sortudo qualquer — fizera a Miguel Delibes. Mas como era possível não ter atentado nisso? — pensava para comigo mesmo, ao ver a surpresa e ar de triunfo e gozo que ela tinha no rosto ao descobrir que eu não conhecia Delibes (tinha ouvido falar no homem, mas daí a conhecer a sua obra seguia a mesma distância que o "abismal" e o abissal), um ícone da cultura espanhola.

Mas por que raio ou carga de água é que eu tinha de conhecer o homem!? Afinal, não temos de conhecer e saber tudo… não somos nem temos de ser a kind of Deep Blue of culture ou coisa parecida; só temos de ser humanos e ser sapientes o bastante para sobreviver neste Mundo e ao mal que o abraça. Almocei, pensando que tinha de ir até Madrid para ver uma peça de teatro aconselhado por um amigo. Mas ainda tinha tempo para dar cabo da minha curiosidade. E fui à procura de Miguel Delibes. Encontrei-o numa livraria, na primeira que procurei — nem precisei de ir à nenhuma das minhas preferidas. Comprei El Hereje, e fui até a Plaza Maior aproveitar o sol e a estonteante beleza de um dia de Primavera serôdia para ler um pouco.

Na companhia de um puro, um Fonseca, e um café solo que demandou um Bacardi 8 años, comecei a ler El Hereje. O alarme do meu telemóvel avisou-me de que era hora de ir a Madrid. Apanhei o autocarro Salamanca/Madrid e, acompanhado de Miguel Delibes cheguei num segundo ao destino. Entrei no Metro, e fui até às proximidades do Teatro; ainda tinha tempo para terminar o livro — pensei. E sentei-me numa esplanada, de alma afecta ao texto. Entre um chá e uns cigarrillos negros cohiba fiquei a ler. Quando terminei o livro, olhei para as horas e já era tarde. Perdera a peça… mas não fiquei aborrecido, nem por sombras de oiro perdido! Madrid tem outros encantos a noite, ai se tem!

E percebo agora que — e já, num abrir e fechar de olhos, me encontro noutro milénio — nunca perdemos nada, ganhamos. Miguel Delibes era mais do que um escritor, era um homem que tinha uma visão do Mundo e da humanidade que, com arte e engenho inusuais, soube transmitir aos seus semelhantes. Ao escutar as vozes de circunstâncias e não sentidas a verberar brocardos populares como «o Mundo fica mais pobre» and so on porque o homem, por imperativo da natureza, deixou o seu corpo emprestado para a terra… só posso sorrir, e discordar.

O Mundo não fica mais pobre quando morrem pessoas que, pela sua acção, contribuem para inundar a nossa existência de arte, beleza e de bem. O Mundo ficou sim, mais rico com a sua passagem pela existência; Miguel Delibes deixou o Mundo mais rico e belo, deixou-o melhor do que o encontrou. Teremos — tu e eu — a mesma graça ao abandonarmos o corpo que nos transporta? Sim, teremos na alma o bastante para legarmos alguma riqueza que a traça, a ferrugem e o fogo não corrompam ou consumam ao deixarmos este Mundo que tanto nos dá? Ao contrário do que se pensa, a vida eterna não é uma impossibilidade; bem pelo contrário, é a mais bela das possibilidades.

Imagem: Miguel Delibes

| VOZES DE ATENTAR

Necesaria es la experiencia para saber cualquier cosa — Séneca.

Imagem: Pandora — John Williams Waterhouse (1986)

quinta-feira, 18 de março de 2010

| IMPRESSÕES
.
Manifestações contra o status quo, em Cuba! Passa-se algo em Cuba, muito mais do parece… e se pudesse estar ao pé de Luisa Tamayo, mãe de Orlando Zapata, dir-lhe-ia — para ela e todos aqueles que sofrem a injustiça e a opressão — o que dizia Séneca:

El que siempre busca grandezas, alguna vez las encuentra.

