- CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORRÂNEOS
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimentos de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E, mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Assis, 11.06.1961
----- Jorge de Sena
Imagem: Auto-retrato, Jackson Pollock
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Publicada por Virgilio Brandao à(s) 1:40:00 da manhã
Etiquetas: cultura
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