domingo, 18 de outubro de 2009

  • AO POVO CABO-VERDIANO,1 Eugénio Tavares

“A ti, Lázaro, me dirijo. Falo-te, porém não sei se me ouves; invoco quando deve haver de levantado na tua alma e a incerteza do teu olhar apenas me dá a impressão fria da caligem que envolve a tua inteligência, da miséria em que se empocilga a tua triste existência moral. Fisicamente, eu sei, existes: bem te vejo curvado sob a mó de um labutar esmagador, investindo com quanto há de tempestuoso na adversidade para que não falte o pão na boca dos teus filhos. Moralmente, porém, não oiço a tua voz no concerto das vontades orientadas na disciplina e fortalecidas na união.

Vítima da dissolução do meio em que fadejas, pessoa civil sem valor real; força política sem consciência de direitos; dizer-te vivo é caluniar a tua incapacidade cívica e intelectual.

Tua sombra hesitante, eu a enxergo dentro da escura nulidade a que te reduziu o desmarcado egoísmo dos últimos degenerados da nossa orgia administrativa. O que têm feito, por ti, esses que, com proficuidade, podem exercer benéfica acção moral e política? Quando é que para elevar o teu nível moral ou económico sacrificam, eles, a mínima parcela do seu tempo ou do seu dinheiro? Quando é que se deixaram de abusar da tua ignorância? Quando foi que eles viram, na política, não um meio de fazer frutificar habilidades em proveito próprio, mas uma força de fazer progredir povos?

A tua classe preponderante não é um elemento de acção política; não é uma engrenagem do progresso; é uma das faces mais ridículas do egoísmo. “Cumpre, pois, irmão, o dever iniludível de exercer os teus direitos políticos. “Educa-te; une-te; disciplina-te; se associares o teu trabalho ao trabalho dos outros, de muitos, quando não possa ser de todos; trabalharás muito menos e lucrarás muito mais... Porque a riqueza de um, meu amigo, é, quase sempre conseguida à custa da miséria de muitos...”
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Imagem: Luís Royo

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1 Ao Povo Cabo-verdiano, de Eugénio Tavares. In intervenção de Corsino Fortes (homem de cultura, discreto, sensível, ciente das suas responsabilidades e atento às necessidades dos cabo-verdianos, foi, de todos os Embaixadores de Cabo Verde que passaram por Portugal, honra lhe seja feita, aquele que mais se preocupou, em termos práticos com a Comunidade cabo-verdiana) no Colóquio Internacional Humanismo Latino na Cultura Portuguesa ocorrido na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2002) sob o título de «Eugénio Tavares - Um Construtor do Humanismo Cabo-Verdiano». Fica aqui a hiperligação para o texto, que merece uma leitura atenta neste Dia da Cultura Cabo-verdiana e da celebração do nascimento de Eugénio de Paula Tavares.

1 comentário:

Ariane Morais-Abreu disse...

Obrigada pela ligaçao!