Uns semeiam, outros colhem; tudo a seu tempo. Mene mene, tequel u farsim... — pensei.

Imagem: Reina Luisa Tamayo Danger, mãe de Orlando Zapata

| A FALENCIA DA AUTORIDADE DO ESTADO E OS TUGHS

Lia a correspondência entre S. Paulo e Séneca, e fiz uma pausa para escrever um poema. Mas Séneca ficou-me na memória, a dançar no limbo dos meus pensamentos com uma tranquilidade necessária. Mas, de repente, grita! A causa? Faço uma visita aos jornais on line e eis que leio algo que me deixou estupefacto: «Vamos promover um encontro, proximamente, com todos os grupos de thug’s da Praia, para dialogarmos, para conversarmos», José Maria Neves, Primeiro Ministro de Cabo Verde, dixit. Um absurdo político, no mínimo.

O Primeiro Ministro pode estar vestido com toda a boa intenção deste Mundo, mas o que propõe é um absurdo e não vai, de forma alguma, contribuir para debelar a criminalidade no país, pelo contrário — só irá reconhecer, de facto, que estes grupos criminosos têm um poder efectivo sobre a sociedade cabo-verdiana e que são capazes de condicionar o poder político e levá-lo a dialogar com eles. O estado não se verga, não pode vergar quando estão em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos!

O Estado e os órgãos de soberania representativos dos cidadãos não dialogam com criminosos e associações criminosas! O Estado e os órgãos de soberania dialogam com seus pares e/ou com instituições legítimas, legais e com fins bons e justos. A prevenção criminal não se faz com qualquer tipo de negociação com grupos organizados ou não de delinquentes, mas sim com formas legítimas de prevenção e com repressão adequada daqueles que querem sequestrar a sociedade cabo-verdiana. E se é verdade que o Governo sabe quem são os grupos de thugs (que quer dizer «assassinos» — nada menos), só tem de fazer uma coisa: passar essa informação ao Ministério Público de modo a que este, de acordo com as suas competências constitucionais e legais, possa agir em conformidade.

O Governo, seja este presidido por José Maria Neves ou qualquer outro cidadão, não pode, sob pena de subvertermos a lógica democrática e a autoridade do Estado, de forma e modo algum sentar-se à mesa com criminosos — nomeadamente estes nominados ou auto denominados thugs, «assassinos» — para negociar seja o que for. É o Governo a claudicar na política de Segurança e de Justiça, em toda a linha. Eu, como cidadão, não compreendo nem aceito que o Governo do meu país se encontre com organizações criminosas, seja qual for o fim que se tenha em vista. Os fins não justificam os meios, e os males deste meio é a cedência da autoridade do Estado à criminalidade. Impensável!

Espero que o PAICV, o MPD, a UCID e o PTS sejam claros e digam à sociedade cabo-verdiana se caucionam este anunciado conclave entre o Governo e as associações criminosas da cidade da Praia. «Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém» — é um velho conselho. Mas nem me parece que seja lícito, longe disso, que o Governo dialogue com organizações criminosas.

Mas isto não me admira, nada. Meses atrás trocava impressões com o confrade blogueiro cabo-verdiano e dizia-lhe, melhor, previa, o que vemos hoje — o aumento da criminalidade, o aparecimento dos militares nas ruas e uma solução milagrosa para este problema iria aparecer. Dizia-lhe que tal iria acontecer por estas alturas, com a proximidade das eleições. Previsível (basta ler-se O Príncipe de Maquiavel, não é? — pensará), mas existem limites e esses estão aquém de uma qualquer negociação ou diálogo com organizações criminosas.

O povo deu um mandato ao Governo, mas não é, de todo, para dialogar com organizações criminosas. Esta decisão do Primeiro Ministro, se levado a cabo, constitui um certificado de incompetência à política de Segurança e de Justiça do seu próprio Governo e do sistema judicial — a começar pelo Ministério Público. O que o povo reclama é segurança e justiça! O povo não quer, não pode querer, que o Primeiro Ministro se sente com organizações criminosas para dialogar. Que dialogue com o povo, com os representantes do povo, mas nunca com os algozes do povo! Dizia David, governante de Israel: «Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.» É um bom conselho, pois o diálogo social não abrange, certamente, os grupos de criminosos.

