terça-feira, 3 de novembro de 2009

  • CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORRÂNEOS

    Podereis roubar-me tudo:
    as ideias, as palavras, as imagens,
    e também as metáforas, os temas, os motivos,
    os símbolos, e a primazia
    nas dores sofridas de uma língua nova,
    no entendimentos de outros, na coragem
    de combater, julgar, de penetrar
    em recessos de amor para que sois castrados.
    E podereis depois não me citar,
    suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
    outros ladrões mais felizes.
    Não importa nada: que o castigo
    será terrível. Não só quando
    vossos netos não souberem já quem sois
    terão de saber melhor ainda
    do que fingis que não sabeis,
    como tudo, tudo que laboriosamente pilhais,
    reverterá para o meu nome. E, mesmo será meu,
    tido por meu, contado como meu,
    até mesmo aquele pouco e miserável
    que, só por vós, haveríeis feito.
    Nada tereis, mas nada: nem os ossos
    Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
    para passar por meu. E outros ladrões,
    iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
    Assis, 11.06.1961
    ----- Jorge de Sena

    Imagem: Auto-retrato, Jackson Pollock

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