domingo, 29 de novembro de 2009

  • REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO: DEPUTADOS DA NAÇÃO OU DAS NAÇÕES?

    O Memorando de entendimento entre o PAICV-MPD não me agradou, por várias razões que não vou escalpelizar aqui. De todo o modo, verifico um facto: os direitos liberdades e garantias dos cidadãos saem enfraquecidos por razões puramente politicas, e isso não é próprio de um Estado de Direito. Espero que os deputados saibam assumir a sua posição de eleitos do povo e não de extensões dos partidos políticos e respectivas lideranças.

    Agora, existem matérias que deveriam ser clarificadas. Por exemplo, a questão da responsabilidade penal dos membros do Governo, a inconstitucionalidade por omissão – que se torna necessária num Estado que peca por omissões e com a anunciada instalação do Tribunal Constitucional –, o salário mínimo nacional entre outras questões, nomeadamente a acumulação de funções electivas e remuneradas por deputados da nação. Neste último aspecto não sei se ouço o deputado a defender os interesses da(s) sua(s) ilha(s) ou da nação, para não dizer que (i) existe uma clara incompatibilidade de funções, como se verificou na ultima discussão do Orçamento Geral do Estado, entre o deputado e o vereador e (ii) num país com o nível de desemprego existente haja cidadãos a acumular funções públicas remuneradas.

    Esta revisão da Constituição não está a ser feita a favor do povo de Cabo Verde, mas sim a reboque dos interesses da classe política cabo-verdiana que tem o pendor quase natural de fazer as coisas que não deve à revelia da Constituição para depois ver o que fazer, até mudar a Constituição e a lógica fundadora da ordem jurídica cabo-verdiana. É o caso da questão da extradição – cujo consenso me parece inadequado e contra a Constituição, os seus valores e limites materiais. Mas a lógica política é simples: é preciso fazer-se a revisão constitucional nesta matéria, pois o Governo de Cabo Verde assinou a «
    Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa», isso na cidade da Praia e na qualidade de anfitrião, a 23 de Novembro de 2005, em que assumiu obrigações extradicionais com outros Estados.

    Esta Convenção está tabelada pelo Estatuto de Roma que institui o TPI, daí o sentido do Memorando de Entendimento assinado pelo MPD e pelo PAICV. Interesses do Estado na questão da extradição. Invocar-se-á. Mas e os interesses da nação e dos seus cidadãos? Parece-me que se pensa na protecção do voluntarismo do Estado e dos seus órgãos e agentes, menos nos cidadãos. Aprovar esta norma e a que permitirá a adesão ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional assim como outras de igual gravidade constitucional e neste sentido, é dar uma machadada no Estado de Direito Democrático e, paradoxalmente, colocará Cabo Verde na periferia dos Estados de Direito. A pacta sunt servanda obriga a muita coisa, mas existem limites, ademais a assinatura da convenção de extradição está ferida de invalidade originária uma vez que viola de forma clara e flagrante várias normas da Constituição da República de Cabo Verde. Salva-se a assinatura da convenção de extradição da CPLP e viola-se a nossa Constituição. Que bela, mas que bela ideia! O que é mais valioso? Basta ler-se o ponto 2 de «Sobre as matérias indicadas pelo PAICV» do Memorando de Entendimento para se obter a resposta, e é clara, cristalina.

    Mas por que carga de agua é que os deputados, do UCID, do MPD e do PAICV eleitos pela nação, deverão salvar a asneira do Governo ao assinar a Convenção da CPLP sobre extradição e faz “acordos” com a União Europeia no sentido de vir a adaptar a ordem jurídica cabo-verdiana à europeia? Caminhamos para um Estado satélite, sem identidade, sem independência real e verdadeira. A vontade política pode tudo – é a nova lógica da Europa dos consensos. Mas não é verdade, nem pode ser verdade. O rule of law, o império do Direito é que conforma o Estado, não é a vontade do poder político. Andamos a ver Cabo Verde pelo lado errado do binóculo – e os outros acabam por nos ver dessa mesma perspectiva.

    Os deputados da nação irão ser sujeitos a um julgamento prévio – antes do que virá em 2011 – no dia em que se colocar estas normas em discussão. Que a televisão esteja lá para registar esse momento da história e informar os cabo-verdianos, que a rádio de Cabo Verde não se silencie por qualquer razão de ordem “técnica” e inesperada, pois o povo vai querer ouvir os deputados e saber qual é o seu sentido de voto. Não existe pais que se pode chamar tal e que possa se dar ao luxo de ser governado pelos interesses externos, de outras nações. É que satélite por satélite, tutela por tutela, para quê é que foi a independência de Cabo Verde? Suserano do Direito é algo a que deveríamos dizer não, pois de facto há muitos que ainda são gerados e guiados, de facto, por um suserano de alma.

    ----- Anexo: Convenção de Extradição da CPLP

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