Estamos perante um erro calamitoso da governação que, assim, transfere a autoridade do Estado para organizações criminosas e torna o trabalho dos tribunais, nomeadamente no plano da prevenção geral do crime, uma actividade inglória, quase sem sentido neste plano. Haja quem grite, que levante a voz e diga ao Primeiro Ministro e ao Governo que o Estado não negoceia com «assassinos» e organizações criminosas! Mais: não se consegue negociar com três tipos de pessoas: os criminosos, os doentes mentais e os homens maus.

O meu grito vai daqui, de terra longe.

PS: Querendo Deus, partilho o poema amanhã...

| ÚLTIMAS PALAVRAS…

Socretes’ last words: «Crito, I owe a cock to Asclepius; will you remember to pay the debt?»

Imagem: The Death of Seneca – David Jacques-Louis

segunda-feira, 15 de março de 2010


Clique na imagem para o ver melhor.

domingo, 14 de março de 2010

| A LINGUA EM PERIGO E A FOME

       Ontem, na sala Agostinho da Silva da Universidade Lusófona de Lisboa, assisti a uma Conferência de Aristides Lima, Presidente da Assembleia Nacional, que se debruçou sobre alguns aspectos da situação política nacional e sobre a revisão da Constituição. Anotei a omissão sobre a língua cabo-verdiana, quer por parte do conferencista quer por parte dos participantes (anotei outras coisas, mas que não vêm ao caso de momento).

       Ao pensar nisso, lembrei-me de A Língua em Perigo de Knut Hamsun (que escreveu um dos livros mais extraordinários que já li, Fome; e que me lembra, sempre que o revisito, a minha pátria — faço sempre a analogia entre tempos idos da minha terra de poetas e Cristiania… «Era o tempo em que eu vagueava, com o estômago vazio por Cristiania, essa cidade singular que ninguém consegue abandonar sem levar impressa a sua marca...» — assim inicia Knut Hamsun a narrativa de Fome, uma espécie de Lazarilho de Tormes dos tempos modernos e substancialmente melhorada e conseguida. E diz-nos Knut Hamsun em A Língua em Perigo«La lengua debe poseer todas las escalas musicales. El poeta debe siempre, en todos los casos, contar con la palabra temblorosa, la que me cuenta la cosa, la que con su acierto puede vulnerar mi alma hasta hacerle gemir. La palabra puede convertirse en color, en sonido, en olor; es tarea del poeta usarla de manera que funcione, que nunca falle y nunca rebote. [...] Debemos poder gozar y burlarnos con la masa de palabras; se debe saber y conocer la fuerza de la palabra, no sólo la fuerza directa, sino también la secreta. Las palabras tienen otras tonalidades, que se encuentran por encima, por debajo y al lado de ellas.»

       O esquecimento é compreensível neste momento político do candidato presidencial — há que evitar situações que transportam os genes da ruptura em si mesmas e que, se possível, haverá que evitar o pronunciamento e a consequente e desnecessária exposição de flanco antes do tempo — mas estranho na plateia que se mostrou preocupada com outras questões, mas não com a cultura, em particular com a língua cabo-verdiana. Mas as palavras têm tonalidades, como diz Knut Hamsun, e, por vezes, o que não se diz grita na alma das pessoas, por vezes dos povos que não vivem somente de pão… e o povo de Cabo Verde tem fome de ver a sua língua mais e melhor dignificada. Mas, dignificada quer dizer que deve ser tratada como um bem e um valor do povo cabo-verdiano e não como coutada de alguns. Como o pão, que não deve ser somente de e para alguns mas sim de todos — o que demanda uma maior e melhor distribuição da riqueza do país.

       A fome é bem distribuída; pois uns têm fome de pão, outros de cultura, outros da palavra de Deus, outros do poder e outros ainda — e esses são o cancro da humanidade, a quem roem como ratos famintos e imundos — de fazer mal ao outro, ao seu próximo. E estes últimos, sim, são os verdadeiros pobres pois a sua fome nunca é saciada e a sua pobreza insusceptível de ser debelada.

| O MUNDO INTEIRO E NADA

Escutava o meu poeta
de alma estendida até às bandas do norte:
«Quando eu era menino
admirava homens
que são o escabelo dos meus pés.
Cheguei a ser homem
e continuo na mesma e com tudo
— admiro o escabelo dos meus pés.»

Imagem: A Crucifixão Branca — Marc Chagall

| VOZES DE ATENTAR

Pensar es aprehender abstractamente lo más hondo del espíritu — Hegel.

Imagem: Miniatura em Biblia francesa do Sec.XIII: Deus cria os ceus, a terra, o sol, a lua e todos os elementos.

sábado, 13 de março de 2010

| DISPARATES ECOLÓGICOS

       Pero, quizá, más terminante que especular con el futuro sea analizar nuestro presente, esto es, los problemas que ya son problemas, es decir, que ya están aquí, cuales son la pesca marina y el papel. En este punto, es justo situar, junto a la irresponsable voracidad del consumo, el contumaz envenenamiento del medio de que luego me ocuparé. La Humanidad se resiste a embridar la técnica por la biología y así asistimos, frecuentemente, a auténticos disparates ecológicos, provocados por desconocimiento e imprevisión. La presa de Assuam, en Egipto, es un ejemplo ya tópico.

       De niños nos enseñaron que el limo que depositaban las avenidas primaverales en el valle del Nilo fertilizaba los campos, pero ignorábamos que, al mismo tiempo, fertilizaba las aguas del mar, en su estuario, hasta el punto de convertirlo en un sector privilegiado para la pesca de la sardina. Durante siglos, las sustancias nutricias que arrastraban las aguas hasta la desembocadura permitieron capturas espectaculares, de hasta quince y veinte mil toneladas anuales de pescado. Hoy, tras la pérdida de nutrientes provocada por la represa del agua, apenas se consiguen quinientas toneladas, o, lo que es lo mismo, el suculento banco de peces ha desaparecido. A estas torpezas, podemos añadir la rapacidad con que venimos actuando en medios que exigen, para pervivir, un tacto y una meticulosa reposición. Observemos lo que está sucediendo hoy, ahora mismo, en el famoso banco pesquero del Sahara. La riqueza y variedad de este retazo de mar, de más de doscientos mil kilómetros cuadrados de extensión, ha atraído cerca de cuatro mil embarcaciones de cien banderas distintas. El problema, salvo las dimensiones y el medio, es el mismo que el de la perdiz roja en Castilla la Vieja. Ni la perdiz castellana ni el besugo del banco sahariano pueden soportar esta presión. Así, las capturas en el mar del Sahara, según datos de Ángel Luis de la Calle, superan, el último año, el millón y cuarto de toneladas, cifra abultada que monta, con mucho, cualquier aspiración de rentabilidad razonable. Es manifiesto, pues, empleando un viejo y gráfico dicho, que estamos comiendo de lo vivo. A estas alturas, algunas especies —brecas, besugos— se han extinguido y otras muchas se encuentran en franca regresión. Para atajar este expolio insensato, únicamente cabe una ordenación internacional de la pesca, pero, ¿con qué autoridad contamos para este fin? Nuestros oceanógrafos consideran que la pesca mundial, no sólo en el banco del Sahara sino en todos los mares, ha desbordado con mucho la línea de recuperación o, como dice Lester Brown, dramáticamente, los «límites soportables».

       Problema semejante es el del papel-prensa, tal vez el símbolo más expresivo de nuestra cultura. No hay papel. El papel se acaba. En estos días, los rotativos más importantes del globo reducen drásticamente el número de páginas. Las fábricas, empero, trabajan a tope, pero la demanda desborda la producción. Mas la escasez no se resuelve en un día, ya que aun dando por buena una rápida adaptación de ciertas industrias similares a la elaboración de papel-prensa, apenas conseguiremos aumentar la producción actual en un 1%, cantidad manifiestamente inferior al déficit que hoy se acusa.

       La cuestión, entonces, no estriba en montar más fábricas, sino en alimentarlas, en plantar más árboles. Emmanuelle de Lesseps nos dice que un periódico de gran tirada se come diariamente seis hectáreas de bosque. Julio Senador, por su parte, advertía a principios de siglo, refiriéndose a Castilla, que cada árbol sacrificado era un nuevo paso hacia la miseria y la tiranía. Tal vez para obviar éstas, los japoneses, gentes de mucho ingenio, han dado en fabricar árboles de plástico para decorar sus campos y carreteras. Pero los árboles de plástico no tienen savia, no prestan cobijo a los pájaros, no facilitan madera, no crecen; en una palabra, no viven. Sin embargo, el árbol de plástico es, al parecer, más elástico que el de madera y reduce, por tanto, la gravedad de los accidentes de automóvil, hecho que indujo al gobierno francés, en 1973, a considerar la oferta nipona para instalarlos en sus autopistas. He aquí un símbolo ostensible del positivismo que, como una niebla pertinaz, nos va envolviendo. El hombre de hoy, antepone a la cultura, en sentido estricto, el goce material y, sobre todo, la seguridad. Pero si aceptamos como bueno el aserto de Senador, convendremos que nuestro mundo camina a marchas forzadas hacia la miseria y la tiranía. Las manchas forestales, el revestimiento vegetal de la Tierra, desaparecen.

       La vegetación arbórea es un estorbo. De 1882 a nuestros días más de un tercio de los bosques existentes en el mundo han sido destruidos. Dilatadas extensiones de Indonesia, el Congo y Kazahstan, ayer selvas impenetrables, ofrecen hoy al contemplador su monda desnudez. La Humanidad requiere pistas y cultivos y, ante esta urgencia, elimina aquello —los bosques— que, momentáneamente, no le es necesario para sobrevivir. El Dr. Piquet Carneiro, Presidente de la Fundación para la Conservación de la Naturaleza en el Brasil, ha denunciado a su gobierno que diariamente se derriban allí un millón de árboles con objeto de abrir las autopistas Perimetral Norte y Transamazónica, al norte y sur, respectivamente, del río Amazonas. No es preciso decir que sus voces de alarma contra estos tremendos arboricidios no encuentran eco. El primero vivir y luego filosofar se impone de nuevo. Por otra parte, la afrenta que los países atrasados infligen a la Naturaleza, está justificada. Porque, ¿qué razones morales podrán aducir los países industrializados para vetar el noble afán de los países necesitados para salir de un hambre de siglos?

       Nos encontramos, pues, con que el saqueo de la Naturaleza, basado incluso en argumentos éticos, resulta por el momento irremediable. Occidente ha montado su prosperidad sobre el abastecimiento de materias primas de sus colonias y, una vez que éstas consiguen la autonomía, el viejo equilibrio se descompensa y se rompe. De aquí que, más que el gasto de metales y recursos no recuperables, a mí, personalmente y en líneas generales, me alarma el despilfarro de aquellos que pueden recuperarse y, sin embargo, no se recuperan. Gastar lo que no puede reponerse puede obedecer a una exigencia de un estadio de civilización voraz, que a nosotros mismos, sus autores, nos ha sorprendido, pero terminar con aquello que nos es imprescindible y cuyo final pudo preverse, revela un índice de rapacidad y desidia que dicen muy poco en favor de la escala de valores que rige en el mundo contemporáneo.
-------- Miguel Delibes, «Disparates Ecologicos», in El Mundo en la Agonía

Imagen: Miguel Delibes